A imprensa brasileira é ruim, mas estaríamos muito pior sem ela. Parece necessário, num país com um passado como o do nosso, deixar claro este ponto antes de adentrar-se numa discussão a seu respeito. Dito isto, vamos adiante.
A imprensa brasileira, inserida numa cultura paternalista e autoritária, tem um viés corporativista e auto-indulgente. Necessário debatê-la, ainda mais em face de seu comportamento recente.
Os meios de comunicação, impressos ou eletrônicos, exercem papel essencial ao servir de canal entre governantes e governados, assim como entre governados e governados. Não existem previstos, constitucionalmente, remédios para seus potenciais excessos, ao contrário do que ocorre em relação às instituições republicanas, que se limitam umas às outras.
Em sociedades capitalistas desenvolvidas, a oferta de informação é balanceada e variada – do que, talvez, a Inglaterra seja o melhor exemplo. Um sistema judiciário eficiente, que atenda satisfatoriamente a população, garante que exageros por parte da mídia sejam coibidos ou, pelo menos, passíveis de contestação. Ademais, uma legislação que regule a concentração dos meios de informação – como as que existem nos Estados Unidos e na Europa – torna todo o processo de divulgação de informação, senão idealmente, com certeza razoavelmente diversificado.
Conjunto de ações programáticas
No entanto, num país como o Brasil, com profundas desigualdades de toda ordem, sobretudo econômicas, mas também culturais (no sentido daquele conjunto de informações socialmente valorizadas), os meios de comunicação tendem a pertencer a um minúsculo grupo social e a dirigir-se àqueles poucos segmentos da sociedade que os consomem. Ou seja, são uns pouquinhos falando para uns poucos. Para piorar o cenário, esses poucos com acesso à informação são desprovidos de senso crítico.
Diante desse quadro preocupante, a imprensa apresenta algumas falhas que agravam ainda mais o contexto. Eu destacaria três.
A pauta da grande imprensa ‘nacional’ é provinciana em sua cobertura. Não temos uma imprensa, de fato, nacional. Não sabemos o que ocorre na periferia da centralidade Rio-São Paulo. Por outro lado, questões estritamente estaduais, ou, quando muito, regionais, tomam proporções nacionais.
A cobertura política (mas não apenas ela, frise-se) é superficial, limitada. Prevalece a cobertura ‘política’, para usar a distinção feita por Raymond Aron no sentido de politics, ou seja, a esfera em que se dá a disputa entre os diferentes grupos que concorrem pelo exercício do poder. Tal cobertura se dá em detrimento de uma abordagem mais analítica da ‘política’ no sentido de policies, ou seja, o conjunto de ações programáticas que estão em disputa, por meio dos partidos, sindicatos, associações, no âmbito da politics. A cobertura perde em densidade e reduz o sentido de política, desacreditando-a perante a sociedade.
Informação democrática e plural
Finalmente, e não menos importante, a grande imprensa corporativa tem a sua agenda política própria, que reflete tanto os interesses econômicos, como a visão de mundo, dos seus donos e/ou principais patrocinadores.
Um exemplo esclarecedor foi apontado por Luís Nassif, em seu excelente blog, ao comentar a insistente pressão dos principais veículos pela ‘reforma da previdência’. Ou, mais recentemente, a discussão em torno do pedágio das rodovias. Típicos casos em que a ‘notícia’ se submete à lógica da ideologia/interesses dos patrões.
Esses três pontos acima representados são questões que apenas as próprias empresas jornalísticas podem resolver. Já aqueles três anteriormente apontados dizem respeito a medidas que a sociedade pode tomar no sentido de tornar o acesso à informação mais democrático e mais plural, refletindo de maneira mais aproximada a imensa diversidade social, cultural e política do país.
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Sociólogo, Brasília, DF