Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quem manda é a audiência

 

Os leitores que ainda preferem jornais de papel mas costumam acompanhar o noticiário ao longo do dia por meio dos sites informativos já devem ter observado que as escolhas na ordem e na hierarquia dos conteúdos online são cada vez mais distintas da edição que sairá nas bancas no dia seguinte. Praticamente apenas a edição matinal dos sites apresenta maiores semelhanças com aquilo que o jornal do dia oferece. Circunstâncias curiosas, crimes, ou mesmo novidades sobre jogadores de futebol e outras celebridades eventualmente ganham maior destaque do que política e economia, temas considerados mais importantes na rotina jornalística.

Basicamente, nada mudou nas redações nos últimos meses, a não ser a pressão natural por conciliar jornalismo de qualidade com audiência – que significa faturamento e, claro, mais garantia de emprego. Não é preciso manipular algoritmos ou elaborar equações complicadas para se constatar a quantas anda esse processo e adivinhar a tendência que está sendo criada.

Na falta de tecnologias mais elaboradas para mensurar a audiência com todas as suas nuances, como o humor do usuário, intepretação da notícia ou sua aprovação, os dois lados do negócio tratam de obter o maior número possível de dados sobre o internauta, com o objetivo de aumentar o valor convencionado para o conteúdo e, portanto, para a publicidade que o acompanha.

No entanto, todos sabem, mas alguns fingem não saber, que as mensurações meramente demográficas têm valor relativo quando o usuário conta com recursos para avaliar o conteúdo oferecido e multiplicar sua opinião imediatamente por meio das redes sociais digitais. Assim, ganha cada vez maior importância nas redações o efeito “trending topics” de cada informação postada na internet, eventualmente em detrimento de outros conteúdos cujo valor jornalístico seja maior.

A audiência de um conteúdo é que determina quanto tempo ele vai ficar exposto e define a hierarquia das informações. Uma fotografia que não atrai os olhares logo é retirada das telas e substituída por outra mais chamativa, ou por um vídeo, ainda que o tema seja menos importante em temos jornalísticos.

A observação regular das mudanças nas páginas mostra, por exemplo, que notícias sobre entretenimento ganham destaque nas tardes de sextas-feiras. Alguns articulistas “espertos” já notaram que fazer barulho vale mais do que uma boa reflexão.

O jornalismo sai perdendo

Trata-se de uma característica natural das mídias digitais e nenhum editor vai perder a oportunidade de renovar suas telas de acordo com o gosto do freguês. O perigo é que esse critério acabe contaminando o que se supõe seja jornalismo de qualidade com a necessidade ou conveniência de atender aos interesses do anunciante.

É uma tradição nos jornais de papel a blindagem entre a redação e o setor comercial. Nos anos 1980, essa separação foi parcialmente rompida com o surgimento dos cadernos “especiais” organizados pela redação a pedido do departamento comercial, mas até mesmo o leitor mais distraído sabe que esse conteúdo atende a uma demanda do mercado, e não a critérios exclusivamente jornalísticos.

Com a necessidade de explicitar o valor publicitário das edições online, que a despeito de já alcançarem um público maior do que as edições de papel, na maioria dos casos, ainda são pouco valorizadas pelos anunciantes, o perigo de contaminação dos critérios jornalísticos já está presente.

A maioria dos sites utiliza sistemas de mensuração oferecidos pelo Ibope, através da metodologia conhecida como NetRatings e outras empresas, como a multinacional ComScore, que consistem basicamente em registrar as páginas vistas pelo usuário, bem como a permanência em cada conteúdo e alguma interação, como as recomendações em redes de relacionamento como Facebook e Twitter e as manifestações de apreciação.

Alguns estudiosos observam que esses dados, basicamente demográficos, não avaliam comportamentos importantes no caso de meios que permitem a ação imediata do internauta, que em poucos segundos pode deflagrar uma reação em cadeia de aspecto negativo em relação ao conteúdo jornalístico e publicitário.

Na semana passada, a ComScore divulgou uma pesquisa indicando que os brasileiros já gastam mais tempo na internet do que assistindo à televisão. As empresas tradicionais de mídia não conseguem acompanhar o crescimento acelerado da internet, que progressivamente corrói o valor real da publicidade no papel. E um novo desafio já aparece: também cresce o número de pessoas que acessam a internet por meio de aparelhos móveis, onde é mais difícil veicular publicidade.

Nesse cenário, o jornalismo de qualidade pode sair perdendo.