Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Pedras no caminho da liberdade de imprensa



Usando desde formas truculentas de censura dos jornais até sutis pressões econômicas, passando por vários matizes de controle estatal da mídia, governos impõem dificuldades à liberdade de imprensa em vários países. Mesmo nas democracias há tentativas de intervenção branca, com autoridades buscando influenciar a cobertura de seus atos. Correspondentes do Globo em três continentes relatam as dificuldades de fazer a informação chegar ao cidadão sem a interferência do Estado.


 


Conflito aberto com os jornais


Janaína Figueiredo, de Buenos Aires


Em quase todos os seus discursos públicos, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, critica os meios de comunicação.


Como seu marido e antecessor, Néstor Kirchner (2003-2007), ela tem certa dificuldade em digerir os questionamentos de jornalistas que mostram os problemas de sua gestão.


Em um gigantesco ato na Praça de Maio há cerca de dois meses, Cristina atacou o cartunista Hermenegildo Sábat, do jornal Clarín, figura ilustre do jornalismo argentino, por uma charge publicada dias antes na qual a presidente aparecia com um esparadrapo na boca.


O incidente, apenas um exemplo que reflete a relação do casal Kirchner em relação à imprensa, provocou a reação das principais associações de jornalistas do país.


– O governo tem um conceito equivocado sobre o papel que devem desempenhar os meios de comunicação num regime democrático. O casal Kirchner considera que os meios de comunicação devem subordinar-se ao governo, e nós, obviamente, não estamos de acordo – afirmou o diretor do Clarín, Ricardo Kirschbaum.


Desde o início do conflito entre a Casa Rosada e os produtores rurais do país, que se arrasta há mais de três meses, o governo comandou uma campanha contra o principal jornal argentino.


Em manifestações a favor do governo, grupos kirchneristas levaram cartazes que diziam ‘Clarín mente’. O jornal também foi alvo de ataques por parte de dirigentes políticos aliados ao governo, como Luis D’Elia, que está à frente de um movimento social de desempregados, os chamados piqueteiros. D’Elia chegou a dizer que a ‘Argentina vive hoje a ditadura do grupo Clarín’. A campanha também buscou desprestigiar o canal de TV do grupo, o Todo Notícias, chamado de Todo Negativo pelos kirchneristas.


Em março passado, o jornalista Jorge Lanata, um dos fundadores do Página 12, hoje aliado do casal Kirchner, lançou o jornal Crítica da Argentina, novidade que não foi bem recebida pelo governo. O jornal já causou muitas dores de cabeça à presidente. Em uma de suas edições, o Crítica informou quanto foi gasto por Cristina em suas viagens ao exterior ano passado, em plena campanha eleitoral (US$ 8 milhões).


– Assim como o governo manipula as estatísticas do Indec (o IBGE argentino), pretende controlar o que é publicado na mídia. Nosso trabalho é lutar contra essa tendência – assegurou Silvio Santamarina, editor-chefe do Crítica.


Uso da comunicação direta com a população


Para a deputada e secretária da Comissão de Liberdade de Expressão do Congresso, Norma Morandini, ‘o casal Kirchner têm uma concepção de comunicação direta com a população, ignorando o papel dos meios de comunicação’:


– Existe uma escassa consciência sobre o papel que deve ser cumprido pela imprensa numa sociedade democrática.


A deputada lembrou que a presidente não participa de coletivas e informa sobre suas ações de governo através de discursos e propaganda. Morandini questionou, ainda, a maneira como o governo asfixia os meios de comunicação vetando a entrega de publicidade oficial a veículos opositores, entre eles, os jornais Crítica e Perfil.


O encarregado de distribuir os recursos da publicidade oficial é o secretário de Meios de Comunicação, Enrique Albistur, que há dois meses foi acusado de ter repassado US$ 3,2 milhões em recursos destinados à publicidade do Estado a empresas suas, de familiares e de colaboradores próximos. O caso está sendo investigado.


Pouco preocupada com as queixas, a Casa Rosada anunciou recentemente a criação de um Observatório dos Meios de Comunicação, organismo que já foi batizado pela imprensa local de ‘guarita midiática’. Para a Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas, o observatório ‘é um instrumento que busca controlar o trabalho informativo’.


Venezuela


Em maio passado, o jornalista venezuelano Mario Villegas, que trabalha na assessoria de imprensa do Seniat (a Receita Federal da Venezuela), recebeu um telegrama no qual era informado que o órgão decidira transferi-lo para a cidade de Santa Elena de Uairén, a 1.400 quilômetros de Caracas, na fronteira com o Brasil.


A notícia não surpreendeu o jornalista, que publica artigos no jornal El Mundo e critica as reformas comandadas pelo presidente Hugo Chávez.


Casado, pai de cinco filhos e com uma mãe em delicado estado de saúde, Villegas, irmão do ex-embaixador da Venezuela em Brasília, Vladimir Villegas, não pensou duas vezes e entrou na Justiça contra o Seniat, argumentando que o organismo não podia decidir, unilateralmente, seu destino.


– Sinto que esta decisão foi um castigo por minhas colunas de opinião.


Aqui existe uma tendência muito forte de pensar que cargos públicos só podem ser exercidos por aliados do governo – disse o jornalista.


O caso foi comentado pelos principais meios de comunicação do país. Semana passada, os tribunais de Caracas determinaram que o jornalista pode permanecer na capital do país até que o processo seja encerrado.


– No governo venezuelano existe uma manifesta aversão a jornalistas críticos. Também devo dizer que, nos últimos tempos, muitos setores da imprensa confundiram o papel que devem cumprir e atuaram como militantes políticos – comentou Villegas.


De fato, em abril de 2002, os principais meios de comunicação respaldaram o governo de Pedro Carmona, que durou apenas 47 horas, e evitaram denunciar o golpe de Estado que derrubara Chávez. No entanto, disse Villegas, a posição de alguns setores da imprensa não justifica a tentativa do governo de silenciá-los.


Prisão de até 30 meses para jornalistas que publicarem ‘ofensas’ ao presidente Depois de ter retornado ao Palácio Miraflores, o presidente venezuelano deu impulso a uma série de medidas interpretadas como ameaças à liberdade de expressão por ONGs locais e internacionais.


Em dezembro de 2004, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Social de Rádio e TV.


Em março de 2005, a Assembléia Nacional aprovou a reforma do Código Penal, que estabeleceu pena de seis a 30 meses de prisão para quem ‘ofender de maneira grave’ o presidente.


Paralelamente, Chávez controla dezenas de meios de comunicação estatais: dos oito canais de TV nacionais, quatro são estatais (Telesur, Venezolana de Televisión, Vive TV e o canal da Assembléia Legislativa). Existem, ainda, cerca de 150 jornais estatais. No ano passado, o presidente não renovou a concessão da RCTV, provocando repúdio mundial. Poucos meses depois, o canal de TV Globovisión foi ameaçado pelo governo, mas o presidente terminou optando por evitar um novo conflito.


– A sensação que temos é de que os chavistas, sobretudo o presidente, são hipersensíveis e não suportam qualquer tipo de crítica.


Mas nosso dever é continuar informando e também opinando – assegurou Villegas.


Para o diretor do jornal El Nacional, Miguel Henrique Otero, Chávez tem uma concepção comunista do papel dos meios de comunicação:


– Chávez criou um esquema de hegemonia comunicacional, termo usado pelos países comunistas, que busca controlar a informação que circula no país.


Segundo o diretor de um dos principais jornais do país, que publica artigos de dirigentes chavistas, o presidente busca prejudicar meios de comunicação opositores, considerados inimigos, ‘vetando a entrega de publicidade oficial e atacando, constantemente, nossas empresas’.


Há cinco anos, o El Nacional, acusado por Chávez de ter participado do golpe de 2002, nada recebe de publicidade oficial.


Seus jornalistas não podem participar de entrevistas coletivas organizadas por funcionários do governo e tiveram sua entrada vetada no Palácio de Miraflores.


– Tentamos fazer nosso trabalho da melhor maneira possível. Em muitos casos pedimos ajuda a correspondentes estrangeiros, que fazem perguntas em nosso lugar nas coletivas do governo – comentou Otero.


Na visão da jornalista Gloria Bastidas, que colabora com vários jornais, ‘existe um clima de medo’ entre os jornalistas. ‘Continuamos fazendo nosso trabalho porque nosso país tem uma profunda cultura democrática, e isso Chávez não conseguiu destruir’.


– Quando surge uma denúncia, o governo ataca a imprensa e não responde às acusações – disse ela.


Segundo Gloria, ‘o caso RCTV foi um dos principais fatores da derrota de Chávez no referendo sobre seu projeto de reforma constitucional’.


Equador


Depois de fechar três TVs, Correa ameaça rever concessão de 300 rádios O resultado da manobra chavista não parece ter assustado um de seus principais parceiros na região, o presidente do Equador, Rafael Correa, que semana passada ordenou a intervenção em três emissoras de TV e 195 empresas de um grupo financeiro que, segundo o governo, sacou dinheiro público de forma ilegal para tentar salvar um banco. Correa pretende rever as concessões de 300 rádios e TVs do país.


Na visão de Paul Bonilla, professor de comunicação da Universidade Central do Equador, ‘existe uma atitude hostil do governo em relação aos meios de comunicação, foi assim desde o primeiro dia de gestão, mas é exagerado compará-lo com Chávez’: – Também é importante dizer que os meios de comunicação adotaram uma atitude muito dura com o governo de Correa – disse Bonilla.


– O presidente optou por desafiar os meios de comunicação, mas não está cometendo um delito, juridicamente sua atuação é correta. É uma decisão política, outro governo talvez não fizesse nada e buscasse um acordo com a imprensa.


Para ele, ‘o principal objetivo de Correa é silenciar meios opositores e garantir um triunfo no referendo sobre a reforma constitucional’.


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Internet livre, mas restrições nas bancas


Vivian Oswald, de Moscou


Good night, and bad luck! A frase (‘boa noite e má sorte’, em português) é a manchete da última edição do irreverente jornal russo publicado em inglês The eXile. A frase é um trocadilho com o nome do filme dirigido por George Clooney, Good night, and good luck! (‘Boa noite, boa sorte’, no Brasil). O complemento é ainda mais provocador: ‘Em um país aterrorizado por seu governo, um jornal ousou zombar da sua cara’. O periódico quinzenal, que existia há 11 anos, teria sido fechado pouco após receber visitas de agentes do serviço de segurança.


Entre os motivos estaria seu relacionamento com o escritor oposicionista Eduard Limonov, cujos artigos vinham sendo publicados com destaque. O periódico também teria sido enquadrado no artigo 4º da Lei de Mídia, que prevê punições para a apologia do extremismo, da pornografia e das drogas.


A notícia do fim do The eXile veio poucos meses depois de o tablóide Moskovski Korrespondent ter saído de circulação, após publicar matéria de capa sobre o suposto relacionamento do ex-presidente Vladimir Putin com uma ex-ginasta e deputada com metade da sua idade. Mas veio também poucas semanas depois de este mesmo jornal reabrir as portas e de seu diretor-geral dizer que o periódico teria aprendido ‘com os erros do passado e terá mais responsabilidade ao escolher matérias para publicação’.


Para especialistas, falta institucionalização do país


Esta semana, o eXile voltou a funcionar, mas só em versão eletrônica. Na página inicial, há uma carta do editor do jornal contando como foi a visita das autoridades, e explicando que agora o jornal terá como foco os EUA, e não mais a Rússia, onde só terá um funcionário.


Em outro episódio, a morte da jornalista Anna Politkovskaya, do Novaya Gazeta, completa dois anos em outubro e, embora as autoridades acabem de anunciar o indiciamento de quatro envolvidos no crime, ainda está longe de ser esclarecida. O editorchefe do jornal diz que foram vazadas informações das investigações para facilitar a fuga dos responsáveis.


A situação da imprensa na Rússia hoje preocupa especialistas e é alvo de críticas. Mas, por mais paradoxal que pareça, não se pode dizer que não há liberdade de expressão. Analistas garantem que a imprensa nunca foi tão livre. A editora da revista Pro et Contra do Centro Carnegie de Moscou, Maria Lipman, garante que há jornais e rádios mostrando uma realidade que os canais de TV – que pertencem ao Estado ou a grupos ligados ao governo – não ousam.


