Veja acreditou piamente na manchete da Folha de S.Paulo (domingo, 13/01) convencida que o Brasil fabricou 60 mil milionários no último ano. Não pensou duas vezes: pegou uma calculadora, dividiu 60 mil por 365 (dias do ano) e foi em frente.
Na capa da última edição dedicada à ‘Supereconomia’ (nº 2044, de 23/1/2008) lá está o fantástico ‘furo’ jornalístico/aritmético: fabricamos 164 milionários por dia (na realidade seriam 164,383561643).
Enquanto os três milhões de leitores de Veja aprendiam como triunfar no boom econômico, os jornais do sábado e domingo já ofereciam evidências do colapso: a Bovespa perdeu 247 bilhões de reais só neste começo do ano (Folha, sábado, pág. B4) e as empresas nela cotadas valem 250 bilhões de reais a menos (Estado de S.Paulo, domingo, pág. B7).
Na segunda-feira (21/1), enquanto os catadores de papel recolhiam jornais e revistas do último fim de semana, o mundo assistia ao desabamento de todas as bolsas de valores.
Contra a corrente
Quando milionários foram desfabricados no Brasil nestes últimos dias?
E se as commodities perderem 20% do seu valor, como prevêem os analistas, como é que ficarão os emergentes, isto é, nós, num ano que todos viam como reprise do milagre brasileiro inventado por Delfim Netto?
A culpa não é da Folha, nem da Veja, nem do governo, nem desta entidade diabólica chamada mídia. A culpa é de uma mentalidade mundial baseada na euforia e que neste recanto dominado pela exuberância chega às raias do delírio.
O ser humano, naturalmente prudente, preocupado em sobreviver e preservar a espécie, está sendo trabalhado há alguns séculos por um mecanismo deformador criado por ele mesmo para corromper suas cautelas e minar o seu ceticismo. Duvidar incomoda, mais fácil embriagar-se com certezas. A busca do conhecimento, teoricamente voltada para estimular a sensatez e o racionalismo, está sendo solapada por uma religião às avessas inventada para negar perigos.
Nosso jornalismo desbundou. Entregou-se à função de animador de um grande auditório que pagou entrada para deslumbrar-se. Num mundo cada vez mais complicado pelos descontroles, os jornalistas abriram mão da sua função orgânica, institucional, para advertir e alertar. Somos avaliadores de riscos, essa a verdadeira função dos mediadores. Mas como isso dá trabalho, exige ir contra a corrente, produz solidão e a solidão é terrível, deixamos que os avaliadores de riscos do mercado financeiro nos substituam e assumam nosso papel de observadores.
De carona
Thomas Trebat, da Universidade Columbia, Nova York, ex-diretor do Citigroup, um dos maiores perdedores da crise imobiliária americana, tentou esclarecer os mistérios da atual crise financeira nas entrelinhas da entrevista que concedeu à Folha de S.Paulo (segunda, 21/01, pág. B-6):
‘Estou horrorizado com a falta de critério do setor bancário. Nosso sistema de avaliação de risco faliu. E faliu por fatores humanos como a gula dos executivos [em bater metas e ganhar bônus]. Perdemos uma longa história de crises financeiras por culpa da ganância e da relativa juventude dos profissionais. É marcante a falta de cabelos grisalhos nos bancos…’
Em outras palavras: o mercado estimula o mercado a suicidar-se. Os jornalistas que deveriam ser furadores de bolhas, hoje não passam de homens-bolha, caronas do próximo boom.
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