Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Psicanálise e consulta popular

Concluído o resgate dos trinta e três mineiros que estavam presos na mina de cobre San José, instalada no deserto de Atacama, no Chile. Efetuado pelo governo chileno, o resgate contou com intensa cobertura da mídia internacional, que transmitiu a operação desde o seu inicio em 12 de outubro.

Muito curioso e emblemático o modo como se encerraram os trabalhos transmitidos pela mídia: o presidente chileno, que teve forte presença no acompanhamento da operação, pergunta ao último resgatista a ser retirado de uma profundidade de quase setecentos metros pela cápsula individual de resgate: ‘Em que pensava enquanto subia?’ A resposta: ‘Que haja mais segurança nas minas e não tenhamos mais que passar por isso novamente.’ Ao que o presidente responde: ‘A segurança e condições de trabalho, não só dos mineiros, mas dos trabalhadores dos diversos setores do pai, deve ser revista.’

Um raro momento de psicanálise e consulta popular, por um lado, e de participação e controle democrático, por outro. Neste exemplo limite, o Estado busca dar uma resposta eficaz a um problema quase tragédia posto por questões como … possível deficiência na regulamentação de um setor da economia chilena, … à questão dos direitos humanos, … dos trabalhadores, entre outras questões, através da capacidade técnica e também pela via da política e da transparência pública, na prestação de contas tanto aos chilenos, como também à comunidade internacional, propiciada pela mídia.

Um aceno de esperança

A capacidade burocrática da administração pública, aliada à cooperação técnica, colocadas à prova na operação de resgate dos mineiros, vêm também em resgate do mercado e de seus reflexos. Na cobertura da imprensa, a empresa responsável pela mina não está presente ou não é estrategicamente mostrada. O protagonismo é do Estado e este se dirige ao povo chileno – seu auditório, sua plateia – como também ao poder vinculante da Transparência e dos Direitos Universais.

Nesse momento – breve, em termos históricos, mas longo para os que ficaram detidos por mais de dois meses – o trabalhador (o resgatista – a serviço do Estado) tem a fala e é porta-voz de uma necessidade: condições de segurança e de dignidade no trabalho e tudo o que isso pode significar. É capaz de saber o que quer e de o expressar, seja elaboração individual ou coletiva. Uma necessidade cuja auto-evidência foi proporcionada pelo desastre – um evento-limite.

Essa capacidade do ‘ser humano’ de saber do que necessita e de expressá-lo – uma condição para o desenvolvimento humano, – parece estar vinculada a uma escala de necessidades e a um cenário ou terreno fértil para que sejam supridas e sobretudo valorizadas. Um projeto civilizador no qual as cores da democracia supostamente devem ser encontradas numa paleta mínima e histórica a ser utilizada. A possibilidade de ser ouvido acena com uma esperança para a questão.

Um ponto final metafórico?

Outro viés – o de uma integração latino americana – também poderia ser percebido através do discurso final do presidente chileno à imprensa? Ele agradece o apoio representado por vários chefes de Estado e menciona em primeiro lugar o presidente Lula, do Brasil, seguido por vários chefes da América do Sul, e por fim de outros continentes. Uma integração e cooperação que aponte para projetos mais voltados para a região da América Latina. O deslocamento do eixo da dependência Norte-Sul, Desenvolvidos e Subdesenvolvidos, Centro e Periferia – para um eixo regional, contudo também global, porque inevitável no contexto capitalista.

A mina foi fechada – a tampa, colocada pelo próprio presidente pode colocar um ponto final metafórico às práticas de mercado naquele país e na América do Sul?

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Estudante, São Gonçalo, RJ