Na internet ainda mais. O problema é a falta de repercussão.


– Liberdade existe sim. A imprensa nunca foi tão livre na Rússia. Mas não existe a institucionalização da imprensa. Este governo ficou conhecido pela desinstitucionalização em geral.


Segundo Lipman, reportagens negativas ou críticas não ecoam no país. Um deputado da Duma (câmara baixa do Parlamento), ao ler sobre problemas no atual governo, não aprofundará a discussão na Casa, muito menos tentará levar as investigações adiante.


– O Parlamento está completamente dominado pelo Kremlin. O mesmo acontece no Judiciário. Ninguém vai investigar a situação. É preciso fortalecer as instituições.


Jornais são, em sua maioria, influenciados por prefeituras


Em recente entrevista, o presidente Dmitri Medvedev disse que a Rússia não tem ‘controles especiais sobre a mídia diferentes dos que existem em outros países’. Desde que assumiu o poder, há dois meses, prometeu zelar pela liberdade de expressão.


No pacote anticorrupção que está em estudo, cogita-se dispensar a jornalistas, durante a apuração de pautas espinhosas, a mesma proteção que se dá a testemunhas de crimes.


O fato é que a informação existe, mas não chega às pessoas.


A internet nunca teve qualquer restrição. Considerada uma arena importante de debate, é usada por pouco mais de 10% da população, em sua maioria jovens das grandes cidades.


Além disso, nem todos lêem jornais.


E a TV, que, segundo o sociólogo Denis Volkov atinge a maioria esmagadora da população, sobretudo no campo, mostra uma realidade mais filtrada.


Outro problema seria a preferência popular pelos periódicos locais. Segundo a edição de junho da revista especializada Jornalista, a maior parte da mídia regional e até 80% dos jornais municipais da Rússia continuam sendo públicos ou ligados a órgãos municipais, o que se reflete na sua política editorial.


Acabam sendo patrocinados por fundos regionais ou pelo orçamento municipal. Em outras palavras, na Rússia existe um grande número de publicações periódicas que estariam fora das relações de mercado.


Apesar de seus defeitos, o mercado russo de periódicos é enorme e crescente. Em 2007, foram US$ 2 bilhões, cerca de 30% a mais do que em 2005. Muitas empresas estrangeiras lançaram suas versões em russo, como a Newsweek, a Elle, a Vogue, a Cosmopolitan e a National Geographic. E um dado curioso: pesquisa do Centro VTsIOM mostra que 58% dos entrevistados são favoráveis à censura da imprensa no país.


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Imprensa controlada apesar das promessas


Gilberto Scofield Jr., de Pequim


A menos de um mês de a China protagonizar o tão esperado espetáculo das Olimpíadas – período durante o qual Pequim jurou dar ‘total liberdade’ para os jornalistas estrangeiros que trabalham no país –, o Clube de Correspondentes Estrangeiros da China (FCCC) mandou uma carta ao Ministério das Relações Exteriores condenando o aumento da censura na mídia estatal e cobrando a promessa de ‘permitir, sem qualquer restrições, que repórteres viajem para onde quiserem e entrevistem quem concordar em dar declarações à imprensa’.


Segundo a carta ,estes dois princípios estão incluídos na regulamentação sobre a cobertura internacional das Olimpíadas (que expira em outubro, após as Paraolimpíadas), mas não estão sendo obedecidos pelo governo, que continua proibindo jornalistas estrangeiros de viajarem a regiões de conflito no país, como o Tibete e a província de Xinjiang (de maioria muçulmana), bem como entrevistar presos políticos confinados em suas casas durante os Jogos.– O governo chinês ainda não cumpriu a promessa de dar completa liberdade para reportagem e há sinais contraditórios de que esteja disposto a fazê-lo – afirmou o presidente do FCCC, Jonathan Watts.


Jornais servem como forma de propaganda do regime


A não obediência de Pequim às promessas de liberdade de imprensa feitas aos jornalistas estrangeiros por conta dos Jogos ilustra com perfeição a relação conflituosa do Partido Comunista da China (PCC) com a informação.


Richard Baum, diretor do Centro de Estudos Chineses da Universidade da Califórnia, afirma que os jornais estatais chineses funcionam como propaganda do governo, o que ajuda a legitimar um regime ditatorial num país sem eleições.


E num momento em que os holofotes do mundo estão voltados para Pequim, o governo está assustado com a exposição e procura de todas as formas impedir que a mídia estrangeira mostre com fidelidade um país cheio de virtudes e defeitos. Ainda assim, diz ele, o jornalismo investigativo cresce:


– O jornalismo investigativo está se impondo na China, menos por conta do esforço individual da imprensa tradicional e mais pela rapidez com que as informações hoje se espalham nas salas de discussão da internet, o veículo mais temido. As autoridades não podem mais ignorar as denúncias debatidas por milhões. Mas também não podem deixar a imprensa ir fundo em tudo. Este é o dilema – diz Baum.


Na segunda-feira passada [14/7], a ONG Human Rights Watch afirmou que as autoridades estão ameaçando retirar as credenciais de correspondentes estrangeiros baseados na capital se estes produzirem reportagens que ‘manchem a reputação do país’.


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A imprensa sob pressão econômica


Marília Martins, de Nova York


Como vão as relações entre o governo Bush e a mídia? Conturbadas, como sempre.


Mas, em tempos de baixa popularidade, o presidente, que depois do 11 de Setembro tinha mais de 80% de aprovação e hoje mal atinge os 20%, já não consegue dar as cartas na cobertura da imprensa como antes.


Joshua Friedman, professor da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia, em Nova York, e presidente do Committee to Protect Journalists, acredita que a pressão sobre a imprensa exercida pelo governo Bush tomou outra forma devido à queda de popularidade do presidente: agora, durante a campanha presidencial, haverá forte pressão econômica sobre a mídia, por causa das altas verbas de publicidade das organizações políticas por trás de cada candidato, especialmente dos republicanos:


– Os republicanos sempre foram conhecidos pela capacidade de levantar grandes somas de dinheiro em favor de suas campanhas. Desta vez, com Bush sem os poderes quase imperiais que tinha antes, os grupos de ativismo político tendem a tomar a frente e pressionar a cobertura para favorecer seu candidato – explica Friedman.


Mesmo assim, ele acredita que não haverá condições de repetir a quase unanimidade obtida por Bush depois do 11 de Setembro. Friedman acha que a opinião pública exige atualmente que a mídia seja mais crítica do presidente. Segundo ele, após os atentados a mídia se viu diante de uma opinião pública preocupada em defender seu país e confundindo a crítica ao governo com antiamericanismo.


– Quem criticava a luta contra o terror era considerado antipatriota. Agora, decididamente, a opinião pública mudou. E o principal motivo desta virada não foi a guerra do Iraque, e sim a ineficiência do governo diante do furacão Katrina. Naquele momento, os americanos perceberam que o governo Bush não cumpria a promessa de proteger os cidadãos americanos – avalia.


Tentativa de cooptar a imprensa alternativa


Vencedor do prêmio Pulitzer de Jornalismo, Friedman acha que não haveria mais condições, hoje, para um caso como o de Judith Miller, que virou marca do que ele chama de ‘jornalismo neocon’. Miller era uma das principais repórteres de política do jornal The New York Times e assinou uma série de reportagens que ‘provavam’ que havia armas de destruição de massa no Iraque, justificando portanto a guerra. Ela se desmoralizou não apenas quando veio à tona a falsidade das informações que publicava, como também quando foi acusada de participar do vazamento da informação de que Valerie Plame, mulher de Joseph Wilson, um dos principais críticos da estratégia de Bush para o Iraque, era agente da CIA.


O jornal acabou por desculpar-se com os seus leitores e Judith Miller foi condenada a seis meses de cadeia. Segundo Friedman, o caso Miller é emblemático de uma período em que as relações entre a mídia e as fontes governamentais foram promíscuas e boa parte do jornalismo americano perdeu sua independência diante de um Executivo superdimensionado, que tinha o apoio irrestrito das grandes corporações.


– O primeiro governo Bush ficará conhecido como o período de ouro de Karl Rove, seu principal estrategista de mídia e arquiteto de suas duas vitórias eleitorais. Rove foi o responsável pelo ambiente de intimidação que fez com que a mídia alternativa praticamente desaparecesse.


Hoje, as grandes corporações tentam incorporar os blogs bem-sucedidos, como o Huffington Post, porque sabem que não podem mais ignorar a imprensa alternativa, que interessa cada vez mais à opinião pública descontente – avalia Friedman.


– Hoje, o segundo governo Bush e a mídia parecem um casal que passou tempo demais junto, que não suporta mais olhar a cara um do outro.


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Relações perigosas de um presidente com a mídia


Deborah Berlinck, de Paris


Uma charge no jornal Le Monde diz tudo: Nicolas Sarkozy, presidente da França, sentado diante de uma tela de computador pesquisando uma página na internet que dizia: ‘método chinês, livro de instruções’. E o comentário do presidente: ‘Agora só falta controlar a internet’.


Para muitos jornalistas franceses, a imprensa local sofre hoje o ‘efeito China’. Isto é, está sob controle do Executivo, em particular, do presidente do país.


– Dizem que a França é um país democrático, livre… Mas o poder sempre tentou controlar a imprensa. Os jornais franceses não têm a mesma liberdade que os alemães ou os americanos – constata François Malye, jornalista do Le Point.


Malye comanda o Fórum de Sociedades de Jornalistas (FSDJ), que reúne profissionais de 27 redações na França, como Le Monde, Agence France Presse, Paris Match, Le Figaro e outras. Para ele, com Nicolas Sarkozy, a mídia da França vive uma ‘regressão democrática’. Razão principal por trás disso: a crise financeira na imprensa.


– Quando o presidente da República decide nomear pessoalmente o presidente da France Télevisions é uma regressão democrática – diz ele, referindo-se à entidade que reúne as TVs públicas.


Amizade íntima com os magnatas da imprensa


O controle de Nicolas Sarkozy sobre a imprensa começa com suas relações pessoais.


Ele é amigo íntimo dos empresários que controlam a imprensa francesa. Martin Bouygues, dono da principal rede de televisão francesa, TF1, é padrinho de seu filho Louis.


Bernard Arnault, dono do grupo LVMH e do jornal Les Échos, foi padrinho de seu segundo casamento, com Cecília, mãe de Louis. Arnaud Lagardère, dono do grupo Hachette – Le journal du dimanche, Paris Match, Parisien – se descreve como um ‘irmão’ do presidente. E foi no iate de Vincent Bolloré, do grupo Bolloré, rei da imprensa gratuita, que Sarkozy e a família passaram uns dias de férias logo após as eleições.


A relação de Sarkozy com eles não se limita ao social. O presidente foi associado à controversa demissão do principal âncora da rede de televisão TF1, Patrick Poivre-d’Arvor (PPDA), quando, numa entrevista, o jornalista perguntou se, ao participar pela primeira vez de uma reunião do G-8 (grupo dos sete países mais ricos do mundo, mais a Rússia), Sarkozy não se sentia como um ‘pequeno que entra na sala dos grandes’. Sarkozy, que é sensível à sua baixa estatura, não teria gostado. Sarkozy teria pedido a Bouygues que pusesse no lugar de Poivre-d’Arvor a louríssima Laurence Ferrari, de 41 anos. Ela tem reputação de boa jornalista, mas teria sido vista jantando com o então recém-divorciado presidente em novembro passado.


As intromissões de Sarkozy na mídia são conhecidas. Mal foi eleito presidente, ele pediu ao dono da TF1 para empregar o diretor-adjunto de sua campanha eleitoral, Laurent Solly, na direção estratégica da rede, o que foi feito. E o presidente costuma dar sua opinião sobre os programas que quer ver na televisão.


– Há uma vontade de controle de Nicolas Sarkozy sobre a mídia. Nós temos que reagir. É urgente – alertou o produtor Nicolas Traube durante um protesto no início de julho que reuniu, em Paris, sindicatos de produtores, autores e sociedades de jornalistas.


