Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quando os espectadores se tornam parte do processo

O anúncio de que Barack Obama apareceria dentro em pouco na televisão veio tarde, na noite de 1º de maio. “Potus [sigla para President of the United States] falará à nação esta noite, às 22:30, horário da Costa Leste”, dizia o tweet de Dan Pfeiffer, diretor de Comunicações da Casa Branca. A mensagem provocou uma explosão de especulações no microblog. Teria Muamar Kadafi sido morto num ataque aéreo? Teria Osama bin Laden finalmente sido localizado? De início, ambas as teorias tinham o mesmo número de defensores, a julgar pelo volume de tweets. Foi então que Keith Urbahn, principal assessor de Donald Rumsfeld, ex-secretário de Defesa, recebeu um telefonema de um produtor de televisão bem relacionado que queria entrevistar Rumsfeld sobre o assassinato de Bin Laden. E Urbahn escreveu no Twitter: “Fico sabendo por uma pessoa respeitável que mataram Osama bin Laden. Cruzes!”

Sua mensagem logo se espalhou pelo Twitter. Telejornais começaram a divulgar o caso, que foi confirmado uma hora depois por Obama. Posteriormente, soube-se que Sohaib Athar, um consultor de informática que vivia em Abbottabad, o vilarejo paquistanês onde Bin Laden vinha se escondendo, descrevera como a operação sucedera numa série de tweets (“Um estrondo que estremeceu as janelas, aqui em Abbottabad… Espero que não seja o começo de algo ruim”).

No dia seguinte, começou a circular na internet uma foto que dizia mostrar o rosto ensanguentado de Bin Laden, mas no Twitter isso foi rapidamente exposto como falso. Uma semana depois, um depoimento num site obscuro atribuído ao filho de Bin Laden, Omar – denunciando a morte de seu pai como “criminosa” e seu corpo jogado ao mar como degradante –, foi divulgado pelo mundo todo quando foi adicionado um link pelo Twitter de Leah Farrall, analista em contraterrorismo. Tudo isso mostra como as redes sociais estão mudando o jornalismo, diz Mark Jones, editor para assuntos globais da agência de notícias Reuters. “Todos os ângulos da matéria estavam no Twitter.”

Antagonismo entre blogueiros e jornalões

Pesquisas feitas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos sugerem que de 7 a 9% da população usa o Twitter, comparado a quase 50% que usa o Facebook. Mas os usuários do Twitter também influenciam, diz Nic Newman, ex-executivo da BBC para “mídia do futuro” e atualmente professor no Instituto Reuters da Universidade de Oxford. “A audiência não está no Twitter, mas as notícias estão no Twitter”, resume Jones.

Graças à ascensão das redes sociais, a notícia já não é colhida pelo repórter e transformada numa matéria, mas emerge de um ecossistema no qual jornalistas, fontes, leitores e espectadores trocam informações. Essa mudança começou em torno de 1999, quando as ferramentas dos blogs se tornaram amplamente acessíveis, diz Jay Rosen, professor de Jornalismo da Universidade de Nova York. O resultado disso foi “a passagem das ferramentas de produção para as mãos das pessoas até então conhecidas como audiência”, diz ele. A isso seguiu-se outra mudança: a ascensão da “mídia horizontal”, que tornou rápido e fácil para qualquer pessoa compartilhar links (via Facebook ou Twitter, por exemplo) com um grande número de pessoas sem o envolvimento de uma organização jornalística tradicional. Em outras palavras, as pessoas podem agir coletivamente como uma rede de transmissão.

Inicialmente, muitas organizações jornalísticas eram abertamente hostis a estas novas ferramentas. Nos Estados Unidos, o auge do antagonismo entre blogueiros e os jornalões foi no final de 2004, quando o programa 60 Minutes, telejornal da noite da CBS, divulgou, com base em comunicados vazados, que George Bush Jr. tinha se utilizado de conexões familiares para receber um tratamento favorável da Air National Guard na década de 70. Imediatamente, blogueiros questionaram a autenticidade dos comunicados. Um ex-executivo de jornalismo da CBS ridicularizou o blogueiro como “um camarada sentado na sala, em pijamas, escrevendo o que lhe passa pela cabeça”. Mas os blogueiros tinham razão. A CBS voltou atrás e Dan Rather, um dos nomes mais respeitados no jornalismo norte-americano, renunciou ao seu posto de âncora no início de 2005.

