Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Que tal mandar o ministro para Guantánamo?

Que ninguém duvide: há forte possibilidade de alguém, como comentarista ou articulista da grande mídia, sugerir que o ministro Antônio Palocci seja enviado a Guantánamo para, ali, a respirar os ares caribenhos, revelar quais os clientes de sua empresa que lhe deram dinheiro suficiente para comprar os dois imóveis paulistanos por valores que ultrapassam R$ 7 milhões. Por enquanto, surgiu quem dissesse que ele tem o “dever moral” de revelar o nome dos seus clientes, ou ex-clientes, como queiram.

Ironias à parte, diria que esse “novíssimo caso Palocci” é uma pérola rara para observarmos o comportamento e o poder de fogo da mídia neste turbulento mundo contemporâneo, o mundo dos “informadutos”. É patética, por exemplo, a atitude da mídia e de alguns de seus colaboradores em exigir que a revelação seja feita pelo próprio acusado, como se não fosse obrigação da mídia apurar e tentar, por si mesma, descobrir e revelar essas informações.

Como jornalista, prefiro achar que o ônus da prova cabe a quem denunciou. Sinto, pois, muita saudade dos tempos de Watergate. O caso de espionagem republicana na sede democrata em Washington eclodiu em 1974. Bob Woodward e Carl Bersteim, repórteres do Washington Post, gastaram nada menos de dois anos de investigação para, finalmente, provar as ligações do presidente Richard Nixon com o escândalo e forçá-lo a renunciar. Uma distância marciana separa a mídia brasileira desse tipo de obstinação. Vivemos no Brasil a era do “denuncismo” e a mídia fica, invariavelmente, na superfície. Opera casos como o de Palocci – ou do Tamiflu – sempre a meia-bandeira.

Limites conceituais e técnicos

De qualquer modo, mais essa confusão causada pelo ex-prefeito de Ribeirão Preto permite boa análise das características de cada uma das mídias e sua capacidade de influenciar a opinião pública. Coube a um representante da mídia papel – o jornal Folha de S.Paulo – fazer a primeira revelação. A contar da primeira denúncia, o assunto teve ampla repercussão. Nesta segunda metade de maio, não se comenta outra coisa no Brasil.

Muito se fala da “decadência” do meio papel. Surgem as mais variadas teses de que os jornais impressos correm em direção ao abismo, pois começam a perder a competição para os novos e novíssimos meios eletrônicos. Pensemos um pouco: o caso Palocci nos revela, ao que parece, que só a mídia papel tem a força necessária para “tornar pública” uma denúncia ou uma informação. Políticos e governo, por exemplo, reagem com maior intensidade ao que a mídia papel publica. Já pensaram no que poderia acontecer se jornais e revistas fossem mais determinados em apurar certos fatos em profundidade?

Na paralela, corre a televisão, com a sua força exponencial de levar uma denúncia, em broadcasting, a milhões de pessoas. Quando a TV entra num assunto, sai de baixo. Será capaz de num só dia causar grandes estragos na República. A TV, contudo, tem limites conceituais e técnicos que a afastam do campo da denúncia, digamos assim, fulcral. Vê-se obrigada a ficar, em casos como o de Palocci, no simples repercutório.

O papel da mídia

Sejamos ponderados: certas denúncias não podem vir da TV. O remédio que ela administra (seu impacto na opinião pública) pode matar o doente antes de curá-lo. Além disso, a apuração pela TV é muito mais difícil, suas operações em jornalismo continuam muito rígidas e a apuração não consegue vencer a barreira do tempo. Em poucas horas, ela dificilmente consegue avançar na apuração de certos casos a tempo de divulgar as informações nos jornais noturnos. A TV precisa de imagens em movimento e, convenhamos, não iria encontrar essa matéria-prima num caso como o de Palocci. A TV é, contudo, insuperável no flagrante. Sua contribuição, por exemplo, na cobertura do mensalão do DEM, em Brasília, foi decisiva.

Falemos um pouco da internet, uma bolha, uma redoma, incapaz de “tornar pública” uma informação. Por suas características – técnicas, conceituais –, a Web já nasceu com credibilidade zero. São raros os casos em que uma denúncia que tenha sido divulgada em primeira mão pela internet saia automaticamente da bolha e cause repercussão semelhante a essa que acompanhamos em torno do caso Palocci. É normalmente a mídia papel que, via checagem e apuração, torna crível uma notícia que começou a circular pela Web. Em outras palavras, se as informações publicadas pela Folha sobre o caso Palocci tivessem sido divulgadas inicialmente pela Web talvez ficassem o tempo inteiro dentro da bolha e despertando a mesma pergunta por todos os lados – será que é verdade?

De volta à ironia, os registros da história devem atribuir a Antônio Palocci o privilégio de haver provocado, com suas trapalhadas, debates calorosos e profícuos sobre o papel da mídia neste início de um século que, visto pela evolução dos meios, promete ser bastante turbulento.

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Jornalista, ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil