A uma profissão coube o destino de contar as aventuras da espécie humana sobre a terra. Um oficio de complexa definição que reúne técnica, arte, ética e sorte – em variáveis imprevisíveis na equação que resulta na construção da realidade. Um trabalho árduo alicerçado sobre o inesperado e indubitavelmente dependente do outro: a fonte e, logo depois, o público. Para desempenhar esta função, é necessário, quase sempre, abrir mão de finais de semana e feriados. Romper o cansaço por longas esperas – da antessala ao telefone, passando pela mensagem que custa chegar.
Ter paciência e firmeza. Exercer a capacidade constante da dúvida e, também, do altruísmo. Ser inconformado com as incongruências da vida e dar aspas a quem precisa ser ouvido e, ainda, mostrar o rosto de quem prefere o silêncio das ilicitudes. É indispensável ter faro para separar o trigo do joio e encontrar as melhores histórias. E acima de tudo: carregar consigo a sensibilidade humanizadora da esperança por dias melhores, ainda que o cenário seja de guerra ou insista em dizer o contrário.
Somente alguém com espírito corajoso se atreveria a desempenhar uma função cuja prática é regida pelo pressão do tempo (dead line) e do espaço (nos veículos impressos, digitais e eletrônicos). Sim, apenas com fôlego quase que inesgotável para viver constantes mergulhos na vida real. Aquela vida que tem cheiro, gosto e forma que conhecemos e, também, às que desconhecemos ou passam à margem de nossos olhos, nariz e ouvidos. Um ser humano capaz de compreender que notícia é quando homem morde o cachorro e vice-versa.
Em um mundo movido pelo fetiche da velocidade e das interações virtuais, com imagens e informações inundando time lines, o espaço da reportagem tem sido redimensionado e supostamente subjugado ao da opinião. Quando todos podem falar e escrever, fica difícil ouvir e ler. O que não podemos perder nesta atmosfera binária é que somente com a construção de conteúdo informativo feito com um DNA de novidade, propósito, veracidade e credibilidade é que conseguiremos nos guiar enquanto cidadãos – e mais: filtrar sofismas e não embarcar no compartilhamento de falácias.
Uma espécie em extinção
O lugar deste sujeito, que não deve ter vocação para artista, é trabalhar em frente às telas e às ruas: trazendo luz, colocando lupa, desacomodando sociedade e poder público e apontando soluções.
Quando pensamos em democracia e sociedade, lá está o jornalismo profissional, que reúne sujeitos que vivem do seu trabalho, que têm dimensão dos limites da atuação, que compreendem o papel de interlocutor, e não julgador. Aqueles que não descansam até ver o último ponto final – seja da legenda da foto ou da lauda aprovada. Aqueles que contam histórias reais na tentativa de transformar o mundo ao redor. Aqueles que sabem que o único fiscalizador do seu ofício é a própria sociedade.
O óbvio, não raro, precisa ser dito. Todo repórter é jornalista, mas o contrário não se traduz em verdade. Assim, o jornalismo só faz sentido com a existência de uma espécie aparentemente em extinção: o repórter. Atrevo-me a dizer que precisamos cada vez mais de repórteres que temperem o nosso cotidiano com prestação de serviço, densidade, estranhamento e alívio.
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Leandro Olegário é jornalista e professor universitário