A maior influência no mundo árabe

Mas nos últimos anos, as grandes organizações jornalísticas mudaram de atitude. O êxito do Huffington Post, que foi lançado em maio de 2005 com uma combinação de reportagens originais pelos membros da equipe, posts em seu blog de voluntários (incluindo muitos amigos célebres de Arianna Huffington, cofundadora do site) e links com matérias jornalísticas em outros sites, mostrou a sedução pelo que Arianna chama de abordagem “híbrida”, que mistura o velho e o novo, o profissional e o amador. Desde então, jornais e telejornais criaram seus próprios blogs, contrataram muitos blogueiros e permitiram aos leitores que deixassem comentários, como nos blogs. Também pedem fotos, vídeos e outras contribuições de seus leitores e procuram material publicado na internet, incorporando, dessa forma, não-jornalistas ao sistema de informação.

Os jornalistas vêm se tornando mais inclinados a ver os blogs, o Facebook, o Twitter e outras formas de mídia social como um acessório de valor à mídia tradicional (e, às vezes, um corretivo). “Vemos essas coisas como sendo muito complementares àquilo que fazemos”, diz Martin Nisenholtz, do New York Times. Muitos jornalistas que subestimavam a mídia social mudaram de tom nos últimos meses, quando seu valor ficou em evidência na cobertura das revoltas árabes e no terremoto japonês, diz Liz Heron, editora de mídia social no New York Times.

Quando um jovem tunisino, Mohammed Bouazizi, ateou fogo em si próprio no dia 17 de dezembro para protestar contra a polícia ter confiscado sua banca de frutas e contra a falta de emprego para jovens, sua ação provocou de imediato manifestações de outros jovens na cidade de Sidi Bouzid. O vídeo de um protesto, liderado pela mãe de Bouazizi, foi postado no Facebook onde foi visto pela equipe de reportagem da al-Jazira, uma emissora de notícias via satélite fundada em 1996 e sediada no Catar que se tornou a plataforma de maior influência no mundo árabe. A al-Jazira exibiu o vídeo e, quando Bouazizi morreu – no dia 4 de janeiro, devido às queimaduras –, explodiam protestos por toda a Tunísia que acabaram se espalhando pelo mundo árabe.

Material útil

Mark Lynch, especialista em questões da mídia no Oriente Médio na Universidade George Washington, diz que a mídia social e a televisão por satélite trabalharam em conjunto para chamar a atenção para a primavera árabe. A mídia social disseminou imagens dos manifestantes na Tunísia que, de outra forma, poderiam ter sido reprimidos pelo regime, escreveu Lynch em seu blog na Foreign Policy. “Mas foi o fato da al-Jazira ter posto esses vídeos no ar… que trouxe essas imagens para a grande massa do público árabe e mesmo para muitos tunisinos que, sem isso, poderiam não ter compreendido o que se passava.”

Ocorre que a equipe da al-Jazira que faz a transmissão em árabe e inglês tinha passado por um treinamento intensivo de mídia social apenas um mês antes. “Foi em cima da hora”, diz Moeed Ahmad, chefe do serviço de novas mídias da emissora. Embora a al-Jazira já tivesse usado material da internet em coberturas anteriores, na Tunísia não havia outra opção, pois não tinha repórteres no campo. Com seus jornalistas recém-treinados para o uso desse material, a teoria foi rapidamente posta em prática.

O treinamento culminou uma iniciativa de dois anos da al-Jazira de fazer melhor uso da mídia social e teve início quando, durante a guerra de três semanas em Gaza (2008-2009), a audiência do canal passava rapidamente para a internet. Isso significava convencer os jornalistas de que a mídia social não representa uma ameaça, e sim “o mais valioso recurso que você pode ter”. Ao invés de enviar um repórter, por avião, para qualquer lugar, a al-Jazira pode utilizar redes de voluntários confiáveis cuja credibilidade foi atestada. Há também um website, chamado Sharek, onde podem ser postados fotos e vídeos (após avaliação) para as reportagens da al-Jazira na televisão e na internet.

Outras organizações jornalísticas vêm trabalhando de modo semelhante. O Sharek, que foi lançado em 2008, parece ter tido como inspiração o website iReport, da CNN. Mais de 750 mil pessoas se apresentaram como voluntárias do iReport e trabalhos vêm sendo enviados de todos os cantos da Terra. A cobertura do terremoto no Japão, em março, que em grande parte se baseou em material do iReport, ganhou para a CNN os melhores índices de audiência dos últimos cinco anos. “Por ter acontecido de maneira tão repentina, e numa área tão remota, o material adicional do iReport foi imensamente útil”, diz Mark Whitaker, editor administrativo da rede americana. “Vê-se que está crescendo.” Mas o conteúdo é sempre investigado antes de ir ao ar, acrescenta Whitaker.

