No atual período pós-eleitoral de discussões (e boatos) acerca da definição dos ministros no futuro governo Dilma Rousseff, uma das pastas que mais anda chamando atenção é a do Ministério das Relações Exteriores. Parece se desenhar a despedida do chanceler Celso Amorim, que ocupou o cargo durante os dois governos Lula e que, somando-se à sua experiência anterior na década de 1990, tornou-se o ministro com o maior tempo à frente do Itamaraty – batendo o mítico barão do Rio Branco. As apostas dos jornais e revistas sobre o novo ocupante do cargo de chanceler brasileiro recaem sobre o nome de Antonio de Aguiar Patriota, ex-embaixador nos Estados Unidos.
A política externa sempre foi vista como uma área mais distante de disputas das estruturas políticas ‘internas’ por ‘não dar votos’. Contudo, com o grande destaque midiático que a atuação do Brasil no sistema internacional passou a ter nos últimos anos, a ação diplomática deixou de ser o patinho feio do governo. A visibilidade (que Jürgen Habermas nos mostrou ser tão importante na condução das decisões políticas por meio da ideia de esfera pública) é agora um componente importante a ser considerado no trabalho do corpo diplomático, que em geral sempre teve destacado orgulho de ser considerado como insular, ou seja, fora das pressões que outros setores recebem.
Tendo esta nova configuração em vista, mostra-se relevante analisar os balanços de política externa que a revista Veja produziu nas últimas semanas. Em conteúdo disponível no site da publicação, uma reportagem intitulada ‘Os tropeços de Celso Amorim’ inicia-se da seguinte forma: ‘Será difícil um sucessor superar Celso Amorim. Ao menos no quesito trapalhadas. Os oito anos dele à frente do Ministério de Relações Exteriores renderam ao país uma coleção de pérolas da (anti) diplomacia.’ Além disso, o colunista Augusto Nunes chama Celso Amorim de ‘pequeno canalha’, enquanto outro blogueiro da empresa, Reinaldo Azevedo, desanca sua atuação e o coloca como uma espécie de arauto do populismo em política externa.
Um avanço para a história da diplomacia
O Itamaraty na ‘era Amorim’ teve sua linha de ação externa pautada pela ideologia independentista – que, historicamente, disputa com a linha associacionista a primazia das decisões internacionais. Independentistas defendem que o Brasil deve pautar suas ações de maneira livre, enquanto associacionistas partem da ideia de que o país ganhará mais se alinhar sua atuação às das grandes potências (no caso brasileiro, sempre representada pelos EUA). O atual chanceler acabou atingindo objetivos claros, como o fortalecimento do Brasil na posição de líder dos países emergentes e a minimização de tensões com vizinhos sul-americanos. Além disso, o país adquiriu status de global player, o que pode ser visto no envolvimento com questões de países como Honduras e na ação militar no Haiti, além do evento de maior destaque, a negociação sobre combustíveis nucleares com o Irã. Nesta última semana, a revista norte-americana Foreign Policy, especializada em assuntos internacionais, colocou Amorim na sexta posição na sua lista anual de pensadores globais.
Todavia, a revista Veja, demonstrando ser associacionista ao extremo, busca retratar de maneira negativa a atuação externa brasileira, estabelecendo críticas a partir do prisma de que Celso Amorim, assim como o atual governo, teriam ‘mania de grandeza’. Não se contextualizam as decisões internacionais partir do que elas representam: peças em um delicado tabuleiro. Exorta-se a um relacionamento servil aos EUA (pois para Veja, o Brasil não tem a capacidade necessária para fazer parte do jogo sozinho) e critica-se mesmo a abertura de embaixadas e representações em países na África, Ásia e Oceania, o que seria uma ‘perda de tempo e dinheiro’. Por fim, os analistas de Veja conclamam que o Brasil se alia a Estados terroristas, como o Irã, e compactua com suas decisões.
Balanços internacionais não podem ser feitos a partir da inocência de fazer crer que o sistema internacional é neutro e que existem países mocinhos e bandidos. Analistas como os da Veja não são ingênuos e o clima de mudanças no Ministério das Relações Exteriores ajuda a explicar boa parte das motivações por trás de reportagens que advogam uma ‘política de tropeços’ quanto aos resultados práticos da área. O desempenho da política de Amorim, partilhe-se ou não de suas principais premissas, deve ser visto como um avanço para a história da diplomacia brasileira.
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Jornalista, bacharel em História, mestrando em Comunicação e Informação (UFRGS) e especialista em Relações Internacionais (PUC Minas)