Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Profetas em meio a um jornalismo caduco

Jornalistas como Alberto Dines e Jorge Kajuru padecem de um mesmo mal: estão presos a suas histórias, não podem negar o passado. São pessoas que não separam a ética da vida privada da ética profissional. O homem e o profissional caminham juntos, sem ambigüidades. Tal condição aprisiona o jornalista ao homem e vice-versa. É como fazer valer a expressão ‘sou aquilo que sou, eis o que sou’. São espécimes raras no modus vivendi de nossa sociedade.

Se por um lado vibramos com tal heroísmo, por outro não sabemos se seríamos capazes de suportar o martírio de sermos reféns de nossa própria consciência. Poderíamos comparar os jornalistas em questão ao senador Paulo Paim, do PT. Ao se posicionar contra o salário mínimo proposto pelo Planalto, fica em paz com a sua consciência e compra uma briga com o partido. Trata-se também de um martírio. Em nome de um ideal podemos perder o emprego, os amigos, a família, enfim, há muito a perder. E o que temos a ganhar? Admiração de alguns? Cumprimentos entusiasmados? Tudo muito bom. Mas quem pagará as nossas contas? Eis a questão. Homens assim não são movidos pelo dinheiro, nem se preocupam muito com isso. A conduta coerente, a ética e a consciência tranqüila têm mais valor.

Coloquemo-nos na posição dos empresários de comunicação. Eles precisam de créditos, financiamentos, apadrinhamento político, enfim, aquelas coisas típicas e muito antigas nesse meio. Quem teria a coragem de comprar uma briga com políticos influentes? De arriscar o seu negócio? A dependência financeira e as relações de poder determinam o gerenciamento da empresa e das pessoas. É cada vez mais evidente que o jornalismo tem por aparência a comunicação e o compromisso com a verdade, mas em essência é relação de poder. É por isso que o jornalista e a própria mídia se transformaram nos profetas do acontecido, ou seja, falam daquilo que já está exposto, que não pode mais ser ignorado. A novidade, a informação realmente importante e de interesse público, permanece escamoteada, protegida por um poder que distorce a realidade e cria uma série de imaginários.

Ainda um ideal

Houve um tempo em que jornalistas eram profetas do futuro. Desse tempo restou apenas o mito – que ainda hoje leva centenas de jovens ingênuos às faculdades. A dureza da realidade, a permanente tensão entre a missão do jornalista e as exigências do mercado desmascaram o mito, embora muitos continuem ilusoriamente acreditando nesse mito. A ilusão verificamos nas ações contraditórias.

Em oposição ao jornalismo imaginário temos figuras como Alberto Dines e Jorge Kajuru. Eles, sim, estão com os dois pés no chão. Não são idealistas, mas jornalistas orgânicos, enraizados. Não se deixam dominar pelo poder que distorce e corrompe. À parte toda e qualquer crítica ao estilo de um ou outro, temos dois apaixonados pela profissão. É a paixão que os leva a defender um ponto de vista, a fazer crítica e autocrítica e, por vezes, deixar que a emoção se sobreponha à lucidez mercantil e à razão nas relações de poder que distorcem.

A liberdade de imprensa ainda é um ideal. Real é o poder político e financeiro que comanda as relações na mídia. Enquanto não houver respeito às autonomias, não haverá liberdade. Nossa sorte é que, mesmo que sejam poucos, sempre haverá profetas.

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Jornalista, mestre em Comunicação Social pela PUC-RS, Porto Alegre