Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Proposta de cinco megassoluções

Ser brasileiro é torcer apaixonadamente o tempo inteiro, seja por um time de futebol, uma escola de samba, uma ideologia, uma revista, um jornal ou um presidente da República. Não há nuanças para os brasileiros, de Miami ao Chuí. Não se admite que um corintiano admire o modelo de gestão do São Paulo, que uma boa reportagem da Veja seja discutida pela CartaCapital, que Fernando Henrique Cardoso reconheça alguns acertos de Lula, que o governo atual reconheça em público os próprios erros, que, enfim, existam mais cores além do branco e do preto.

Resultado: a proliferação de debates inócuos, acalorados, onde se discute quem roubou mais, quem engavetou mais processos, quem desviou mais recursos, quem fez mais pela economia do país, quem tem mais títulos, quem é mais popular, quem é mais culto, quem tem a primeira-dama mais elegante, quem é de esquerda ou de direita, quando se deve politizar um acidente ou não, quem tem mais samba no pé, entre outras pérolas do tipo.

Desta feita, o Brasil está sucumbindo ao derretimento indiscriminado de massas cinzentas de leitores, diante do superaquecimento de debates dicotomizados, causado pela emissão indiscriminada de notícias tendenciosas. O transbordamento de editoriais é fato e arrasa grandes extensões de área útil das publicações, deixando à vista apenas os espaços publicitários. Neste ritmo de degradação, a espécie de leitores pensantes brasileiros estará extinta em pouco tempo.

De forma a evitar tamanha catástrofe ambiental, apresento a seguir cinco megassoluções para resolver o megaproblema de tendenciosidade dos nossos hebdomadários.

1. Segregação do espaço publicitário em catálogo próprio

Muito se discute sobre a influência da publicidade no conteúdo jornalístico dos hebdomadários brasileiros. As estatais, por exemplo, são responsáveis por boa parte da verba publicitária dos nossos semanários. Eis que surge a questão: como manter a isenção nestas condições? A resposta não é fácil. Entretanto, cientistas comportamentais da Carolina do Norte pesquisam os efeitos da segregação das campanhas publicitárias, com boas perspectivas de sucesso. Inclusive, há relatos de pessoas dispostas a guardar apenas o catálogo dos anúncios, o que obrigará nossas publicações semanais a tornar o conteúdo menos descartável.

2. Publicação de notícias em situacionês e oposicionês

Esta simples e importante solução, sugerida por cientistas do Centro de Pesquisas Avançadas do Texas, endereça duas questões fundamentais: como divulgar fatos através de notícias tendenciosas e como gerar novos empregos diante da crescente automatização. Como naquelas revistas de bordo dos nossos aviões, com reportagens em português à esquerda e em inglês à direita, os noticiários sairiam com os vieses de ‘situação’ e ‘oposição’, publicados nas páginas pares e ímpares das revistas. Destacando os pontos em comum entre os dois textos, o leitor poderá chegar ao fato por trás da notícia. E, no lugar de um jornalista, dois jornalistas estariam empregados.

Esta idéia, contudo, terá vida curta, uma vez que nossos hebdomadários serão classificados ideologicamente de acordo com o conteúdo publicado nas páginas pares.

3. Aplicação de estenografia nos infográficos

Uma imagem vale por mil palavras. Contudo, uma imagem sem palavras parece valer muito pouco para nossos hebdomadários. Para resolver este problema, pesquisadores do Instituto de Engenharia Comportamental de Oklahoma publicaram recentemente um estudo sugerindo a utilização de estenografia para complementar a informação dos gráficos dos semanários brasileiros. Como a taquigrafia é de domínio restrito, o poder de indução dos chamados infográficos estaria mais limitado em nossa população. Por outro lado, valendo-se da técnica, muito mais palavras caberiam no gráfico, o que daria maior liberdade na redação de informações complementares.

4. Publicação de editoriais em esperanto

Para conter o avanço dos editoriais nos semanários brasileiros, antropólogos do Centro de Estudos Avançados de Hokkaido propuseram que opiniões dos órgãos jornalísticos fossem publicadas em esperanto, a linguagem universal que talvez seja a menos conhecida no universo.

Com isso, resguarda-se o direito sagrado de emissão de opinião da revista em qualquer canto da publicação, sem perigo de contaminar o julgamento do leitor.

5. Publicação de erratas como manchetes

Manchetes caluniosas, difamatórias, entre tantas, são veiculadas constantemente por nossos hebdomadários, despudoradamente. Recentemente, por exemplo, houve a divulgação precipitada e condenatória do caso da mãe que teria tirado a vida da filha misturando cocaína na mamadeira. Após comprovação do erro crasso, algumas publicações trataram de corrigir a ‘falha técnica’ com aquelas tímidas erratas à Britney Spears: Oops! I did it again!

Para resolver o problema, doutores do Centro de Ciências Humanas de Vaduz propuseram que, trocando a seção de errata pela manchete, os nossos semanários se tornariam mais humanos, menos suscetíveis a acertos. Manchetes como ‘Revista Monstro Condena Mãe Inocente Antes do Julgamento’ teriam um efeito mais positivo na população, sem privar os semanários do sagrado direito de publicar notícias sem necessidade prévia de averiguação.

Conclusão

O derretimento de massas cinzentas de leitores de semanários brasileiros tem solução, como diversas iniciativas científicas ao redor do mundo assim a comprovam. Algumas sugestões são mirabolantes demais para os tempos de hoje, mas não são impossíveis de serem aplicadas em futuro próximo. Ressalte-se ainda que nenhuma solução apresentada fere o direito de expressão; pelo contrário, várias destas propostas potencializam a livre apresentação de idéias, qualquer que seja a posição ideológica dos nossos hebdomadários.

Contudo, torço sinceramente para que nenhuma destas proposições ridículas precise ser empregada para melhorar a qualidade das principais publicações semanais brasileiras.

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Engenheiro, Rio de Janeiro, RJ