No episódio dos mineiros chilenos soterrados a 700 metros de profundidade, houve apenas três notícias, de verdade, no dia 5/08, da explosão da mina; em 22/08, quando os mineiros sinalizaram que estavam com vida, por meio de um bilhetinho; e na madrugada do dia 13/10, quando o primeiro mineiro foi resgatado, desdobrando esta última notícia no resgate dos demais 32 mineiros no dia seguinte. Pelo ângulo jornalístico e político, de resto, foi um evento midiático oportunista de proporções planetárias. Contudo, positivo em vários aspectos.
Quem já esteve longe de terra firme em tensão e risco de vida, de algum grau semelhante àquele enfrentado pelos mineiros, sabe que cada segundo é uma eternidade e a alternância de sensações e reflexões são inumeráveis. Quando há uma comoção nacional em torno dessa experiência singular, só mesmo quem passou por isso pode tentar explicar.
A dor dos familiares dos chilenos, contrabalançada pela expectativa de salvamento e fim do sofrimento, foi comovente, tanto quanto a das vítimas de outras catástrofes recentemente enfocadas por grande cobertura da mídia internacional. O caso dos terremotos, enxurradas e até as bombas humanas de terroristas de plantão, essas nem tanto, pois, reincidentes, saem das primeiras páginas três a quatro dias depois.
A prova de que a união de um povo, a coesão de pessoas de um país, pode resolver muitos problemas políticos e sociais, é visível. O Chile virou notícia, a bandeira nacional foi decorada pelo mundo, o novo presidente mais uma vez protagonizou um episódio de repercussão histórica – já o havia sido nas vésperas de sua eleição, durante o último terremoto no Chile.
Tecnologia é dominada no mundo inteiro
A ajuda providencial da Nasa, com tecnologia de alimentação em condições adversas e com equipamentos, o suporte de perfuradoras de prospecção de petróleo, como fusão de tecnologia de áreas distintas de produção industrial, foram os pontos materiais fortes da cobertura. Mas alguns ângulos importantes das notícias em torno do resgate dos mineiros chilenos não foram explorados pelo batalhão de jornalistas – segundo estimativas, o maior dos últimos tempos.
Curioso é que a imprensa brasileira, pelo menos no caso da recente explosão da plataforma de petróleo no Golfo do México, copiou os releases das agências de notícias que, por sua vez, deram pouco destaque ao aspecto humano do acidente e muito destaque ao aspecto político-econômico. No caso dos mineiros chilenos, a imprensa brasileira manteve suas lentes para a parte humana do episódio e não deu destaque algum aos aspectos político-econômicos. Em primeiro lugar, a eficiência com que o grupo de resgate conduziu a operação não foi destacada – comumente estes aspectos são relevantes, quando ocorridos em países do primeiro mundo. Igualmente a forma com que as autoridades chilenas distribuíram os comunicados, seus planos de ação e previsões, não foi destacada. Pelo que se viu e leu, exemplares, diga-se de passagem.
Uma pergunta que não foi feita ao presidente da Bolívia é se ele voará para acompanhar cada boliviano que sofrer acidente com risco de vida em outro país. Um aspecto relevante, que não foi destacado, se refere às causas e efeitos econômicos do acidente naquela mina de cobre e ouro. Não li muitas linhas de entrevistas a respeito. Por último, mas talvez não por fim, não se destacou que a tecnologia empregada pelo grupo de resgate é dominada por mineiros no mundo inteiro; havia pouca chance que algo desse errado com a operação de inserção e deslizamento da cápsula pelo túnel improvisado; qualquer geólogo ou engenheiro experiente em túneis e infra-estruturas semelhantes (mesmo que de dimensões menores do que 600 metros de profundidade) sabe que um mineiro reconhece o risco de que uma rocha sofrerá fissura, que aguentará certa exposição à fricção e operações do gênero; igualmente é conhecida a sensação de enfiar-se num túnel a trabalho, como fazem engenheiros pendurados pelos pés a dezenas de metros de profundidade para vistoriar preparações de estacas de fundação.
‘Deus saiu ganhando’
Mas a imprensa, que não é boba, preferiu explorar o press-release fácil que vinha para as redações com toda a carga de claustrofobia experimentada pelos mineiros chilenos. Nisso todos nós em nossas casas soubemos experimentar com apreensão e fé para que tudo desse certo. E deu. Como disse o mineiro Sepúlveda: ‘Na briga entre o diabo e Deus, Deus saiu ganhando.’
Por outro lado, ele não se livrará de virar celebridade. A imprensa não o resgatará desse risco. Pelo contrário, e é bom que seja assim, neste episódio.
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O texto acima foi redigido e publicado originalmente em 13/10/2010, às 14h31, antes do último mineiro ser resgatado. Dia 15/10/2010, após toda a operação de resgate, o site Último Segundo publicou a seguinte matéria: ‘Mineiros do Chile dividirão dinheiro arrecadado em entrevistas‘.
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Jornalista e escritor