Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que o ministro quer o padrão japonês

Por mais respeito e boa vontade que possamos ter com um ministro de Estado, nossa paciência tem limite. Exemplo perfeito dessa situação é o que acontece com o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Na terça-feira (21/7), ele declarou que o padrão japonês de TV digital é o melhor para o Brasil, e anunciou triunfante: ‘A bola está na marca do pênalti. Está tudo pronto e preparado para que o presidente Lula faça um gol de placa’ [ver aqui].

E Lula fez gol contra!

Minhas mais calorosas congratulações ao PSOL por lutar contra este crime de lesa pátria cometido pelo Lula em cumplicidade com Hélio Costa e Rede Globo.

E, quando quase todos consideravam que tínhamos chegado ao triste fim desta história, surge um fato novo: Parecer da PGR considera inconstitucional Lei da TV Digital [ver aqui].

Em síntese, o PSOL, agora, faz o que o PT sempre fez até abocanhar um naco do poder: mostrar os podres que os governantes querem esconder.

Certamente este assunto deve ou deveria ser tratado com espírito republicano na Confecom, caso não consigam desmontá-la antes de acontecer, e propor que se desfaça esta maracutaia. Ou vamos partir do fato de que o Estado brasileiro está privatizado há 509 anos e que chegamos ao fim de história política e ideológica? Afinal, o capitalismo que financiou a campanha de Lula estourou mais uma de suas bolhas… Se será a última, somente Deus e Karl Marx o sabem.

Escorregadela feia

Se alguém souber de algum petista que tenha condenado publicamente esta decisão mafiosa de Lula, gentileza me informar…

Se estivéssemos numa democracia de verdade, como acredita a quase totalidade dos jornalistas diplomados ou não, sociólogos, psicólogos, historiadores e nossos melhores quadros do movimento social e pela democratização da comunicação, já estaria tudo resolvido e não precisaríamos nos aprofundar nesta reflexão.

Neste mundo ideal, onde as pessoas não praticariam a arte de se devorarem mutuamente para absorverem o poder dos demais, esta questão transcenderia as disputas partidárias ou ideológicas. Coisa que somente ocorreria, caso estivéssemos em uma democracia de verdade e não numa ditadura do Poder Econômico como a atual. Como tudo considerado importante para o grande capital, sempre iremos encontrar, na prática, a eterna luta de classes ou a aparentemente eterna derrota da classe operária diante dos interesses do poder econômico que domina o Estado.

Como sempre, a classe trabalhadora não dá importância aos seus próprios interesses, em função de sua alienação através do pão e circo romanos ou da mídia atual, aliada a um sistema de ensino alienante. Nem mesmo os movimentos sociais conseguem direcionar esforços suficientes para equilibrar a disputa em jogo na comunicação.

Assim, Silvio Meira publicou um artigo em seu blog que mancha a sua reputação de cientista: ele escorrega feio ao renegar os aspectos básicos da constituição do Estado moderno, como a divisão de poderes, achaca o Congresso, em nome de interesses econômicos. Intencionalmente ou não, acaba servindo de advogado de defesa de grandes grupos econômicos [ver aqui].

Empresas eficientes e rentáveis

Especialistas do setor defendem que, diante deste quadro, é necessário olharmos para o passado, retomarmos o fio da meada, para compreendermos o futuro.

A disputa em torno da TV Digital se concentrou em duas correntes de pensamento:

(a) Aqueles que advogavam que a TV digital era uma mera atualização tecnológica, e que portanto as emissoras não necessitariam de novas concessões, etc. Em suma, a manutenção do status quo.

(b) Na outra linha, a defesa de que a TV digital, face ao seu potencial tecnológico, representava a possibilidade de uma renovação.

Em 2003, quando o Brasil começou a cogitar o SBTVD, era assim que o mundo estava dividido: de um lado, o Japão e os Estados Unidos, que optaram pela HDTV e manutenção do status quo. De outro, a Europa, que optou por fazer uma remodelação do mercado, com a separação da infra-estrutura de transmissão (operador de rede) dos produtores de conteúdo.

É desnecessário dizer qual dos modelos tem dado mais certo, mas é oportuno lembrar que isso refere-se ao dito ‘modelo de negócio’, que nada tem a ver com o padrão tecnológico do equipamento de transmissão. Poderíamos, perfeitamente, ter adotado o padrão tecnológico japonês e o modelo de negócio europeu.