Lei para mudar a proteção às fontes jornalísticas


O que preocupa os jornalistas é que as regras que garantem, hoje, a independência da mídia estão sob ataque nos últimos meses. Exemplo: a reforma do audiovisual público. No dia 8 de janeiro, Sarkozy anunciou o fim da publicidade nas TVs públicas e a reorganização da France Télévisions, grupo que reúne as redes de TV pública (F2, F3, F4 e F5). O texto da lei sobre proteção de fontes dos jornalistas, que vai ser discutido no Senado em setembro, já anuncia uma batalha.


A ministra da Justiça, Rachida Dati, já disse que o segredo das fontes dos jornalistas ‘não pode ser absoluto’.


Para Malye, do Fórum das Sociedades de Jornalistas, o grande problema é que nem Sarkozy nem seus amigos industriais e do mundo financeiro que controlam a imprensa entendem que a única forma de salvar a imprensa da crise financeira é mantê-la independente.


Outros grupos industriais, como operadores de telefone, para quem informação é um setor estratégico, estão se movimentando para entrar como acionistas nos grupos de imprensa. Isso agrava o problema, diz Malye.


– Quanto menos formos independentes, mais o público francês, que é um público bem informado, vai nos abandonar, e agravar ainda mais o problema econômico da mídia – diz.


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Resistência ao rolo compressor Berlusconi


Vera Gonçalves de Araújo, de Roma


A revista americana Index on Censorship todos os anos premia jornalistas corajosos que conseguiram driblar a censura, e designa também o ganhador do prêmio Serviços Prestados à Censura: em 2002, o premiado foi o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, que na época chefiava o seu segundo governo. Para a revista, o prêmio se justificava porque, como magnata da mídia, Berlusconi estava prestes a conseguir influir também no conselho da emissora estatal RAI, conquistando assim o controle de 90% do mercado televisivo nacional.


Seis anos e duas eleições parlamentares mais tarde, a influência do Cavaliere – o apelido que a imprensa criou para Berlusconi – só não chegou ao controle total da mídia pela resistência de alguns grupos editoriais e de um punhado de jornalistas que não se rendem ao seu sorriso, às suas piadas e ao seu dinheiro.


A resistência dos jornalistas tem seu foco nos três jornais mais vendidos no país – La Repubblica, Corriere della Sera e La Stampa. Contra a ‘impertinência’ de seus repórteres, Berlusconi não perde ocasião de reclamar.


Como aconteceu no começo da última campanha eleitoral para renovar Câmara e Senado, em abril. Na primeira coletiva da campanha, Berlusconi dedicou aos jornalistas que falavam da sua idade (71 anos) e de seus achaques – poucos dias antes ele desmaiara depois de um comício – uma banana, filmada e transmitida por todas as TVs. Seus eleitores vibraram.


A ‘gentileza’ do Cavaliere não mudou depois da vitória esmagadora do seu partido. Seu primeiro ato público depois da reeleição foi uma coletiva junto com o amigo Vladimir Putin.


Quando a jornalista russa Natalia Melikova fez a Putin uma pergunta a respeito dos boatos sobre seu divórcio, o presidente russo deu uma resposta gélida, enquanto Berlusconi imitava o gesto de metralhar a jornalista, que saiu da sala aos prantos.


Ameaça de prisão para divulgação de grampos


O mais recente ato dessa guerrilha entre o premier e a imprensa é a ameaça de aprovar uma lei que condena a cinco anos de prisão jornalistas e editores que publicarem textos de interceptações telefônicas ou outros documentos sigilosos vazados pela polícia ou pela magistratura.


A ameaça de limitar a liberdade de imprensa foi feita horas depois da publicação, no semanário L´Espresso, de um grampo em que Berlusconi pedia ao diretor de produção das novelas da RAI para dar trabalho a moças amigas suas, ou amigas de amigos e de ex-inimigos.


O resultado é que nenhum jornal italiano teve a coragem – até agora – de publicar o texto de novos grampos que circulam em Roma com conversas íntimas e comprometedoras de Berlusconi com uma das suas ministras, Mara Carfagna, ex-apresentadora de uma de suas TVs.


Por enquanto, o chefe do governo italiano conseguiu amordaçar os ‘impertinentes’.