Há uma série de trabalhos acadêmicos sobre essa profissão no Brasil, entre os quais estudos feitos sob encomenda de entidades como a Federação Nacional dos Jornalistas, mas não estão disponíveis levantamentos atualizados e completos sobre os perfis predominantes nesse campo. Por isso, é importante o boletim Jornalistas&Cia, que produz o Portal dos Jornalistas (ver aqui) e atualiza constantemente uma relação que já tem 5.600 trabalhadores da imprensa.
No entanto, embora estejam ali expostas as carreiras, especializações e obras literárias eventualmente produzidas por esses profissionais, há imprecisões que dificultam a compreensão do universo da mídia nacional sob o ângulo daqueles que fazem acontecer o jornalismo. Aparentemente, há uma espécie de barreira entre dois mundos: o daqueles que exibem seus trabalhos nas grandes empresas de comunicação e os que exercem seu mister em outras áreas, como a comunicação corporativa, trabalhando em blogs, sites ou mantendo páginas pessoais ou coletivas nas redes sociais.
Ainda que incompleto, esse conjunto de perfis permite a pesquisadores um contato primário com uma base de trabalhadores intelectuais cujo destino é afetado diretamente pelas mudanças que ocorrem nos últimos anos no campo da comunicação. Não apenas pelo advento das tecnologias digitais, mas, no caso do Brasil, o contexto em que atuam os profissionais da imprensa tem sofrido alterações profundas por conta de uma guinada conservadora no núcleo duro da mídia, onde se concentram quatro dos mais poderosos grupos empresariais do setor.
Jornalistas que atuam nos grupos Globo, Folha, Abril e Estado tendem a ser identificados com as empresas que pagam seus salários, característica que não era determinante dos perfis profissionais em décadas recentes. Hoje, o alinhamento com a política editorial é quase uma condição para a manutenção do emprego.
O “quase” fica por conta das exceções de praxe, tão raras quanto delicadas, ao ponto de se poder afirmar que a estabilidade pode estar condicionada ao grau de engajamento do jornalista na linha predominante na empresa.
Interessante observar que essa dicotomia só é perceptível na chamada mídia alternativa, porque nas páginas da chamada grande imprensa o discurso hegemônico permite pouca diversidade, e vozes eventualmente dissonantes cumprem uma função mercadológica, por assim dizer.
O fantasma bolivariano
Na segunda-feira (8/12), algumas centenas de jornalistas puderam observar como se manifesta essa divisão vertical na categoria profissional. Reunidos por iniciativa de Jornalistas&Cia, para a festa em homenagem aos cem jornalistas mais admirados do Brasil, os agraciados se compuseram naturalmente em tribos que reproduziam claramente essa característica do universo jornalístico brasileiro.
Exceto pelos veteranos que carregam em suas personas a história quase inteira da imprensa moderna no Brasil, e que por isso podem trafegar com naturalidade por todo o campo conflagrado, o que se viu foi a composição de mesas por afinidade ideológica ou empregatícia.
Na hora dos agradecimentos, foi das mesas onde se concentravam figuras conhecidas das grandes empresas de comunicação que brotaram os raros discursos com teor político: como num jogral, personalidades da escrita, do rádio e da TV desfiaram no palco seus temores e seu repúdio a uma suposta ameaça à liberdade de imprensa, que estaria pairando sobre o universo midiático. Foi quase um manifesto de lealdade ao credo patronal: o Brasil estaria à beira de ver ressuscitar a censura do período militar, agora por conta da iminência de um regime “bolivariano” em Brasília.
As frases de sentido dúbio insinuavam essa aleivosia, que vem sendo repetida por outros jornalistas menos categorizados do que aqueles – os pitbulls remunerados para radicalizar o discurso partidário da imprensa –, colocando respeitados profissionais no papel pouco edificante de incutir naquele ambiente festivo um viés que – por imposição ética do jornalismo – só deve ser exposto em circunstância que permita o contraditório.
Além do mais, foi uma manifestação de pouca educação, visto estarem todos ali para uma celebração, não para uma dessas passeatas que levam à Avenida Paulista os desafetos da democracia.
A demonstração de corporativismo em seu sentido mais raso teve frases de efeito que beiravam a sabujice. Mas nada disso estragou a festa. O evento de Jornalistas&Cia talvez seja o último lugar onde jornalistas brasileiros postados em campos ideológicos opostos podem trocar amabilidades, ainda que alguns não tenham entendido o espírito da coisa.