Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Por que o remorso demorou tanto?

Estarrecedora a matéria de capa da IstoÉ (edição nº 1.819, de 18/8/04). Não pelo que está escrito mas pelo que foi omitido, esquecido, desconsiderado, engavetado. É um dos maiores libelos contra os procedimentos irresponsáveis da nossa imprensa nos idos de 1992-93. Mas é igualmente um flagrante da atual incapacidade desta mesma imprensa – sobretudo a semanal – para esclarecer todas as dúvidas, avançar nos desdobramentos e situar as informações na dimensão apropriada.

Se a matéria de IstoÉ é exclusiva, como se anuncia, não valeria a pena esperar mais uma semana para ir além do fato acontecido há cerca de uma década? Esta denúncia contra o denuncismo, especialmente neste momento, não pode circunscrever-se ao episódico. Imperioso examinar todos os desdobramentos e implicações para restabelecer toda a verdade. O fato é sério demais e representativo demais para ficar no aspecto escandaloso. Ou estamos novamente diante da incontrolável compulsão de ‘fazer barulho’ para logo abafá-lo na gaveta das pautas inconclusas?

Nosso Dreyfus foi pisoteado por causa de uma solerte mentira e não apareceu nenhum Zola ou Clemenceau para berrar que aquilo era falso, balela, intriga dos rivais políticos ou estúpido erro de aritmética.

Aquela formidável ‘barriga’ ocorrida há mais de uma década tirou da disputa presidencial um quase-candidato e isto não foi detalhado para os leitores-eleitores de hoje – deste modo impossibilitados de avaliar como é relativo o senso moral dos que abiscoitam o poder.

A revista IstoÉ estava apenas interessada em desqualificar a concorrente? Ou está a serviço de setores do governo que não pensam em outra coisa senão apertar o torniquete contra a imprensa?

Veja errou em 1993, mas na ocasião ninguém esperneou em defesa do deputado Ibsen Pinheiro. Nem a agora generosa IstoÉ. Esta é a grande história. A ‘cascata’ de Luís Costa Pinto é insignificante se comparada com a conspiração de silêncio que ao longo de 10 anos escondeu-a da sociedade brasileira.

Todas as manifestações do jornalista estão impregnadas de sofrimento pelos males que a sua matéria causou. Merece compreensão e respeito porque entre nós o espírito da Errata não colou. Mea-culpa mesmo que tardio e arrependimento ainda que atrasado não fazem parte do nosso repertório de atitudes. A maioria prefere levar pecados e pecadilhos para o cemitério. Se a biografia do também jornalista Ibsen Pinheiro finalmente começa a ser reparada, a de Costa Pinto ficou comprometida. Não pelo erro, mas pela demora em repará-lo.

Amnésia seletiva

Não faltaram oportunidades. Na terça-feira, 16 de maio de 2000, às 22h30 – portanto há mais de quatro anos – o programa Observatório da Imprensa na TV resolveu enfrentar os linchadores (antigos e atuais) e trouxe Ibsen Pinheiro aos estúdios da TVE, no Rio, para desvendar todas as maquinações e mutretas de que foi vítima.

Choveram protestos, sobretudo das áreas próximas ao PT. Acusaram o Observatório de condescendência com os infratores. Como agora tentam acusá-lo de comandar a reação dos donos da mídia contra a disparatada idéia do Conselho Federal de Jornalismo [veja comentários na rubrica Jornal de Debates, nesta edição].

Onde estava o repórter Luís Costa Pinto, que naquele momento deixou escapar a magnífica oportunidade para uma reabilitação do acusado e manteve-se em silêncio nos dias seguintes? Onde estavam as grandes estrelas do jornalismo investigativo que não se sensibilizaram com a tocante manifestação de inocência num programa de uma hora, ao vivo, em rede nacional? E onde estava Fenaj há tantos anos preocupada – como afirma – com a ética profissional e o combate aos abusos?

Em fevereiro deste ano, quando apareceu no noticiário o nome de Waldomiro Diniz falou-se muito no seu papel como abastecedor dos então deputados Aloízio Mercadante e José Dirceu nas investigações da CPI do Orçamento – a mesma que levou à cassação do ex-presidente da Câmara dos Deputados. Ninguém se lembrou do seu papel como veiculador da calúnia contra Ibsen Pinheiro relativa à transferência de 1 milhão de dólares de uma conta para outra. Amnésia.

Nota discreta

Se a imprensa assume-se como o registro da vida da sociedade, não pode permitir-se tais lapsos de memória. Se na azáfama dos fechamentos e no delírio das denúncias não aparece nas redações um jornalista capaz de berrar ‘parem as máquinas!’ para buscar a verdade onde ninguém a procura, então estamos completa e definitivamente ferrados. Não é preciso diploma de medicina para concluir que nossa mídia está com Alzheimer e nosso Parlamento, com Parkinson. Uma perigosamente esquecida e, o outro, claramente claudicante.

Com três zeros a mais produzimos um dos maiores vexames da nossa história. O ridículo erro de aritmética produziu um vergonhoso linchamento midiático que um Legislativo irresponsável e suas espertas raposas converteram em clamorosa injustiça.

Quem vai indenizar Ibsen Pinheiro? O presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha – atual chefe do repórter Luís Costa Lima – pretende organizar uma sessão solene para reabilitar o ex-colega? Neste país onde falta auto-estima e sobra arrogância aparecerá alguém suficientemente nobre, digno e decente para pedir desculpas?

Os eleitores de Porto Alegre o farão em outubro quando Ibsen Pinheiro recomeçar sua carreira política como vereador.

A mídia, certamente, vai preferir uma nota no ‘Erramos’.