Prática do furo

Verificar o material para garantir que é apropriado para ser transmitido pode ser um processo complicado, diz Mohamed Yehia, da BBC em língua árabe. Jornalistas examinam fotografias e vídeos, procurando sinais reconhecíveis, placas de rua, veículos ou armas, para determinar se as imagens vêm, de fato, de uma cidade ou região específica. Os sons ajudam. A sombra pode sugerir a hora do dia. Comparar previsões do tempo com selos da data pode revelar se um vídeo ou uma fotografia foi realmente feito numa data específica. Yehia acrescenta que, mesmo após a verificação, o material não é utilizado caso identifique pessoas e possa colocá-las em perigo.

Verificar fragmentos de informação, como é o caso com o Twitter, é mais difícil. Os tweets podem ser uma maneira simples de avaliar a opinião do público sobre uma questão e são frequentemente incorporados à cobertura jornalística como “vox pops” digitais. Muitos jornalistas usam o Twitter para pedir dicas ou informações e localizar fontes. Mas o Twitter é um fórum público, no qual qualquer pessoa pode dizer qualquer coisa. Neal Mann, produtor que trabalha para o Sky News, canal britânico por satélite que é controlado pela News Corporation, acredita que é dever do jornalista fornecer informação confiável, no Twitter como em qualquer outro lugar. Ele trabalha com uma rede de contatos confiáveis por todo o mundo e passa seus tweets à sua equipe. Já Andy Carvin, estrategista de mídia social da NPR que se tornou conhecido por ter monitorado, via Twitter, os acontecimentos da primavera árabe, não tenta verificar a exatidão de cada tweet antes de publicá-lo. Em vez disso, pede à sua equipe que o ajude a avaliar a confiabilidade de tweets individuais.

De qualquer maneira, é evidente que há um papel para as pessoas – incluindo jornalistas, mas não apenas eles – selecionarem, filtrarem e analisarem a torrente de informações postadas na internet. “Ainda é necessária uma função editorial – ainda é necessário alguém que ponha sentido naquilo tudo”, diz Jack Dorsey, cofundador do Twitter. Esse processo é chamado, em jargão da mídia social, de “cura” [no sentido de conservação] e existe um grande número de ferramentas disponíveis para fazê-lo. O website Storify, por exemplo, permite aos usuários organizarem itens da mídia social (incluindo tweets, posts do Facebook, vídeos do YouTube e fotos do Flickr) em narrativas cronológicas. A narrativa que dali resulta pode ser fixada em páginas de outros sites. Os websites Keepstream e Storyful trabalham de maneira semelhante. Tudo isso levanta a questão de saber se algumas matérias podem ter melhor cobertura se forem constantemente atualizadas por fluxos de tweets, e não de artigos tradicionais. Resumindo, ao proporcionar mais material do que nunca de onde destilar a notícia, por um lado a mídia social dispensa o papel dos editores e, por outro, mostra a necessidade deles. As organizações jornalísticas já vêm abandonando a prática do furo, esforçando-se, em vez disso, por serem as melhores em verificar e “curar” a informação, diz Newman. Porém, como ocorre com outros aspectos do jornalismo, também esse papel agora está aberto a qualquer pessoa.

A “a recriação do refrigerador”

Assim como o envolvimento (caso queiram) na coleta, verificação e “cura” da informação, leitores e espectadores também se tornaram parte do sistema de distribuição da notícia, pois partilham e recomendam itens de interesse via e-mail e redes sociais. “Se a busca pela informação foi o desenvolvimento mais importante da década passada, a partilha da informação pode estar entre os mais importantes da próxima década”, destaca um recente estudo sobre o consumo de informação online nos Estados Unidos feito pelo Projeto para a Excelência do Jornalismo, do Centro de Pesquisa Pew. Tipicamente, cerca de 20 a 30% das pessoas que visitam websites de grandes organizações jornalísticas vêm do buscador Google ou de seu site de notícias, Google News. A proporção de visitantes que vêm do Facebook é inferior, mas cresce rapidamente na medida em que as características de partilha social se tornam mais comuns e mais fáceis de usar. Com um único clique na tecla “recomendar” do Facebook, por exemplo, você pode recomendar uma matéria, um vídeo ou um show de slides para toda a sua rede de amigos. Alguns sites de notícias apresentam aos visitantes uma lista de matérias recomendadas por seus amigos por acharem que a aprovação por parte de alguém que você conhece dá mais peso. “Este ano, você verá cada vez mais sites onde as referências às redes sociais superam aquelas das ferramentas de busca”, diz Joshua Benton, do Nieman Journalism Lab. “O Facebook começa a juntar-se ao Google como um dos mecanismos mais influentes em guiar audiências de notícias”, observa o estudo do Pew Center, pois a partilha social dirige os leitores para as matérias que são mais populares em seu círculo social.

Permitir que sua rede de amigos o guie para coisas que você pode achar interessantes faz todo o sentido, diz Nick Denton, fundador da rede de blogs Gawker Media. Os amigos são bons substitutos para o gosto das pessoas, diz ele, e a recomendação social é muito mais eficiente do que manter listas de palavras-chave relacionadas a tópicos de interesse. Ou, melhor ainda, “você recebe os felizes acasos que as pessoas diziam que se iriam perder com as notícias personalizadas”. Ao mesmo tempo, diz Bret Taylor, principal responsável pela tecnologia no Facebook, as recomendações sociais são “a recriação do refrigerador” ao aumentarem as possibilidades, num panorama de mídia fragmentada, de amigos e parentes poderem ver as mesmas coisas.

Milhões de novas pessoas

O Flipboard, um aplicativo acessível no iPad, vai mais longe. Pode compilar uma revista personalizada por inteiro, com páginas que se podem virar e nas quais os artigos são itens recomendados por contatos do usuário no Facebook e no Twitter. Outros aplicativos de notícias e websites, como News.me e Trove, fazem o mesmo. John-Paul Schmetz, veterano da indústria de mídia alemã e cofundador do Cliqz – outra recente recomendação social –, diz que esses serviços são necessários pois a explosão de conteúdo online na década passada significa que “você passa muito tempo filtrando e não passa muito tempo lendo”. Mais do que meramente confiar em editores humanos ou algoritmos irracionais para encontrar o melhor conteúdo, diz ele, faz sentido usar uma abordagem híbrida, analisando contatos e comportamento em redes sociais para encontrar itens interessantes. Nick Denton, no entanto, preocupa-se com o fato de que a passagem da informação por filtros sociais torna as organizações jornalísticas dependentes demais do Facebook. E Bret Taylor insiste que não existe conflito porque sua empresa não produz conteúdo – apenas proporciona uma “distribuição valiosa” para ele.

É evidente que cada vez mais leitores e espectadores se envolvem em coletar, filtrar e distribuir informação. Alan Rusbridger, editor do Guardian, chama isso de “mutualização” da informação. “Se você permite a contribuição de outros, geralmente obtém um conteúdo mais rico, melhor, mais diversificado e especializado do que se você tentar fazê-lo sozinho”, diz. O envolvimento de milhares de leitores por meio de fontes múltiplas [crowdsourcing] também permite às empresas jornalísticas fazer coisas que, de outra forma, seriam impraticáveis, como procurar, em pilhas de documentos, algum material interessante.

“Ao invés de pensarem que fazem a agenda e conduzem a conversa, as organizações jornalísticas precisam reconhecer que atualmente o jornalismo é apenas parte de uma conversa que, de qualquer maneira, continua”, aponta Jeff Jarvis, guru da mídia da City University, de Nova York. O papel dos jornalistas neste novo mundo é acrescentar valor a essa conversa proporcionando a reportagem, o contexto, a análise, a verificação, a desmistificação e tornando acessíveis ferramentas e plataformas que permitam às pessoas a participação. Tudo isso exige que os jornalistas reconheçam que não detêm o monopólio da sabedoria. “Dez anos atrás, essa era uma ideia incrivelmente ameaçadora – e ainda é, para algumas pessoas”, diz Rusbridger. “Mas no mundo real, o fato de se agregar aquilo que as pessoas sabem será, na maioria dos casos, mais do que sabemos sentados no escritório.”

Um estudo do Pew Research Center publicado em maio de 2010 salienta que 37% dos usuários de internet norte-americanos, ou 29% da população, “contribuíram para a criação de notícias, comentaram as notícias e as disseminaram por meio de posts em sites da mídia social, como o Facebook e o Twitter”. Hoje, esse número é provavelmente muito superior, pois a pesquisa do Pew Center, apurada em abril de 2010, é anterior à inauguração da tecla “Recomendar” do Facebook, que torna partilhar uma matéria jornalística (ou qualquer outra coisa) tão simples quanto um clique do mouse. Apenas uma pequena proporção dessas pessoas fornece conteúdo, ou comentários e partilhas. Mas, como destaca Jay Rosen, mesmo que apenas 1% da audiência esteja envolvida no sistema de informação, isso significa milhões de novas pessoas. “Não é verdade que todo mundo seja jornalista”, diz ele. “Mas muito mais gente está envolvida.”