Após 20 anos de jornalismo online no Brasil, é preciso fazer essa pergunta. Para tentar respondê-la, vamos analisar resultados de pesquisas importantes feitas com consumidores de notícias. Afinal, por que não confiamos no que lemos na internet?
Segundo a Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, 48% dos brasileiros usam a internet e ficam cinco horas conectados por dia (tempo superior ao gasto com a televisão). Entre esses, 92% estão conectados por meio de redes sociais, sendo as mais utilizadas o Facebook (83%), o Whatsapp (58%) e o Youtube (17%). Outro dado relevante é que 67% dos que acessam a internet estão em busca de notícias. Ou seja, se por um lado temos metade da população ainda desconectada, os outros 50% fazem uso intenso da internet e procuram plataformas de interação para se informar. Querem não só receber, mas também compartilhar, comentar e produzir informações.
Esse seria um cenário bastante positivo para o jornalismo, não fosse a conclusão a que o próprio estudo chega: “em relação às novas mídias, reina a desconfiança. Respectivamente, 71%, 69% e 67% dos entrevistados disseram confiar pouco ou nada nas notícias veiculadas nas redes sociais, blogs e sites” (p. 8). Trata-se de um raciocínio que parece não fechar: quase a totalidade das pessoas está nas redes sociais, mais da metade está em busca de notícias, mas 71% não confia nas informações que encontra nas próprias redes sociais.
A era da desinformação
Resultado semelhante foi o obtido pela BBC no relatório ‘The future of news’ (O futuro das notícias), divulgado no início deste ano. Apesar de predominar o tom otimista, o documento detecta o que chama de ‘era da desinformação’. “Hoje há mais dados, mais opinião, mais liberdade de expressão, mas é mais difícil saber o que realmente está acontecendo. Embora as pessoas digam que está mais fácil informar-se, elas estão mais incertas sobre os fatos e menos claras a respeito do que significam. Quando falamos nos detalhes, as pessoas não se sentem mais bem informadas. Elas se se tem desinformadas ou parcialmente informadas” (p. 8).
A questão importante nesse dado é que as pessoas se sentem confusas em meio a tanta informação e o jornalismo parece não estar resolvendo esse problema. Embora muito se fale das características legitimadora e organizadora diante do caos informativo, as pessoas se sentem desinformadas. Em outras palavras, podemos inferir que o jornalismo online não está conseguindo cumprir suas principais funções no meio digital (e fora dele também): dizer o que é ou não verdade, explicar o presente, contextualizar. A realidade que esse relatório retrata é a britânica, mas por aqui não parece ser muito diferente.
Desafios que se impõem
Os resultados apresentados acima refletem um cenário bastante conhecido. Não são poucos os erros cometidos por diversos veículos jornalísticos online, dos grandes aos pequenos, ao longo desses 20 anos. Erros sobre a morte de pessoas proeminentes (quem não lembra dos casos Romeu Tuma e Steve Jobs?) e casos de reprodução de notícias falsas (como o Alzheimer do ator Jack Nicholson, só para ficar num acontecimento recente) são apenas alguns exemplos que reforçam a desconfiança dos leitores.
Nesse contexto, não deixa de ser curiosa a existência de sites como o E-farsas (www.e-farsas.com), criado em 2002 pelo ex-pedreiro e hoje analista de sistemas Gilmar Henrique Lopes com o intuito de desmistificar histórias que circulam na internet. E ainda há um detalhe: esse site dedicado a fazer o que é um dos princípios do jornalismo foi incorporado pelo portal R7 em 2011, talvez pelas 200 mil visitas únicas que recebe por semana.
Em um momento em que tanto se fala sobre novos modelos de negócio no jornalismo online, a confiança dos leitores neste meio merece mais estudos e discussão por parte dos pesquisadores e dos profissionais. Simplesmente porque, para ganhar dinheiro na internet é preciso, primeiro, ter a confiança de quem consome a notícia. Sem ela, haverá muito pouco a ser feito. Voltemos, pois, aos fundamentos do jornalismo, como bem ressaltou a professora Sylvia Moretzsohn, neste recente artigo publicado no Observatório da Imprensa (ver “O suicídio do jornalismo”). O desafio da confiança se impõe com urgência no jornalismo online. Fechar os olhos para ele ou tentar agradar a audiência a todo custo é negar a própria relevância dessa atividade. Só acreditamos em quem confiamos.
***
Lívia Vieira é mestre em Jornalismo pelo POSJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS