Uma das ‘lições’ que esta campanha eleitoral está dando a jornalistas, analistas e críticos da mídia em geral envolve a desconstrução de uma antiga máxima: a de que a mídia, e em especial o jornalismo, elege e derruba presidentes da República. Em seu blog, o jornalista Josias de Souza, da Folha de S.Paulo, escreveu, no dia 19 de agosto:
‘Poucos governos mereceram da mídia exposição tão negativa quanto a administração petista. (…) A despeito disso, o eleitorado atribui ao presidente um volume de intenções de voto que, por ora, humilha os concorrentes. Humilha também a mídia.’
E ele prossegue:
‘No segundo semestre de 2005, os analistas políticos tiraram do noticiário que produziram as suas próprias confusões (sic). Onze em cada dez comentaristas difundiu a idéia de que a reeleição de Lula estava ameaçada. Vítima de si mesma, a mídia está na bica de virar, ela própria, notícia. Sua ‘desimportância’ reclama estudos e análises aprofundadas. Seu propalado poder de influência, seu festejado papel de formador de opinião está em xeque.’
Na condição de estudioso da área, respondo: não é preciso mais estudos e análises aprofundadas para entender o que está acontecendo. Basta ler as pesquisas já existentes. E elas já existem há, pelo menos, uns 50 anos. Basta estudar teorias da comunicação e do jornalismo, disciplinas em geral consideradas ‘desnecessárias’ ou ‘não-condizentes com a prática’ pela maioria dos estudantes e profissionais. Talvez por desconhecer o que estas disciplinas têm a nos ensinar para compreender os fenômenos comunicacionais, uma grande parcela de comunicadores acredita que a mídia pode tudo e tem poder avassalador sobre corações e mentes. Os estudos mais reconhecidos mundialmente apontam que os receptores não são tão passivos assim como o chavão interpretativo aponta. Há e sempre houve vida além da mídia na vida das pessoas.
O desconhecimento dos estudos que relativizam o poder dos meios de comunicação atinge, inclusive, muitos pesquisadores brasileiros da área de comunicação e política. A maioria dos trabalhos acadêmicos sobre jornalismo e eleições presidenciais brasileiras, por exemplo, conclui que a imprensa foi a principal responsável pelas vitórias de Collor e FHC. Muitos chegam a afirmar que a imprensa elegeu os dois candidatos. Detalhe: muitos usam, equivocadamente, apenas o resultado da eleição para ‘comprovar’ o efeito da imprensa.
Eleitores e marionetes
Em pesquisa sobre cerca de 300 estudos (entre teses, dissertações, artigos e ensaios) a respeito de mídia e eleições presidenciais no Brasil, não encontramos uma sequer dedicada à recepção das mensagens jornalísticas para verificar seu efeito na definição do voto dos eleitores. Não estou defendendo que os estudos da recepção nos dariam a resposta cabal quanto ao efeito das mensagens na decisão do eleitor. No entanto, certamente evitariam conclusões absolutamente incisivas sobre o poder do jornalismo nos eleitores.
Para explicar a vitória de Lula em 2002, alguns pesquisadores já atenuavam o papel da imprensa, mas a maioria continuou apenas no viés crítico. Muitos condenaram os jornalistas por exigirem dos candidatos a manutenção de contratos e compromissos na área da economia. A sensação é de que os candidatos foram obrigados a dizer algo que não desejavam.
Não estou defendendo que a imprensa não exerça poder na sociedade, ou que não tenha desempenhado papel importante nas quatro eleições presidenciais após a ditadura. Isso seria cair num relativismo que, igualmente, simplificaria a análise dos fenômenos. No entanto, talvez seja a primeira vez em que tantos comunicadores e pesquisadores estejam, finalmente, se dando conta de que a mídia não pode tudo e que os eleitores não são marionetes. Antes tarde do que nunca.
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Professor universitário, pesquisador do Cult/UFBA, autor da tese de doutorado ‘Os estudos sobre mídia e eleições presidenciais no Brasil pós-ditadura’