Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por mais qualidade e mais isenção

O jornalismo nunca mais foi o mesmo depois do surgimento da internet – em razão das novas possibilidades criativas que a rede agregou à atividade e da quantidade de lixo que faz circular pelos circuitos informativos. A plataforma digital proporcionou uma inédita agilidade nos processos de produção e distribuição das informações, e isso pode ser usado para o bem e para o mal. Mas para alcançar o valor maior da credibilidade, o jornalismo em bytes ainda precisa apetite para absorver do jornalismo em átomos os fundamentos primais da qualidade da apuração, da exatidão dos dados, do compromisso de fidedignidade com as fontes, e da clareza e precisão da linguagem.


O jornalismo nunca mais foi o mesmo depois que a revolução (ainda em processo) provocada pelo incremento da conectividade e da interatividade trouxe ao proscênio um personagem até então relegado à platéia. O ambiente digital transformou o público num elemento muito mais ativo, a ponto de às vezes roubar a cena, mas definitivamente distante da antiga postura de consumidor passivo dos conteúdos produzidos pelas redações.


O jornalismo nunca mais foi e nem será o mesmo depois da profunda crise econômica que assolou seus modelos de negócio. As lideranças das organizações jornalísticas, independente de seu porte, estão obrigadas a pensar no meio do tiroteio, a tatear saídas e a buscar soluções, no mais das vezes ainda contando com poções generosas de energia criativa, malgrado as deformações tecnocráticas construídas por aqueles que o jornalista Luís Nassif cognominou ‘cabeças de planilha’.


O jornalismo nunca mais será o mesmo porque, grosso modo, agora todos podem ser jornalistas. Como, então, buscar mais qualidade e a necessária diferenciação em meio à barafunda informativa? Como investir na apuração criteriosa – que sempre implicará custos – e na edição isenta diante de tantas alternativas de fontes de informação? Como garantir a credibilidade num ambiente em que os procedimentos de checagem podem não ser tão simples porque tudo é veloz, imediato, para ontem? A noção de periodicidade perdeu o sentido.


Como fazer um jornalismo melhor, mais afinado com o interesse público? Sobre esse tema o Observatório submeteu duas perguntas a 16 pessoas – jornalistas, professores, cientistas políticos. A intenção não foi buscar receitas ou fórmulas mágicas, mas um painel multifacetado de opiniões e reflexões — e, vindas de quem vieram, sobretudo inteligentes. É o que se lerá nesta e na página seguinte.


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Nos últimos 10 anos a mídia assumiu lugar preponderante na vida social, com maior protagonismo do público no processo de produção e difusão da informação. Como o jornalismo profissional poderá buscar mais isenção e mais qualidade editorial nesse novo cenário?


Ali Kamel – Creio que quanto mais numerosas forem as fontes de informação, melhor para o jornalismo. E quanto mais numerosos aqueles que se chamem de jornalistas (ou que pretendam exercer a profissão em blogs e na internet), melhor para os jornalistas profissionais e para os tradicionais veículos de comunicação. Porque diante de uma oferta maior, cada vez mais o público quererá eleger aqueles em quem confia, aqueles que, reconhecidamente, têm a capacidade e o talento de, na miríade de informações disponíveis, escolher as que realmente importam (essa é a missão de editar). Internet é informação e lixo.


Tempos atrás, diziam que a tecnologia iria permitir que todos fossem editores. O internauta escolheria onde ir buscar as notícias: economia no site tal, política no site tal e tal. E de manhã, teria tudo na mão. Não tenho notícia de que isso foi para a frente (apesar de a tecnologia permitir isso). Simplesmente porque nós, jornalistas, ainda temos o reconhecimento por parte do público de que nós sabemos captar no mundo das informações aquelas que realmente importam. Esse é o nosso papel. Que devemos exercer na TV, no rádio, na internet, nos jornais impressos. (A.K. é diretor-executivo de Jornalismo da TV Globo)


Alzira Alves de Abreu – Maior isenção e mais qualidade editorial não podem depender do voluntarismo individual. Essas qualidades do jornalismo dependem de decisões políticas como exemplos: uma melhor formação nos cursos de jornalismo, espaços de debate sobre a qualidade e o trabalho do jornalista nos meios de comunicação e/ou nas associações profissionais. (A.A. de A. é historiadora, doutora em Sociologia e pesquisadora do Cepdoc da Fundação Getúlio Vargas)