Assim, nos aconselham os mestres que voltemos mais um pouco no tempo, para continuarmos aprendendo com nossa História. O que ocorreu no terreno das telecomunicações de uma forma geral? Na década de 70, todos os países adotavam o modelo monopolista, fosse estatal ou privado. Isso começou a mudar na década de 80, nos Estados Unidos e Inglaterra – por caminhos levemente diferentes, mas com a mesma motivação. Tanto nos EUA quanto na Inglaterra, os serviços eram prestados por empresas altamente eficientes e rentáveis: AT&T (Bell System) e British Telecom. A AT&T tinha o melhor laboratório de pesquisas em tecnologias de telecom (Bell Labs), tendo criado coisas como o transistor, o laser para uso em telecomunicações, o sistema operacional Unix (do qual deriva o Linux), a linguagem de programação C etc.

Importante é olhar para o futuro

Pois a AT&T, empresa privada, era um quase-monopólio nos Estados Unidos: dominava mais de 90% do mercado, seguida de longe pela GTE. Foi aí que uma pequena empresa, a Microwave Communications, que tinha pouco mais que meia dúzia de links, entrou com uma ação judicial contestando o monopólio da AT&T. Após anos de julgamento, o juiz Greene finalmente resolveu impor à então super-poderosa AT&T, um desmembramento (the divestiture), quebrando-o em sete empresas de telefonia local e uma de longa distância. Por que ele fez isso? Porque ele considerava que seria mais salutar ao mercado – aos consumidores, fabricantes e outras operadoras – que esse mercado fosse arejado, ainda que a AT&T estivesse prestando ótimos serviços.

No Reino Unido, a quebra do monopólio da BT (British Telecom) seguiu a mesma argumentação, embora naquele caso a iniciativa tenha sido do próprio governo. Assim, ao longo dos anos seguintes, isso se propagou para os demais países, incluindo o Brasil.

Voltando para o caso da TV digital: o Decreto 4.901 de 2003 cita, como um de seus objetivos, que o SBTVD deve ‘estimular a evolução das atuais exploradoras de serviço de televisão analógica, bem assim o ingresso de novas empresas, propiciando a expansão do setor‘ (art. 1º, inciso VI). Assim, a TV Digital deveria beneficiar ambos os lados – as atuais prestadoras, por meio de sua atualização tecnológica, e os novos entrantes, para arejar o mercado. E é exatamente essa segunda parte que não tem ocorrido.

Em 2009, nem os meios de comunicação, nem a sociedade, são os mesmos de 1970, quando foi introduzida a TV a cores, como uma importante atualização tecnológica. Se continuarmos a pensar apenas no que foi investido, jamais andaremos para frente. Os economistas calculam o valor de um negócio pelo que ele poderá gerar no futuro – por exemplo, o VPL (Valor Presente Líquido) olha para o futuro, não para o que foi investido no passado.

Democratização das comunicações não é fácil

A importância de olharmos para trás é para aprendermos as grandes lições da História, não para ficarmos remoendo picuinhas. A posição da PGR abre uma excelente oportunidade para discutirmos qual futuro queremos:

(a) Um futuro de inovações tecnológicas, de oportunidades para todos? Um SBTVD para todos? Um ‘Brasil para todos’?

(b) Um futuro das mesmas coisas em alta definição? O mesmo oligopólio inconstitucional de sempre, em alta definição e interativo? Apenas meia dúzia de famílias dominando sobre a mente de nosso povo, com poder para colocar e tirar presidentes da República (na realidade, ‘reparticular’) quando bem entenderem?

Ademais, existe uma informação que vem sendo constantemente suprimida ao público: se e quando entrar a interatividade na TV digital, a maior parte dos atuais receptores, que já foram adquiridos, terá que ser descartada.

A democratização das comunicações não é uma luta fácil, nem coisa sem importância. Que o digam os coreanos…

Seul – Depois de uma pancadaria generalizada entre deputados, o Parlamento da Coreia do Sul aprovou nesta quarta-feira, 22, uma polêmica lei que permite às empresas que atuam na imprensa escrita serem donas também de redes de televisão [ver aqui].

Para quem for dado a mais reflexões históricas, fiz uma pesquisa na rede, relacionando o que foi produzido por alguns autores, sobre a questão SBTVD:

Adilson Cabral; Altamiro Borges; Beto Almeida; FNDC; Intervozes; José Arbex Jr.; Laurindo Lalo Leal Filho; Luiz Carlos Azenha; Heitor Reis

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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (CMQV)