Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quanto custa a corrupção

A pauta é ambiciosa e já foi tentada antes por outros veículos de comunicação, como a extinta revista Adiante, na edição de outubro de 2006. Mas a tentativa de mensurar os danos causados ao país pelos chamados “malfeitos” na coisa pública esbarra em muitos obstáculos, desde o próprio conceito de corrupção, até a óbvia dificuldade de rastrear os lucros de atividades criminosas – portanto, clandestinas.

Mas a Folha de S.Paulo tentou, em estilo grandiloquente, na edição de domingo (4/9). Um caderno especial, com ampla chamada na primeira página, anuncia: “O custo da corrupção”.

Mas que não se engane o leitor. Embora esteja anunciado que se oferece uma reportagem sobre quanto custa para os brasileiros a corrupção dos agentes públicos, não se trata disso. O texto é baseado em estudo do economista Marcos Fernandes da Silva, da Fundação Getulio Vargas, mas contabiliza apenas os desvios de recursos federais, incluidos os repasses aos Estados, em determinado período. Os dados são fornecidos pelos órgãos públicos de controle e cobrem os anos entre 2002 e 2008.

Interesse específico

O dinheiro que vazou dos cofres públicos nesses sete anos, segundo o critério do estudo, somaria R$ 40 bilhões, ou uma média de R$ 6 bilhões por ano que deixaram de ser aplicados no interesse do país.

A maior parte da reportagem é dedicada a comentar casos de desvio de recursos em obras financiadas pelo governo federal e nunca realizadas.

Alguns dados são exemplares: o governo federal não sabe, por exemplo, onde foi parar o dinheiro de 1.641 convênios assinados com prefeituras desde 2007. Mas há desvios também na metodologia da reportagem: um dos destaques entre os casos citados é a obra da represa de Sobradinho, no sertão da Bahia, que foi suspensa em 2001 – portanto, antes do período declarado do estudo – após a descoberta de indícios de superfaturamento e pagamentos por serviços não prestados.

Aliás, é curioso observar como o jornal e sua fonte definiram o período do estudo. Por que não analisar, por exemplo, o efeito da corrupção nos últimos vinte anos, ou no período posterior à redemocratização do país?

Qual seria o interesse específico da Folha em anunciar uma reportagem sobre corrupção entre 2002 e 2008 e na verdade rechear a reportagem com casos anteriores a esse período?

Uma Bolívia perdida

A reportagem admite que os sistemas de controle da corrupção têm melhorado nos últimos anos, tornando-se mais eficientes que a própria gestão pública e o Judiciário. Afirma, por exemplo, que o governo Lula fortaleceu a Controladoria Geral da União e a Polícia Federal, enquanto, paralelamente, o Tribunal de Contas da União tornou-se ativo e poderoso.

Ou seja, no período em que a imprensa alardeia terem ocorrido os maiores escândalos de todos os tempos, o que houve foi exatamente a criação de controles mais eficientes. O caderno especial da Folha afirma que “não há mais corruptos hoje do que havia no passado, mas uma maior capacidade de mostrá-los para a opinião pública”.

A pergunta óbvia que ocorre a qualquer leitor atento seria: “Então, por que prevalece a sensação de que os escândalos são cada vez mais frequentes?” Ora, a própria Folha de S.Paulo faz, literalmente, essa pergunta, em artigo do cientista social Fernando Abrucio.

A resposta é a impunidade: os sistemas de controle revelam os “malfeitos”, a imprensa faz barulho, mas o Judiciário não pune. Além disso, há grandes deficiências na gestão pública, em todos os níveis, por causa da falta de profissionalização e capacitação em cargos comissionados – quase sempre preenchidos por apadrinhados políticos, diz o jornal.

A reportagem da Folha se esforça para dar uma dimensão para a corrupção, com um número capaz de sensibilizar o leitor: o Brasil perdeu entre 2002 e 2008 uma riqueza equivalente à economia de um país como a Bolívia.

Para que serve essa comparação, só mesmo os editores do caderno especial poderiam explicar. Mais útil é a informação de que, com o dinheiro perdido, o Brasil poderia ter reduzido pela metade o número de casas sem saneamento no país.

Se, por um lado, o caderno especial acaba frustrando o leitor exigente por não desenhar um quadro satisfatório do tema que se propõe a destrinchar, por outro lado fica a sensação de que a imprensa andou fazendo muito escândalo e pouca investigação nos últimos anos.

O esforço de reportagem da Folha vale mais pelas perguntas que deixa do que pelas respostas que oferece.