Bolívar Lamounier – Parece-me que o jornalismo profissional brasileiro já atingiu índices bem elevados nos dois aspectos. Certamente há o que melhorar, e acredito que isso vá acontecer naturalmente. Os problemas mais complicados parecem-me decorrer da estrutura empresarial da mídia. O jornalismo de alta qualidade a que me refiro é o que atua nos melhores veículos, os de efetiva expressão nacional, que representam uma parcela muito elevada do conjunto da mídia brasileira. Penso, portanto, que o essencial é assegurar o pluralismo, a diversidade de perspectivas. (B.L. é cientista político, escritor e fundador do Idesp – Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo)


Claudio Weber Abramo – Não compartilho da opinião de que, no Brasil, o jornalismo organizado (exclusivamente, ou quase isso, exercido no âmbito de empresas de comunicação) seja tão permeável à estimulação do público quanto se tem imaginado. Essa noção de maior protagonismo parte da multiplicação das iniciativas de cunho jornalístico da mídia internética. Na esmagadora maioria dos casos, porém, em especial quando mantidos por indivíduos ou pequenos grupos, blogs e sítios de internet desse tipo são imprestáveis como prestadores de informação. Assim, a competição que vem dessa área não é real para as empresas de comunicação.


Acredito que o fator preponderante na qualidade do desempenho profissional do jornalista é a qualidade das empresas que os emprega. São estas que, a partir de seus métodos de produção, impõem (ou deixam de impor) determinadas disciplinas. Métodos de produção, por seu lado, somente são aplicáveis com alguma chance de sucesso na presença de recursos materiais. Recursos, por seu turno, dependem de publicidade. Se a publicidade é majoritariamente proveniente do Estado, não há chance de o veículo funcionar de acordo com padrões profissionais mínimos. E para que haja publicidade privada, é preciso existir produção econômica saudável e crescente. Como isso não acontece na maior parte do país, os jornais brasileiros continuarão a ser o que têm sido – muito ruins. No futuro que se pode divisar, prosseguiremos com uma imprensa escrita em que 3, talvez 5 jornais diários prestem e o resto fica pelo acostamento. Como jornalistas trabalham em jornais e em nenhum outro lugar, o julgamento se aplica igualmente a eles. (C.W.A é jornalista, diretor executivo da Transparência Brasil)


Dênis de Moraes – O protagonismo da mídia vem se intensificando, em proporção alarmante, no bojo de uma midiatização generalizada das relações sociais, possibilitada pela tecnologização dos meios e pelas formas de mediação que se instituem nas interações infotelecomunicacionais. Nesse cenário, parece-me ocorrer uma dissociação profunda entre o jornalismo que devemos exercitar e a práxis político-ideológica da mídia. O eixo dessa dissociação localiza-se nas incompatibilidades cada vez maiores de princípios éticos e compromissos humanizadores. Se muitos de nós, jornalistas, desejamos revestir a missão profissional com os valores da diversidade e do pluralismo, as organizações de mídia orientam-se pela neurose capitalista do lucro e da rentabilidade, traduzida na fixação de controlar, pelo alto, a vida social em todas as suas manifestações. Percebo que o antagonismo se agrava à medida que a mídia se consolida como esfera praticamente autônoma, sem vínculo de dependência aos interesses coletivos. 


Longe de nos atirar na melancolia e no derrotismo, o quadro adverso deve nos impelir à resistência dentro e fora do mundo corporativo, movidos pelos ideais de uma profissão belíssima, que lida, como nenhuma outra, com a essência da condição humana. Justamente porque estamos no olho do furacão dos conflitos e desejos humanos é que devemos ter a sensibilidade de entender que alterar a correlação de forças depende de uma conexão íntima e forte entre as batalhas profissionais e as lutas sociais pela radicalização da democracia. Isso engloba a discussão e a gestação, no interior da sociedade civil, de mecanismos democráticos de controle social sobre a mídia, que em nada se confundam com restrições à liberdade de expressão. (D. de M. é jornalista, professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense e autor, entre outros, de Cultura mediática y poder mundial e organizador de Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder e Sociedade mediatizada)


Eduardo Meditsch – O jornalismo está sendo feito hoje e se fará ainda mais nos próximos anos num processo de intensa mutação tecnológica e num contexto de super-abundância de informação de todos os tipos. Creio que nesta nova realidade são a informação e o conhecimento que adquirem protagonismo, e não mais a mídia, qualquer que seja ela. É bem provável que a mídia que conhecemos hoje e suas formas de controle, financiamento e produção estejam superadas ou radicalmente transformadas nas próximas décadas. Ao mesmo tempo, a necessidade social do jornalismo isento e de qualidade tende a aumentar. É uma exigência de gestão do conhecimento. E a gestão do conhecimento é o fator mais importante para a economia e a sociedade nos próximos 15 anos, na opinião de um milhar de dirigentes de organizações ouvidos num estudo do setor de inteligência da revista The Economist.


Para cumprir este papel, o jornalismo precisa assumir uma perspectiva profissional, ou seja, como fazem médicos, advogados, engenheiros etc. assumir a sua auto-regulação, dizer como deve ser exercida a profissão, uma função que está sendo realizada hoje pela indústria da mídia, com interesses comerciais e políticos imediatistas que muitas vezes prejudicam a credibilidade da profissão e seu reconhecimento social. Como a medicina em relação aos laboratórios farmacêuticos, donos de hospitais e seguros de saúde, a relação do jornalismo com a mídia tem pontos convergentes mas também divergentes, e a sociedade espera que os profissionais zelem pelo interesse público, no exercício de suas funções, quando se contrapõem a interesses privados. Se souber fazer isso, o jornalismo vai sobreviver à mídia. (E.M. é jornalista e professor da Universidade Federal de Santa Catarina)


Eugenio Bucci – Eu recomendaria alguns cuidados, mas, aqui, não gosto da palavra isenção. Prefiro objetividade, embora também esta seja complicada, polêmica. Prefiro a palavra objetividade porque ela designa um atributo do relato, não do sujeito. De todo modo, vamos aos cuidados que eu indicaria. São cuidados velhos, bastante conhecidos, mas que se tornaram dramaticamente urgentes.


1. Afastar-se dos interesses do governo e dos tentáculos de que dispõe o governo para atrair (e influir sobre) os veículos jornalísticos. Considero preocupante no Brasil, quando falamos em independência editorial, o volume de verba pública que é canalizado para os meios de comunicação a título de compra de espaço publicitário. O governo federal e os governos estaduais e municipais são, atualmente, compradores paquidérmicos de espaços publicitários. Em muitos casos, sobretudo em veículos pequenos e médios, a presença desse ‘Estado anunciante’ se tornou indispensável para a sobrevivência. Isso cria uma distorção estrutural, além de relações de dependência bastante nocivas para a qualidade, que pode resultar em conteúdos artificialmente favoráveis ao(s) governo(s) ou em conteúdos artificialmente críticos. Sim, isso mesmo: do mesmo modo que a verba pública pode angariar simpatia, a sua falta pode fomentar a ‘oposição jornalística’ meramente gratuita, chantagista. É por isso que se pode dizer que verbas públicas no mercado publicitário podem distorcer, para um lado e para outro, o conteúdo editorial. Não ajudam a ninguém, nem aos governos, nem aos veículos jornalísticos, nem ao cidadão. As instituições de governo no Brasil precisam estudar seriamente o caminho de abandonar essa tradição.


Quanto ao jornalismo, este precisa guardar distância. Todos sabemos que o jornalismo não pode depender de governo, de nenhum governo. Pode, eventualmente, contar com verbas públicas garantidas por lei, como poderia ser o caso de instituições públicas de comunicação, mas, nesses casos, as autoridades governamentais não podem opinar sobre o conteúdo editorial – a gestão de conteúdo precisa ser independente da vontade do governo (o tema das instituições públicas de comunicação, porém, é um outro debate, ingrato demais, é verdade, mas é outro debate; vamos deixá-lo para outra ocasião). Indo adiante: como regra geral, procurar compor uma receita em que as verbas públicas sejam inexpressivas e, portanto, dispensáveis a qualquer momento, é cada vez mais uma receita de qualidade editorial.


