Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Práticas da mídia em pauta no Paraná

A urna eletrônica deste Observatório sugeriu, e o leitor parece ter ido direto ao ponto: a pauta mais importante que se impõe a um profissional de comunicação, neste momento, é a própria mídia. Para isso, é fundamental recolher, aqui e ali, fatos para discutir e pensar, ou vice-versa.

A recente entrevista do governador reeleito no Paraná pode nos servir para inúmeras reflexões. Entre elas, uma relativização de ambas as posições de um conflito que não é novo. Roberto Requião e a grande imprensa do Paraná andam em rusgas há muito tempo e a mídia, como é, afinal, a própria difusora de informações ao público, tem tomado um partido que não lhe cabe enquanto instituição: julga Requião, condena-o sem, na verdade, querer dar muita atenção ao ‘outro lado’. Abaixo, dois exemplos do tratamento da mídia ao governo do Paraná, escolhidos porque conheço-os extremamente bem, já que atuo na assessoria de imprensa da Secretaria de Educação do Paraná. Seria possível citar outros, mas isso tornaria este texto muito mais extenso.

Qual é o sentido de fornecer, sempre, ao público o contraditório? É claro que se trata de cumprir a função de dar subsídios para que este entenda o que se passa, medite e forme uma opinião. Ouvir o ‘outro lado’ não é, então, meramente citar que alguém disse algo em sua defesa, publicar nas últimas linhas da matéria que o acusado negou as acusações etc. Certamente, isso não é expor o contraditório, mas minimizá-lo, mostrá-lo ocultando-o. É como se um juiz ouvisse as testemunhas de defesa apenas como mera formalidade. É assim que muitos jornais e muitos jornalistas agem, inclusive no Paraná. E, lembremos, jornalista não é juiz e jornal não é tribunal, muito menos pode enganar seu público assumindo, na prática, uma posição política enquanto repete aos sete ventos que é imparcial.

A notícia inventada

Outro fator importante a ser discutido é o da qualidade da informação. Cabe ao jornalista checar a informação com a qual trabalha. O público espera isso. É como um fundamento que garante a credibilidade de um veículo. Sem isso, não há como levar a sério um jornal ou um noticiário radiofônico ou televisivo. Jornalista não é papagaio do que fulano ou beltrano diz. Se age assim, se não checa a correspondência do dito com a realidade, engana o público. É hora de perguntar: a mídia vem fazendo isso? Fornece subsídios para formar a opinião de seu público? Dá igual destaque em suas matérias ao ‘outro lado’? No caso do Paraná, tudo indica que não.

Vejamos que, há aproximadamente um ano, o governo do estado organizou, em Curitiba, um festival de artes no qual crianças e adolescentes da rede pública de ensino eram os astros. Mais de 5 mil jovens aprendiam algum tipo de expressão artística e se apresentavam em palcos de dança, teatro, música e literatura. A emissora curitibana de televisão Rede Paranaense de Comunicação (RPC), retransmissora da Globo, não reservou nem sequer um segundo de sua programação para divulgar o fato. Ora, provavelmente a comunidade gostaria de saber o que estava acontecendo no local, poderia, inclusive, ir assistir a uma das centenas de apresentações de estudantes. É de praxe reclamar que os governos não investem em educação ou cultura, e ali estava uma chance de saber da existência de uma iniciativa que congregava arte e educação. Mas a RPC não entendeu assim.

A única referência ao evento se deu por conta de algumas dezenas de estudantes que se sentiram mal e procuraram um posto de saúde. Isso, sim, foi alardeado como se houvesse uma peste à solta. A equipe de jornalismo julgou e deliberou que havia algo como um surto e classificou o evento de ‘festival da diarréia’. Pronto. Aproximadamente 50 casos em mais de cinco mil participantes transformam-se em alarme de intoxicação alimentar. O outro lado? Tinha apenas que dar explicações sobre o que a equipe de repórteres já tinha decidido ser verdade. Nada de arte, nada de cultura. A emissora de Curitiba resolveu que tudo não passava de – com licença da palavra – merda. Uma dupla mensagem para deleite de qualquer psicanalista.

A mentira repetida

Mais recentemente, na campanha eleitoral deste ano, o candidato Osmar Dias repetiu até não poder mais que o governo do Paraná não investiria 25% de suas despesas líquidas no setor da educação. O sindicato dos professores já havia feito isso antes, ressaltando que os 25% deveriam ser aplicados no ensino básico. Chegou a denunciar judicialmente o governo por isso, mas a denúncia foi arquivada por improcedência.

O fato é que a Constituição determina que se aplique esse percentual ‘na manutenção e desenvolvimento do ensino’, sem indicar que o montante de recursos deva ser destinado ao ensino básico. A imprensa deu voz ao sindicato dos professores, deu voz ao candidato, deu voz também ao governo. Este mostrou que era improcedente a queixa, utilizando o texto constitucional e documentos oficiais, atestados pelo Tribunal de Contas. No entanto, ao ‘outro lado’, o do governo, era reservado o ‘pé’ da matéria, quase como que pela obrigação de mostrar – ou simular – imparcialidade.

No dia seguinte, a mesma matéria, sem qualquer crítica, mais uma vez, repetidamente. Nenhum jornalista leu a Constituição, nenhum jornalista pesquisou as planilhas. Meros papagaios, repetiam o que ouviam ou recebiam em releases. A versão única foi repetida, repetida, até que muitos, sem a informação checada – como determina o sentido da função pública do jornalismo –, passaram a repeti-la. Quem perdeu? O mesmo público com o qual esses veículos ‘imparciais’ se dizem comprometidos.

A verdade selecionada

Na segunda-feira 30/10/06, Requião, em coletiva, reclamou da cobertura de alguns veículos de comunicação em relação a seu governo. O fez de modo veemente, de forma que o sindicato dos jornalistas considerou ‘desrespeitosa, truculenta e deselegante’. Talvez. Depende do ponto de vista. Porém, para que este ângulo de visão possa ser levado em conta, é preciso que se considere o ‘outro lado’. É preciso que se entenda o porquê de tal atitude. E os dois exemplos citados anteriormente podem nos colocar em contato com o sentido da ira do governador. Quem sabe seja porque parte da dita ‘grande mídia’ paranaense toma partido, não dá igual espaço ao contraditório, não checa informações – ou checa e se furta a divulgar o que checou – e, sem um pingo de compromisso ético, se diz imparcial.

Eis que o jornal Gazeta do Povo classificou de ‘ameaça à democracia’ a atitude de Requião. Em nota publicada na primeira página, em lugar de destaque, assinada pelo jornal e pela RPC, fala-se em ‘compromisso com a verdade’ e em ‘intimidação da liberdade de imprensa’. Ora, o tal ‘compromisso com a verdade’ deve ser o mesmo que leva à invenção de uma intoxicação alimentar e à repetição de uma informação mal checada ou não checada. A ‘liberdade de imprensa’, então, deve estar relacionada à liberdade de decidir o que é verdade ou não, sem checar o fato ou omitindo informações que não convêm a essa ‘verdade’.

Como disse, as rusgas entre Requião e a mídia já vêm de longe. Se aquele talvez pudesse ser mais ameno, esta poderia ser mais honesta e assumir a sua contribuição para a atitude dele. Em vez de ficar reclamando, indignados, os jornalistas poderiam entender que, se não é exatamente exato dizer que mentem, é inegável que escolhem a verdade que querem em suas matérias. Afinal, se têm essa liberdade, por que não entendem que Requião se sente ofendido com isso e tem a liberdade – e o direito – de se revoltar e expressar sua revolta? Entender isso, para a mídia paranaense, é entender ‘o outro lado’. E isso é fundamental para o bom jornalismo.

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Psicólogo, jornalista e mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