O grande desafio do jornalista em todos os tempos, em qualquer tecnologia ou plataforma, é a escolha hoje da manchete que será história amanhã. Carlos Eduardo Lins da Silva e Caio Túlio Costa pinçaram com precisão a mãe de todas as opções da atividade jornalística: a hierarquização do noticiário, o ranking do que importa.
A profissão que não pode ser profissão – porque o ministro Gilmar Mendes, do STF, desconhece a história da difusão do conhecimento – cruza com a historiografia e ultrapassa o conceito de testemunha ocular da história.
O jornalista é um agente da história, mesmo quando faz a opção errada. Suas escolhas, fundadas ou infundadas, são as ferramentas do futuro historiador. Assim como os profetas bíblicos não faziam adivinhações, apenas pressentiam o natural desdobramento dos fatos – segundo a defesa do padre Vieira perante o Tribunal do Santo Ofício –, o jornalista não usa a bola de cristal nem joga búzios. Serve-se apenas da sua perplexidade diante do mundo.
A capa falsa da edição nº 30.000 da Folha de S.Paulo é antológica porque escancarou o pecado maior da atividade jornalística: a arrogância. A manchete das manchetes no arco de 90 anos não aconteceu na data informada e comparada com os outros eventos selecionados revela-se rigorosamente aleatória, fabricada por inconfundível viés ideológico.
"Jornalismo de resultados"
Ao lado do horror dos campos de concentração nazistas, da explosão da bomba atômica em Hiroshima ou da destruição das torres gêmeas em Nova York, a queda do Muro de Berlim ou o fim da Guerra Fria revela-se um factóide, ou eventóide, porque aconteceu aos poucos – a repercussão tornou-a maior do que a ocorrência. A ruína do chamado "socialismo real" ocorreu antes, em 1985, quando Mikhail Gorbachov foi escolhido secretário-geral do PC da velha URSS. O resto é decorrência.
O texto que acompanha a manchete é um primor de desinformação, não obstante os 22 anos decorridos: a "Alemanha reunificada" não se tornou um pilar da União Européia, foi o Mercado Comum, projeto social-democrata tocado pela França e pela República Federal da Alemanha (isto é, Alemanha Ocidental).
E tem mais: Collor não foi deposto pela Câmara, renunciou.
O pior de tudo é que este ranking é de mentirinha, foi estampado em capa e contracapa falsas, no dia seguinte à publicação de uma capa prostituída por um informe publicitário da operadora Claro (domingo, 22/5, distribuição apenas aos assinantes da capital paulista). A brincadeira da segunda-feira (23) foi bancada pela TIM.
Trinta mil edições em 90 anos de existência merecem homenagem mais respeitosa mesmo quando o "jornalismo de resultados" torna-se mais resultado do que jornalismo.
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