2. Separar opinião de informação. Assim como, para a credibilidade do jornalismo, a separação entre o que é conteúdo editorial e o que é conteúdo publicitário é praticamente uma regra de ouro, a demarcação de um divisor mais claro entre o relato dos fatos e a interpretação dos fatos ajudaria muito aos que querem fazer jogo limpo com o público. Não percamos tempo com o que todos já sabem: que toda seleção de pauta tem um quê de subjetividade, que não existe a neutralidade e tudo o mais. O ponto é que isso não pode ser desculpa para o dirigismo primário, algumas vezes de má intenção, a que temos assistido diariamente. Se é verdade que há subjetividade em cada escolha editorial, é mais verdade ainda que, exatamente por isso, o público tem direito de receber uma informação que inclua, na sua fórmula, a busca mínima da objetividade.


A busca da objetividade e da precisão, com uma apuração pautada pelo princípio da impessoalidade, ajudaria inclusive a prevenir condenações precipitadas que atingem injustamente reputações de inocentes. O jornalismo não deveria mais aceitar servir à sociedade teses apressadas disfarçadas de relato informativo. Isso confunde e desinforma. E se tornou um problema dramático da qualidade editorial.


3. Publicar apenas informações com origem certa, sabida e declarada. O off pode ser útil para sugerir uma boa pauta, mas não é receita de apuração. Com um bom off, o bom repórter vai a campo e faz uma boa apuração. Uma matéria feita de offs tem qualidade duvidosa, pois a origem da informação é parte da sua qualidade. Uma informação sem origem declarada é mais suspeita que uma mercadoria sem nota fiscal.


4. Diferenciar-se das assessorias de imprensa. É inacreditável o que acontece no Brasil: aqui, assessor de imprensa se diz jornalista e jornalista diz que está trabalhando como assessor de imprensa. Pior ainda: o código de ética da Federação Nacional dos Jornalistas consagra essa confusão como se ela fosse um pilar deontológico. Ora, códigos de ética existem para prevenir conflitos de interesse e, no Brasil, os jornalistas têm um código de ética que está erigido sobre esse colossal conflito de interesses, o de fazer parecer que jornalistas e assessores de imprensa desempenham a mesma função. Isso é uma mentira, que atenta não apenas contra a qualidade editorial aqui e ali, mas contra a respeitabilidade tanto da categoria dos jornalistas quanto da categoria dos assessores de imprensa, que são duas categorias muito diferentes entre si. São funções dignas, legítimas, igualmente éticas, igualmente comprometidas com a verdade, igualmente necessárias para o processo da comunicação social, mas são divergentes: jornalistas trabalham para ir atrás das respostas a que o público tem direito, fazendo as perguntas mais incômodas; assessores trabalham para divulgar as respostas que seus clientes ou patrões querem ver disseminadas.


Assim como um promotor, um juiz de direito e um advogado podem sair da mesmíssima faculdade, portanto o mesmíssimo diploma, e depois, na vida profissional, passam a pertencer a ordens profissionais distintas, pois desempenham papéis específicos, jornalistas e assessores de imprensa cumprem funções que não se confundem. Deveríamos ter no Brasil um código diferente para cada uma dessas atividades. Elas não podem estar representadas por uma mesma ordem, por um mesmo instituto. Foi por pensar assim que, tempos atrás, quando estava em debate a criação de um Conselho Federal de Jornalismo, eu me manifestei contra o lançamento da instituição, pois ela estaria assentada sobre esse conflito de interesses. Fiz essa declaração em vários lugares, um deles foi no programa de TV do Observatório da Imprensa. (E.B. é jornalista, presidente da Radiobrás e autor de Sobre ética e imprensa – Companhia das Letras, São Paulo, 2000)


Fernão Lara Mesquita – Do mesmo jeito de sempre. As novas tecnologias interativas aumentaram o acesso dos jornalistas às fontes e o das fontes aos jornalistas. Criaram, também, a possibilidade de acesso direto entre as fontes e o grande público e vice-versa. Hoje não são mais necessários capitais e instalações enormes para fazer mensagens chegar regularmente ao grande público. Com isso, aumentaram a capacidade das fontes e do publico em geral de participar do jogo democrático. Mas o tempo de cada um de nós continua limitado, o que quer dizer que o serviço de buscar, relacionar e contextualizar informações para públicos específicos – isto é levantar, apurar e editar informações, a função do jornalista – continuará tendo valor e requerendo profissionais inteiramente dedicados a ele para poder ser prestado com qualidade.


