É um desafio, cada vez maior, para nós jornalistas e pesquisadores afirmarmos o jornalismo como essencial, sobretudo em tempos de Pós-Verdade e Covid-19, quando muitos não escutam mais nossa voz. Talvez sejamos as únicas pessoas preocupadas e dispostas a discutir e fazer com o que o jornalismo retome sua importância e credibilidade, mesmo sem sermos ouvidos.
A pós-verdade vem sendo apontada por diversos pesquisadores, como um fator que intensifica a era da desinformação e potencializa a crise de credibilidade que o jornalismo enfrenta, justamente porque as pessoas diante da cultura da Pós-Verdade, somente leem e compartilham aquilo que elas se identificam — e muitas vezes, neste processo o jornalismo é deixado de lado.
Segundo o Dicionário Aurélio, deixado de lado é aquilo é esquecido e/ou abandonado. E é exatamente assim que podemos definir o jornalismo diante dos tempos obscuros que ele enfrenta, pois ele não é mais prioridade e poucas pessoas ainda recorrem ao jornalismo para se informar, se compararmos a outros tempos.
Com a chegada da pandemia da Covid-19 em março de 2020 e diante do fato do leitor estar cada vez mais desconfiado em relação à imprensa, o jornalismo foi novamente abalado, somado ao fato das redes sociais serem grande palco da disseminação de notícias falsas – produto da cultura da Pós-Verdade.
A pós-verdade, assim como a pandemia da Covid-19 é perigosa. Parte da sociedade tem deixado de lado pesquisas, estudos, depoimentos de profissionais da saúde e, sobretudo o jornalismo, para acreditarem naquilo que pensam ou então para acreditarem em pessoas que falam o que elas pensam: Pós-Verdade.
Outra parte voltou a consumir jornalismo sério e de qualidade e, se não fosse o jornalismo, através do exercício da profissão, muitos, desde que começou a pandemia, acreditariam em Kit Covid, cloroquina, ivermectina, receitas caseiras que funcionam como vacina, entre outras ditas pelo atual presidente da República e disseminadas por pessoas que no seu discurso acreditam. Paralelamente, o jornalismo está aí para mostrar o quão importante é e o quão importante são os fatos, pois independente das opiniões e crenças pessoais, eles existem.
Diante deste cenário, a Federação Nacional do Jornalistas (Fenaj) precisou se manifestar: “Federação Nacional dos Jornalistas se posiciona de maneira a reafirmar para a sociedade o compromisso do jornalismo profissional com a defesa da vacina como única maneira comprovadamente científica de evitar precocemente o contágio pelo coronavírus e rechaçar o avanço de veículos de imprensa que utilizam seus meios para propagar a desinformação sobre o uso do ‘kit Covid’ como “tratamento precoce” […] Diante destas questões, nosso apelo é para que os jornalistas profissionais resistam e não contribuam para a promoção da desinformação. O papel do jornalismo é o de orientar e informar corretamente a sociedade e cobrar das autoridades públicas as ações efetivas no combate à pandemia.”
Quando falo que a Pós-Verdade é perigosa, não é só para a sociedade, pois desde 2016, passamos a ouvir e a discutir mais sobre a palavra do ano, definida pelo Dicionário de Oxford como circunstâncias nos quais os fatos objetivos têm menor influencia em moldar a opinião pública, do que as crenças e emoções pessoais. Ou seja, os fatos pouco importam diante do peso das crenças e emoções pessoais. A Pós-Verdade é perigosa, também, para o jornalismo e por isso vimos tantos profissionais da área desgastados desde que começou a pandemia. Não basta passar por todas as etapas de apuração e checagem, pois o jornalismo é deslegitimado, questionado, colocado a prova todos os dias.
Cansados, mais uma vez levantamos e saímos em busca do ganha pão diário, passando por obstáculos impostos pela presença da pós-verdade. Não importa mais se aconteceu, se o jornalismo registrou, apurou, checou e reportou. Só se acredita naquilo que condiz com as crenças pessoais de cada um, caso contrário o jornalismo é deslegitimado mais uma vez. Ou então, acredita-se, portanto o jornalismo fala a verdade — raro em tempos de descrédito na ciência, no jornalismo e em instituições tidas como portadoras da verdade.
Em um ano e dois meses de pandemia, em tempos obscuros e de descrédito da confiança do jornalismo e da ciência, vimos o jornalismo ser deixado de lado por muitas pessoas, mas também levado a sério por muitas pessoas que haviam deixado de lado, o que reacende a chama do jornalismo em meio ao caos.
O jornalismo vem fazendo sua parte, desde o início da pandemia precisou se reinventar, reafirmar seu papel mesmo em meio a maior crise de credibilidade que enfrenta e em meio a maior crise sanitária dos últimos tempos como a pandemia da Covid-19, mas a Pós-Verdade atrapalha. Por isso o alerta de serem dois perigos ao jornalismo. Assim como a Covid-19, a Pós-Verdade pode matar. Assim como a vacina é a solução à pandemia, o jornalismo profissional é um medicamento eficaz no combate a desinformação e a cultura da Pós-Verdade. E é em tempos obscuros, que conseguimos entender o quão essencial o jornalismo é. Mesmo estando inserido no cenário apresentado, o jornalismo nunca deixou de provar o quão essencial é, ele também nunca descansou, está sempre buscando através de novas práticas e possibilidades se reerguer, se fortalecer e voltar ao seu espaço. É um desafio que fica a todos nós, profissionais e pesquisadores.
Texto publicado originalmente por objETHOS.
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Vitória Ferreira é mestranda do PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS.