Melancólico, mesquinho, miúdo assim foi o anúncio da morte do “Sabático”, o caderno de cultura do Estado de S.Paulo. Em outras circunstâncias o passamento teria dimensões heroicas ou trágicas. Neste país apalhaçado e prematuramente envelhecido, sem apetite para desafios, o fim do melhor caderno semanal de cultura – e herdeiro do mais importante suplemento literário – foi encenado de maneira rigorosamente canhestra.
As 40 demissões (inclusive a do editor do caderno) ocorreram na sexta-feira (5/4), mas na edição de domingo (7/4), num pé de página da seção de Economia (pág. B-10), anunciou-se timidamente que o jornal estreará em 22 de abril um “novo projeto gráfico” com a reorganização dos cadernos e um novo aplicativo destinado a celulares. Aplicativo é uma poção mágica que desta vez soou pífia, falsa, medíocre.
Entrementes, no sábado (6), pipocavam na internet os abaixo-assinados e protestos contra o atentado à cultura cometido pela direção do Estadão. Grandes nomes do circuito acadêmico e literário encheram-se de coragem e saíram da sombra para proclamar a sua indignação contra a decisão do jornal. Os mais veementes foram os responsáveis pelo caderno (demitidos na sexta), que enfatizaram a sensação de “dever cumprido” e a satisfação pela repercussão que o caso provocou.
Impressionado com a intrépida reação e o desastroso gerenciamento do anúncio, este observador resolveu tratar do assunto na edição de televisiva do Observatório da Imprensa que iria ao ar na terça-feira (9/4). Procurou garantir a participação do editor do caderno, que pediu apenas algumas horas para confirmar, enquanto a produção do programa partia atrás dos intelectuais e acadêmicos mais eloquentes nos protestos veiculados pela internet.
Vida breve
Na manhã de segunda-feira (8/4), num passe de mágica, evaporaram-se os protestos e desapareceram os protestantes: o editor demitido explicou que precisava “cuidar do meu futuro” e as estrelas da academia, extenuadas pelo esforço digital da véspera, foram cuidar da vida. Evidentemente sem atentar para as analogias.
O nome dos convidados está sendo preservado, não tinham obrigação de aceitar. Mas é importante enfatizar que nenhum escritor, poeta, crítico ou acadêmico paulistano ou paulista aceitou participar do programa não obstante a eloquência exibida em blogs e tuítes.
A pauta do programa foi prontamente substituída: impossível discutir um episódio ocorrido na imprensa da Paulicéia Desvairada sem a participação dos indômitos nativos. Exceções, igualmente anônimas: um grande poeta e professor mineiro residente no Rio e um colaborador do caderno, diplomata, morador em Brasília.
O jornalismo é um exercício diário de caráter, dizia Cláudio Abramo. O conceito estende-se à academia. Um jornalista injustiçado pode calar-se, mas jamais poderá reclamar contra a passividade dos pares e da sociedade.
A direção do Estadão agiu de forma desastrada, amadora, impensada, quase irresponsável: não percebeu que com algumas doses de dignidade, criatividade e, sobretudo, audácia poderia disfarçar o recuo e convertê-lo em novidade, até mesmo apresentá-la como avanço empresarial, abrindo o capital da empresa, transformando o leitor em acionista.
De que adianta acreditar no capitalismo sem disposição de experimentá-lo integralmente? A direção da empresa preferiu um engodo esfarrapado. Criou uma expectativa tão negativa em torno das próximas mudanças que truque algum poderá reverter.
Lançado espetacularmente em 13 de março de 2010, o “Sabático” terá vida curta. Seu algoz não foi a internet, foi uma imensa e poderosa incapacidade para ousar.
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