Não acredito que exista jornalismo isento em sentido absoluto. Editar é escolher e toda escolha é uma tomada de posição. Assim, nem os jornalistas nem as fontes são ou podem ser absolutamente isentos. Toda denúncia é, por definição, interessada. O que o jornalista deve tentar é ser honesto. Ele tem direito às suas crenças e preferências, como todo mundo, desde que as declare de forma clara e que mostre (e repito, em negrito, mostre) o seu esforço para impedir que elas interfiram na descrição do que ele assistiu ou na apuração da consistência daquilo que ouviu. Sobretudo nas matérias das quais alguém pode sair ferido, o jornalista honesto deve apresentar o ‘filme’ e o ‘filme do filme’. Tem de mostrar as conclusões a que chegou e, principalmente, que caminho percorreu para chegar a elas.


A proposta de Paul Johnson continua de pé. O jornalista honesto deve aplicar, em sua investigação, a lei da prova científica de Karl Popper: tem de demonstrar que investigou as hipóteses que desafiavam a sua tese inicial com o mesmo empenho com que pesquisou as que a confirmavam. (F.L.M. é jornalista e diretor do Grupo O Estado de S.Paulo)


Jaime Spitzcovsky – Em busca de mais isenção e de mais qualidade editorial, o jornalismo profissional, por meio das universidades e da empresas de comunicação, deve sobretudo intensificar esforços e investimentos na formação dos nossos jornalistas. Eu destacaria, entre vários fatores, esse aspecto, por tratar-se de uma questão crucial, que reflete sobretudo debilidades estruturais de nossos sistema educacional e que deve ser enfrentada com urgência.


Houve vários avanços, algumas universidades e empresas intensificaram seus esforços para aperfeiçoar e contribuir com a formação de seus profissionais, mas ainda existe muito a ser feito. A experiência do OI evidencia ainda a necessidade de o jornalismo profissional contar, cada vez mais, com espaços para a crítica e para a reflexão, elementos fundamentais para manter nossa atividade sob permanente escrutínio e avaliação. (J.S. é jornalista, diretor do site PrimaPagina, foi correspondente em Moscou de 1990 a 1994 e em Pequim, de 1994 a 1997, e realizou coberturas jornalísticas em mais de 40 países)


J.S. Faro – Não sou tão otimista nem estou convencido de que nos últimos 10 anos o público assumiu ‘maior protagonismo no processo de produção da informação’, embora seja possível perceber, nas pautas da mídia, um espaço mais ampliado de abordagem de inúmeras questões sociais. Todavia, em linhas gerais, ainda prevalecem as coberturas que não reconhecem nesses movimentos vozes independentes e legitimadas por seu papel na sociedade – algo parecido com um certo estranhamento que os jornais guardam em relação ao mundo dos conflitos, especialmente quando se percebe a pouca importância que o noticiário dá à sua contextualização, no Brasil e no exterior. Obviamente, não se espera nenhum engajamento dos jornais em relação a esses movimentos, nenhum partidarismo ou simpatia, exceto naqueles veículos que são organicamente ligados a eles, mas entendo que falta profundidade. E a falta de profundidade reduz o protagonismo a que se refere a pergunta.


A segunda parte da questão é realmente desafiadora e eu arrisco um palpite: mais isenção e mais qualidade editorial são atributos não apenas práticos, mas conceituais – isto é, são o resultado de uma operação de natureza ‘cultural’ através da qual os jornalistas possam ver sua atividade profissional como construtora do espaço público, com menor incidência daquele perfil moderador e estamental a que se referiu Afonso Albuquerque quando analisou a postura da imprensa brasileira diante da dinâmica social. Trata-se de um tema complexo e impossível de ser abordado nos limites desta resposta.


De qualquer maneira, em alguns veículos é possível identificar uma busca persistente pela densidade das coberturas, em especial em jornais tradicionais dos grandes centros urbanos. Cadernos temáticos, refinamento textual e gráfico, maior presença autoral do repórter são indícios positivos de profissionalismo e eventualmente elementos de sustentação do desenvolvimento futuro da atividade jornalística. Nesse terreno, creio que ainda precisamos de outros 10 anos… para que esses sinais se consolidem e se espalhem para todo o conjunto dessa produção. (J.S.F. é jornalista, professor da PUC-SP e da Universidade Metodista de São Paulo)



Juca Kfouri – Avaliando e considerando permanentemente a voz da opinião pública que resulta desta interação imprensa/leitor/ouvinte/telespectador. A sociedade dá cada vez mais sinais de que não quer ser enganada, o que é ótimo. (J.K. é jornalista)


Lúcio Flávio Pinto – Em primeiro lugar, aceitando a prova da verdade. Os manuais de redação ensinam (ou determinam, conforme o caso) que sempre se deve ouvir o outro lado. A alteridade, porém, em geral é apenas formal, decorativa. Ocupa um espaço diminuto (de tempo ou de área, de acordo com o veículo) comparativamente à denúncia, acusação ou narrativa. O verdadeiro debate, a polêmica de conteúdo, isto se tornou raro na imprensa. O tempo e o espaço nos veículos de comunicação se tornaram tão caros ou valiosos que à ‘outra parte’, aquela sobre a qual se fala ou o simples leitor, reserva-se apenas a seção de cartas, um parágrafo, 10 segundos, em atendimento às normas do manual. O jornalista – ou a empresa, especificamente – sabe tanto que entende que esse tanto é quase tudo, quando não é tudo. Não admite ser contestado ou desmentido. Não reconhece quando sua voz é desafinada ou inconsistente, enquanto a do interlocutor é mais veraz ou fundamentada.


Ultrapassado o estreito limite de tolerância à controvérsia superficial ou cosmética (para inglês ver e o marketing aproveitar), o editor ou dono do veículo fecha as portas ao oponente. Ele que vá se queixar ao bispo ou que funde seu próprio veículo. Seja para dizer o que lhe foi sonegado ou para se tornar numa nova fonte de poder e autoritarismo. O exemplo mais acabado desse falso democratismo é o da revista Veja. Mas essa se tornou a regra na imprensa brasileira. Ela é cada vez mais protagonista, mas no cenário que monta e na leitura do enredo que cria. Servindo mais a si (ou só a si) do que ao suposto destinatário de sua produção, o público. (L.F.P. é jornalista e editor do Jornal Pessoal, de Belém, PA)


Márcio Chaer – Fortalecendo-se economicamente para garantir sua independência econômica e para investir no aprimoramento profissional dos repórteres, redatores e editores. (M.C. é diretor da revista Consultor Jurídico)


Osvaldo Martins – O jornalismo tem um compromisso nobre – o de apurar a verdade nos fatos. Isso inclui a indispensável isenção. O diabo é que o jornalismo se realiza por dentro da imprensa, que persegue o lucro; e a imprensa é parte da mídia, que só tem compromisso com o consumo. Paradoxalmente, os dois obstáculos a superar, pelo jornalismo, são exatamente a imprensa e a mídia. (O.M. é jornalista, ombudsman da TV Cultura de São Paulo)


Paulo Nassar – O jornalismo profissional terá mais relevância quando assumir, diante de um mundo complexo, um protagonismo educador. No papel investigativo (não confundir com apuração) o jornalismo se aproxima da função policial; quando julga se aproxima, sem a mesma competência e legitimidade, da Justiça. O papel educador é inclusivo e democrático na medida que abre espaço e tempo para inúmeras fontes, para os inúmeros pontos de vista e para as controvérsias. (P.N. é jornalista, professor da ECA-USP e presidente-executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial)


Plínio Bortolotti – Não acho que os novos meios modifiquem algo na deontologia da profissão. A mesma ética que valia na época da impressora a lenha, vale para a era da internet. Quanto à questão da qualidade editorial, há dois aspectos contraditórios: ao mesmo tempo em que o jornalista fica mais exposto à crítica do leitor – e isso, em tese, o obrigaria a ter mais apuro com a notícia –, a pressão do tempo se elevou a níveis insuportáveis. O que se vê nos blogs e nos portais noticiosos (muitas vezes em textos de má qualidade) é o confronto para ver quem é mais rápido do gatilho e não a disputa para oferecer notícia com mais qualidade (ou mesmo verdadeira). Como se resolverá a equação, é uma questão em aberto.


Sobre o ‘protagonismo do público’, talvez estejamos vendo uma volta ao passado, aos primórdios da imprensa, quando bastava uma idéia na cabeça para pôr uma folha na rua, escrevendo-se nela o que se quisesse, muitas vezes sem nenhum critério. No que isso dará, veremos. Talvez seja como diz o Eclesiastes: ‘O que tem sido, isso é o que há de ser; e o que se tem feito, isso se tornará a fazer; nada há de novo debaixo do sol’. (P.B. é jornalista, ombudsman do jornal O Povo, de Fortaleza, CE)