Se a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, vinha sendo apontada como a mãe do suposto dossiê com informações sobre gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a identidade do pai acaba de ser revelada. Trata-se do senador Álvaro Dias, do PSDB do Paraná.
Dito assim, o caso pode dificultar o entendimento do leitor mais distraído. No entanto, essa é a verdade, segundo os jornais de quinta-feira (3/4).
O senador Álvaro Dias admitiu que conhecia o teor dos papéis que a oposição e a imprensa afirmam ser parte de um dossiê montado pelo governo para se defender das acusações de mau uso de cartões corporativos. Mas não quer contar de quem os recebeu.
A revelação de que um senador da oposição pode ter sido o responsável pelo vazamento de informações sigilosas sobre gastos do ex-presidente transformou a sessão de quarta-feira (2) da CPI dos Cartões Corporativos num verdadeiro pandemônio. A presidente da CPI, senadora Marisa Serrano, já fala até em encerrar os trabalhos prematuramente, o que agradaria ambos os lados.
Só deixaria de agradar os eleitores, que ficariam sem saber se governo e oposição estão escondendo suas mazelas comuns ou se, como na comédia de Shakespeare, tudo não passou de muito barulho por nada.
Um dilema
O fato é que a revelação de que o senador Álvaro Dias teve os papéis em mãos ainda antes de serem publicados pela revista Veja o coloca em primeiro lugar na fila de suspeitos de haver dado trânsito público a informações sigilosas. Os jornais de quinta-feira não fazem referência ao fato, mas há cerca de duas semanas ele foi acusado de tentar esvaziar a CPI.
A revelação de que ele conhecia os dados que foram publicados pela revista Veja como sendo um dossiê do governo pode explicar seu interesse em extinguir a CPI antes da hora. No entanto, a notícia levanta novas dúvidas, que os jornais de quinta-feira não respondem.
Uma delas: já que foram revelados os nomes do pai e da mãe da papelada, a imprensa poderia levar o jogo um pouco mais adiante e revelar também o nome do padrinho. Porque não deve passar pela cabeça de um jornalista que o senador Álvaro Dias repassaria um calhamaço de papéis que poderiam causar algum desconforto ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sem antes consultar o principal interessado. Ou, pelo menos, sem informar o líder do partido no Senado.
Fica, então, a imprensa no seguinte dilema: ou o senador paranaense é leviano e futriqueiro, ou outras figuras importantes da política sabiam da história toda.
O papel da imprensa
Qualquer que seja a alternativa escolhida pelo leitor para interpretar os novos fatos, esta é uma boa oportunidade para uma discussão sobre o papel da imprensa.
Se, de fato, os papéis que o senador Álvaro Dias teve em mãos compunham um dossiê montado por gente do governo para chantagear a oposição, qual deveria ser o procedimento adequado para a imprensa? Divulgar o conteúdo, ainda que parcialmente, para satisfazer a curiosidade geral, ou investigar suas origens, sua integridade, e apresentar ao público um quadro mais completo? Afinal, não se pode perder de vista que o interesse geral é conhecer como as autoridades gastam o dinheiro público.
Se o tal dossiê não passa de uma coleção aleatória de dados, juntados para fazer barulho em proveito deste ou daquele partido, quem acaba chamuscado é o próprio jornalismo.
O leitor foi levado, nos últimos dias, a discutir um assunto importante como o controle das despesas do governo com base em informações que, conforme se sabe agora, não têm muita consistência.
Como a tendência, no jogo político, é que os impasses sejam resolvidos com a velha e tradicional pizza, o que se tem é que a imprensa, mais uma vez, criou um fato, alimentou a fogueira das vaidades e prepara a retirada de cena sem maiores explicações.
Os políticos dizem e desdizem com a mesma cara diante das câmeras. A imprensa não pode fazer isso. Afinal, credibilidade é o seu principal patrimônio.