Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Por que não comemos a “farofa” da imprensa

Com ar quase patético, os “analistas políticos” das emissoras de televisão tentam explicar o retorno à cena política brasileira, pelo voto, dos chamados “mensaleiros” e “sanguessugas”. Tentam explicar a votação expressiva que teve o massacrado Partido dos Trabalhadores, nesta eleição o mais votado para a Câmara dos Deputados – quase 14 milhões de votos de norte a sul do país. A imprensa escrita vai pelo mesmo caminho, aqui e lá fora. Algumas explicações desrespeitam a nós, brasileiros, achincalham o processo político brasileiro e nossos legítimos representantes, o que não é estranho. Estão autorizados pelo comportamento da nossa mídia – fonte para as matérias lá de fora. Outras explicações tentam um “sociologismo” ou um “antropologismo” de mesa de bar. Algumas, mais bem-humoradas, ressuscitam Macunaíma.

Em todas um único foco – buscar critérios lógicos, ou pelo menos razoáveis, para explicar o perdão e a punição daqueles definitivamente sentenciados por eles mesmos, analistas e âncoras dos noticiários, antes mesmo que a Justiça se pronunciasse. E mais atônitos devem estar, ou ficar, conscientes que estão de terem sonegado espaço aos absolvidos. Do grande espaço para a “condenação” a nenhum espaço para o resultado do julgamento da Justiça quando os “sentenciados” pela mídia são absolvidos pelas instâncias competentes. Ou, no mínimo, são beneficiados por um princípio do Direito que afirma: na dúvida, pró-reu. Claro, isto é para os juristas. Para a imprensa, na dúvida, o “réu” é culpado mesmo – desde venda o jornal!

Apesar do silêncio, o povo fez seu próprio julgamento. “Mensaleiros” e “sanguessugas” estão de volta no cenário político pelo voto popular. Não seria novidade se atentarmos para o caso de Antonio Carlos Magalhães – que voltou ao Senado pelo voto popular –, de José Roberto Arruda, nesta eleição alçado a governador do Distrito Federal, ou o próprio Paulo Maluf – o deputado campeão de votos. Além de Collor, agora como senador da República, só para citar os mais conhecidos. Paralelamente, um outro punhado de deputados e senadores associados aos muitos “escândalos” foi cassado pelo voto popular. Curiosamente, o povo cassou também alguns dos “paladinos da moralidade”, os que nas CPIs vociferaram pela “ética” – Arthur Virgílio entre eles.

Como explicar?

Uns punidos, outros perdoados, quando a imprensa tupiniquim, “imparcialmente”, tratou a todos igualmente – tutti ladri! Partidos e políticos. O que autoriza os colegas lá de fora a nos darem o mesmo tratamento. Matéria da BBC Brasil comentando comentários de jornais de alguns países sobre os resultados das eleições no Brasil diz:

Aos eleitores não parece importar muito a decência de seus líderes e assim, juntando a fome com a vontade de comer, alguns protagonistas máximos da política se sentem de posse de uma “licença para roubar” equivalente à “licença para matar”.

E continua:

Os partidos políticos se converteram em um manto acobertador de seus militantes em vez de serem atentos e rigorosos vigilantes da idoneidade política e moral de cada um deles.

[Fonte: BBCBrasil. “Eleitores dão licença para roubar, diz jornal”. Atualizado em 3 de outubro, 2006, 10h43 GMT (7h43 Brasília)]

Vale registrar que lá fora já disseram que não somos um país sério, recentemente fomos chamados de país de bêbados e, agora somos um país de ladrões!!!

Algumas explicações dos nossos lentes vão nesta linha. De falta de memória à leniência, de leniência à conivência ou à simples ignorância. “Brasileiro não sabe votar”, vaticinou um dia o Pelé, e o presidente do TSE ratificou em seu discurso aos brasileiros às vésperas deste sufrágio. Aberta as urnas, contados os votos, a surpresa – o Partido dos Trabalhadores continua vivo!?! Os “condenados” estão de volta!?! Como explicar?

O recado das urnas

Nenhuma das explicações é suficiente, mesmo aquelas com ares de teoria. Formam uma espécie de círculo vicioso, viciado, do qual não conseguimos nos desvencilhar. Parece um tipo de cegueira de quem olha mas não vê. As análises partem sempre dos mesmos pressupostos, juntos ou isoladamente: ignorância, leniência, conivência… Às vezes misturados ao “fenômeno” carnaval.

Ao que tudo indica, falta um elemento, falta uma variável nas análises – a própria mídia, o papel da mídia neste imbróglio. Afinal, a imprensa presta um serviço de utilidade pública. Concordamos todos que é importante informar para dar à população meios de se posicionar criticamente. E o que não faltou foi “informação” neste ano eleitoral. Nunca antes o jornalismo brasileiro foi tão “investigativo”, tanto e de tal modo a ponto de pautar as investigações das CPIs. Incapazes de processar tanta “informação”, a maioria deu em “pizza”. Desperdiçaram todo o “extraordinário apoio” e “esforço investigativo” da imprensa para a população formar a opinião sobre os políticos, sobre o governo e sobre “como votar” nestas eleições.

E nunca, como agora, a população brasileira se posicionou e votou. Criticamente. A imprensa precisa entender o recado das urnas! Precisa se perguntar que tipo de serviço vem prestando à sociedade brasileira!

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Jornalista, mestre em Administração e Gestão Integrada de Organizações, especialista em produção editorial, professora do Curso de Comunicação/Jornalismo da Unibahia, Lauro de Freitas, BA