Trabalhar numa ilha da fantasia já não satisfaz o governo. A fantasia, agora, tem de ser esquizofrênica. Num lado da Praça dos Três Poderes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discute com seus ministros um programa de estímulo ao crescimento e de ajuste fiscal – mais de estímulo que de ajuste. Noutro lado, parlamentares tentam alargar o projeto de Orçamento para nele acomodar o máximo de gastos de todos os tipos. Esse projeto já chegou ao Congresso, no fim de agosto, sobrecarregado com as bondades eleitorais, mas o presidente ainda quer ampliar o investimento em infra-estrutura.
Os jornais têm dado bom espaço aos dois temas, principalmente à ambição presidencial de promover um crescimento econômico de 5% ao ano. No começo, a cobertura foi muito centrada no ministro da Fazenda, Guido Mantega, mas ganhou vigor, nos dias seguintes, com o recurso a mais fontes. Alguns informantes não identificados forneceram detalhes muito significativos sobre a reação do presidente às propostas apresentadas.
A cobertura se enriqueceu com informações sobre quem propõe e quem rejeita, na equipe governamental, medidas mais severas de correção fiscal. Essas propostas incluem mudanças impopulares, como desvincular os benefícios previdenciários do salário mínimo e elevar a idade mínima para aposentadoria. Quanto mais detalhes como esses, mais claro o sentido político do debate.
Mas faltou, pelo menos até o fim da semana, um esforço maior para juntar as duas coberturas – a do orçamento e a do pacote presidencial. Os dois temas são obviamente relacionados. A proposta da lei orçamentária, já muito pesada na formulação original, ainda vem sendo desfigurada no Congresso. Isso tende a complicar um quadro financeiro já muito ruim. Algumas bondades eleitorais, como a revisão salarial de várias categorias do funcionalismo, produzirão efeitos não só em 2007, mas também nos anos seguintes.
Limitações fiscais
Umas poucas matérias têm chamado atenção para os limites orçamentários, mas sem avançar nos detalhes. Em geral, não vão além de uma referência às dificuldades para cumprir a meta de superávit primário, nos próximos anos, e ao mesmo tempo financiar maiores investimentos públicos. Houve alguma referência ao uso do PPI (Projeto Piloto de Investimento) como forma de contornar a meta de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB).
Para o presidente, o assunto é aparentemente muito fácil, pois as despesas classificadas dessa forma não serão contadas no cálculo do superávit primário. Mas essa não é uma solução muito séria. A idéia do PPI surgiu de longas discussões de ministros de vários países, incluído o Brasil, com economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI). Houve acordo, afinal, para uma experiência.
Governos comprometidos com programas de ajuste poderiam realizar certos investimentos de retorno econômico e financeiro rápido. Se a melhor hipótese fosse comprovada, seria possível conciliar a correção fiscal com um crescimento econômico mais acelerado. O resultado da experiência poderia enriquecer o receituário do FMI. A idéia não foi concebida como forma de contornar, simplesmente, o esforço de arrumação financeira do governo.
A proposta de acrescentar 6 bilhões de reais ao programa de investimentos federais no próximo ano foi a única idéia aceita pelo presidente na primeira reunião com os ministros e técnicos, na semana passada. Terá o presidente Lula entendido que o PPI não foi inventado para ser um mero quebra-galho contábil?
Só um exame dos investimentos propostos poderá permitir uma conclusão, mas nada foi publicado sobre isso. Maior informação sobre o assunto pode dar uma idéia mais clara de como o presidente encara as limitações fiscais. É mais uma boa missão para pauteiros e repórteres com a vocação sublime de aporrinhar as autoridades.
Milton Friedman
Os jornais deram destaque à morte de Milton Friedman, ganhador do Nobel de Economia em 1976. Mas a maior parte do material foi pouco além dos fatos e rótulos mais conhecidos – seu ‘monetarismo’, sua oposição à intervenção nos mercados e seu prestígio diante de governantes como Ronald Reagan, Margaret Thatcher e Augusto Pinochet. A informação sobre seu trabalho teórico foi escassa e as entrevistas com professores brasileiros pouco serviram para enriquecer essa parte do material. Alguns foram bastante modestos para reconhecer o valor acadêmico de Friedman, embora ressaltando, naturalmente, sua oposição às idéias do professor de Chicago.
‘Fui ativo no campo das políticas públicas e tentei influenciá-las’, disse Friedman num discurso em 1985. ‘Mas, ao fazê-lo, agi não na condição de cientista, mas como cidadão – e um cidadão, informado, espero. Creio que o que sei como economista me ajuda a formular melhores julgamentos sobre alguns assuntos do que eu seria capaz sem esse conhecimento. Mas, fundamentalmente, meu trabalho científico não deveria ser julgado por minhas atividades ligadas à política pública.’
No Estado de S.Paulo, Fernando Dantas tentou combinar dados biográficos e informações sobre o trabalho acadêmico de Milton Friedman e produziu um material mais informativo do que a média. No Valor, Cyro Andrade teve mais espaço para juntar, num texto razoavelmente longo, um relato biográfico e um resumo claro e bem articulado de como se formaram as idéias mais importantes de Friedman. Cyro Andrade conseguiu tratar essas idéias sob a forma de problemas e argumentos – uma homenagem ao leitor pensante.
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Jornalista