Para que serve um editorial?
O editorial expressa não só a opinião, mas a posição do jornal. É por esse motivo que ele não é assinado. Para todos os efeitos, trata-se da diretriz, da sua forma de ver o mundo, de seu modo de atuar, sua identidade. Assim, uma recorrente e ampla leitura das publicações de um jornal nos daria clara percepção do alinhamento destas com seu editorial.
Comparando essa ideia à nossa mídia tradicional, seria como a figura do chefe de família antigo, geralmente antiquado e conservador, dono de si, cheio de certezas, que senta na ponta da mesa e diz o que pensa, como quer e com poucas chances de ser interrompido ou contrariado por aqueles que estão à mesa ao seu redor. Por muito tempo acostumados, aquele discurso passa despercebido à maioria, não mais chama atenção, não empolga. Por vezes falastrão, exagera e diz mais do que deveria. Em outras, chega a dar um tapa na mesa e acaba por despertar atenção. Foi isto que o Estadão fez em seu editorial “A maioria também se equivoca”: falou demais, deu seu tapa na mesa e mostrou seu lado autoritário.
Ao se colocar contra a convocação de novas eleições, deixa escapar que isso tem mais a ver com a possibilidade de que essa proposição ajude quem não se alinhe com as preferências políticas do jornal do que com a improbabilidade de uma saída que leve em conta o exercício da democracia através do voto popular, já que, como o próprio título do editorial deixa claro, haveria grandes chances da maioria se equivocar. E diante do descrédito de que a vontade do povo é soberana ou sábia, sentencia: “O mais sensato, portanto, é a solução constitucional já em curso: o governo provisório de Michel Temer em breve transformado em governo de pleno direito.”
Em outras palavras: parecendo ignorar um processo político-jurídico cheio de controvérsias e ainda em andamento, o jornal faz a sua escolha, elege-a como a mais sensata e desconfia que a população não tenha a capacidade de fazer o mesmo. Isso não é só autoritário, mas também elitista e extremamente parcial, tornando cada vez mais evidente que o elitismo e parcialidade presentes em seu editorial alinham-se com boa parte de suas publicações.
O jogo democrático desconsiderado
Se para o Estadão o exercício do voto neste momento pode ser perigoso e levar os brasileiros ao equívoco, para a Folha de S.Paulo a manipulação de pesquisas de opinião parece ser o suficiente para corroborar a mesma solução quanto ao futuro político do país.
Dadas as incongruências em comparação com outras pesquisas, a polêmica publicação do Instituto Datafolha pela Folha de S.Paulo chamou a atenção não só de quem acompanha os noticiários políticos, mas também de Glenn Greenwald, com seus primorosos artigos “Folha comete fraude jornalística com pesquisa manipulada visando alavancar Temer” e “A fraude jornalística da Folha é ainda pior: surgem novas evidências”, os quais deram a deixa para que Paula Cesarino, atual ombudsman da FSP sentenciasse que “a reação pouco transparente, lenta e de quase desprezo às falhas e omissões apontadas maculou a imagem da Folha e de seu instituto de pesquisas. A Folha errou e persistiu no erro”.
O uso de pesquisas vende-se com o discurso da tecnicalidade, da lógica matemática, da isenção e imparcialidade dos números. O que parece ser o inverso dos editoriais, claramente opinativos e, portanto, parciais, as pesquisas têm se mostrado cada vez mais contaminadas pela parcialidade editorial. Exemplo disso é a resposta, ao questionamento da ombudsman, de Sérgio Dávila (editor-executivo responsável pelas controversas escolhas jornalísticas para apresentação da pesquisa da Datafolha), que se saiu com um argumento muito próximo ao que balizou o editorial em questão do Estado de S. Paulo, a improbabilidade: “O único cenário concreto à frente é o Senado decidir se Dilma Rousseff volta a exercer o cargo de presidente da República ou se Michel Temer continua a exercê-lo.”
Ancorados no viés da improbabilidade e na existência de um único cenário possível, a parcialidade parece justificar a construção do discurso enviesado e autoritário, seja dando destaque nas manchetes do jornal às respostas não disponibilizadas no questionário utilizado junto aos entrevistados pela pesquisa, como bem analisado por Greenwald, seja excluindo a possibilidade de imaginar que a democracia e os rumos do país possam ser dignos de acerto se provenientes de consulta popular, como sugere o editorial do Estadão.
Mas ao se pronunciar de forma inequívoca e peremptória acerca de suas preferências políticas, as quais parecem desconsiderar o jogo democrático passível de uma opção legítima diante da sua sensatez editorial, o Estado de S. Paulo nos possibilitou, ao menos, relativizar sua importância como fonte de informação isenta. Quanto à Folha, que fiquemos atentos ao seu tapa na mesa. No momento tem optado mais por ser falastrão, contando só a parte da história e do jeito que melhor lhe apetece.
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Alexandre Marini é sociólogo e professor