As edições de terça-feira (21/9) dos jornais trazem notícias inquietantes sobre a imprensa.
No México, El Diario de Juárez, principal jornal de Ciudad Juárez, que está mergulhada em sangrenta guerra de narcotraficantes, publica editorial no qual anuncia que desistiu de divulgar notícias sobre o conflito entre cartéis. A decisão foi tomada após os assassinatos de dois repórteres. O texto pede literalmente aos traficantes que digam o que querem que seja publicado, para evitar que mais jornalistas sejam mortos [outras informações aqui].
Ao abrir mão da liberdade de informar, os diretores do Diário de Juárez também tentam chamar atenção para o fato de que o governo do México não toma medidas para retomar o controle da região norte do país. O editorial explica que o jornal se dirige diretamente aos chefões do narcotráfico ‘porque são as autoridade de facto‘ na cidade.
Já são 22 os jornalistas assassinados no México desde 2006. Oito dessas mortes foram relacionadas a reportagens sobre corrupção e crime organizado. A violência se agravou depois que um grupo de ex-militares passou a disputar o controle do tráfico de drogas ao longo da fronteira com os Estados Unidos.
Bem lembrado
Os jornais mexicanos têm publicado informações sobre o envolvimento de autoridades com o crime organizado. Mas o relato mais dramático pode ser lido no romance 2666, do escritor chileno Roberto Bolaño.
A situação é muito parecida com a que viveu a Colômbia no final dos anos 1980, quando uma guerra de cartéis também fez muitas vítimas entre jornalistas. Em outras proporções, foi o que aconteceu durante duas décadas no Rio de Janeiro e ainda acontece em outras cidades brasileiras, onde amplas regiões, abandonadas pelo poder público, são dominadas por bandos de criminosos.
A morte do jornalista gaúcho Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, conhecido como Tim Lopes, da Rede Globo, torturado e assassinado por traficantes no Rio, em junho de 2002, deu início à reação das autoridades.
A rendição do jornal El Diário de Juarez é o ponto a partir do qual os mexicanos precisam decidir se ainda querem construir uma sociedade democrática. E um lembrete para os brasileiros de que o preço da liberdade é a vigilância de todos os dias.
Influência em queda
Na Argentina, a crise entre o governo e os dois maiores jornais chega ao paroxismo: a imprensa noticia que o governo de Cristina Kirchner prepara um pedido de prisão preventiva de dirigentes do Clarín e do La Nación.
O conflito entre o governo e as duas maiores empresas de jornalismo do país, que começou como uma sucessão de divergências sobre a política econômica, acabou se transformando em uma disputa pessoal, que levou agentes federais a vasculhar antigas histórias do tempo da ditadura militar, como a adoção irregular de filhos de militantes esquerdistas assassinados.
O caso que ameaça levar à prisão o diretor de redação de La Nación, Bartolomé Mitre, e os dois principais acionistas do Clarín, Ernestina Herrera de Nobre e Héctor Magneto, é a negociação da empresa Papel Prensa, ocorrida em 1976.
O antigo dono da indústria, que é a principal fornecedora de papel de imprensa na Argentina, David Graiver, que teria financiado o grupo esquerdista Montoneros, morreu em 1976, em um acidente de avião cujas causas nunca foram esclarecidas.
Em seguida, segundo a acusação do atual governo, sua mulher e principal herdeira foi presa e torturada pelos militares e os dirigentes do Clarín e La Nación teriam se aproveitado para adquirir a fábrica de papel em condições injustas.
O conflito entre o governo e os dois principais jornais também envolve a aplicação da lei que limita o direito de uma empresa de controlar mais de um veículo na mesma cidade.
Diferente do México, onde a crise envolvendo a imprensa se desenrola sob o silêncio aterrorizado da população, na Argentina a disputa tem provocado manifestações da sociedade. Na segunda-feira (20/9), segundo os jornais, milhares de pessoas saíram às ruas em Buenos Aires para apoiar o governo Kirchner e exigir o cumprimento da lei da mídia.
Enquanto isso, no Brasil, onde os principais jornais se declaram publicamente como órgãos da oposição, a disputa com o governo é pontuada por declarações tempestuosas do presidente da República, que ganham ampla repercussão e são respondidas por representantes oposicionistas através da imprensa, num interminável bate-boca que se intensifica a um mês das eleições.
Ainda assim, as pesquisas de opinião indicam que a popularidade do presidente não se abala e sua candidata à sucessão segue liderando as preferências do eleitorado.
A rigor, a imprensa brasileira continua livre e sem riscos reais, mas muito menos influente do que se imaginava.