Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Porque é inevitável e inadiável reinventar o jornalismo local

Foto: Wayhomestudio/Freepik

Há um consenso quase unânime entre pesquisadores e jornalistas profissionais nos Estados Unidos sobre a necessidade de revitalizar a imprensa local e comunitária, no momento em que o jornalismo passa pelas mais profundas transformações dos últimos dois séculos. Mas aqui no Brasil, a questão é ignorada pela academia e pelas organizações profissionais indicando que estamos demorando muito para ver que é urgente e inadiável reinventar a forma, os conteúdos e a sustentabilidade financeira do jornalismo local.

O fato concreto é que nós brasileiros ainda não damos a devida importância às consequências que as inovações tecnológicas no campo da comunicação provocaram no ambiente informativo das pequenas e médias cidades. A crise dos veículos tradicionais de informação e a multiplicação de informadores independentes (blogs, redes sociais e influenciadores) alteraram drasticamente as rotinas da população em matéria de acesso às notícias. A desorganização dos fluxos locais de informação foi provocada por dois fenômenos inéditos na vida das pessoas: o surgimento de uma mão dupla nos fluxos informativos (do jornalista para o público e vice-versa) e a diversificação dos conteúdos em circulação entre indivíduos (avalancha noticiosa na internet).

O fato do cidadão comum poder publicar suas descobertas, percepções e opiniões na internet acabou com a exclusividade do jornalismo na produção de notícias, o que afetou diretamente a produção e a sustentabilidade financeira das empresas jornalísticas grandes, médias e pequenas, tanto nos impressos como no audiovisual. Grandes jornais entraram em crise, enquanto o fechamento das publicações menores gerou o fenômeno dos “desertos noticiosos”, cidades sem acesso à informação local (mais detalhes no site Atlas da Notícia e no texto Newspapers are dying, long live local news).

Desinteresse eleitoral e corrupção

Paralelamente, a avalanche informativa nas redes sociais diversificou o número de versões sobre um mesmo dado, fato ou evento provocando insegurança e desorientação entre as pessoas, sem falar na multiplicação criminosa das fake news (notícias falsas) e na desinformação. Nunca o jornalismo se tornou tão necessário tanto para as pessoas comuns poderem orientar seu comportamento cotidiano, como por tomadores de decisões, cuja atividade depende diretamente de dados locais para administrar municípios e pequenas comunidades.

Pensar o jornalismo local tornou-se uma preocupação urgente porque as pesquisas mostraram uma forte degradação na cultura e na prática política em uma cidade quando ela perde seus jornais e se transforma num “deserto noticioso”. A falta de informação sobre negócios nas prefeituras e iniciativas de vereadores geram maiores índices de abstenção em eleições e cria condições para a impunidade em casos de corrupção ou mau uso de recursos públicos.

Mas a manutenção de um jornal ou emissora de rádio no atual contexto digital é um dilema ainda insolúvel. O modelo tradicional de publicidade (troca de audiência por anúncios pagos) não funciona mais porque a internet está roubando anunciantes por ser muito mais barata. Com receitas em baixa, as pequenas empresas demitiram profissionais, o que gerou uma baixa de qualidade e atualidade nas notícias. Resultado, o público migrou para as redes sociais, agravando os problemas financeiros de jornais, revistas e emissoras de rádio locais.

O desafio do engajamento social

Quem é jornalista está pagando um preço alto pela multiplicação dos desertos informativos. Quando um jornal local fecha, o profissional dificilmente encontra emprego. Muitos migram para a publicidade ou relações públicas e a maioria acaba tentando algo na internet, em blogs ou redes sociais, onde travam uma luta inglória pela sustentabilidade financeira pessoal. Os que conseguem alguma receita têm que apelar para o sensacionalismo, renegando o jornalismo. Os demais acumulam frustração em cima de frustração.

Como o modelo tradicional de negócios na imprensa local entrou em crise terminal e como este ramo da atividade jornalística ganhou relevância junto à população, a solução parece estar na exploração e experimentação de novas formas de organização da produção noticiosa, tanto a nível empresarial como no individual. Há dois desafios urgentes: tornar o público parceiro de empreendimentos jornalísticos locais e desenvolver novas modalidades de sustentação financeira tanto empresarial como individual.
Muito já se falou e publicou sobre estes dois temas e quase todos os trabalhos mostram a inevitabilidade da pesquisa e experimentação. Como cada cidade, município ou comunidade tem suas características próprias, torna-se indispensável pesquisar o local para descobrir a fórmula noticiosa que consegue envolver as pessoas na busca de soluções para os problemas comunitários. O engajamento do público é essencial em todas as etapas do processo jornalístico, desde a identificação dos temas de interesse coletivo, do tipo de abordagem que desperta a participação das pessoas, até a disseminação dos conteúdos produzidos pelos repórteres e editores, sem falar na forma como a comunidade vai financiar a manutenção do jornal, página web, blog, podcast ou uma web rádio.

Minha experiência pessoal no desenvolvimento de projetos jornalísticos locais mostra que a pesquisa e experimentação são os dilemas mais difíceis de serem resolvidos porque implicam um trabalho prévio, geralmente não remunerado, com resultados inseguros e num ambiente de incertezas permanentes. Os jornalistas têm as ferramentas para redigir uma notícia, os programadores sabem como montar um site, um blog ou podcast, os diagramadores e designers sabem como produzir uma página atraente. O problema está na relação entre os profissionais e as pessoas. Os manuais como Engaging Your Comnunities for Better Journalism, Journalists in Relationship with Community: Building Trust, Forming a community advisory board for your newsroom, e The Community Network Manual: How to Build the Internet Yourself (*) ajudam muito nas discussões entre os participantes de um projeto de jornalismo local, mas precisam ser interpretados à luz dos comportamentos, cultura e condição socioeconômica das comunidades onde o trabalho vai ser desenvolvido.

(*) Editado pela Fundação Getúlio Vargas

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Carlos Castilho é Jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.