A urgência do ser humano de se comunicar nasce da necessidade de viver em sociedade e vice-versa. Assim, surge a linguagem humana e suas diversas manifestações como diversidade de análise e de vivência no mundo. Elas são fruto do contexto social, cultural, econômico e religioso em que está inserida a comunicação. Entender a realidade é, daí, observar a linguagem que também se apresenta ideologicamente direcionada, carregada de elementos ideológicos onde vários agentes tornam-se locutores dialógicos dos enunciados.
Ora, a realidade é dialética e perpassada por tensões entre pensamentos diversos e opostos. Por isso, quando o tema religioso é usado como pauta para a composição de matérias (Deus, Igreja, Jesus Cristo, Nossa Senhora Aparecida, por exemplo), o discurso religioso e seu pensamento entram em tensão explícita com o discurso cientificista, em sua vulgarização. Torna-se evidente esse atrito entre dois discursos no interior da enunciação dos textos que têm por objeto assuntos que tangem a religião, a mídia e a ciência (revistas, jornais e também neste Observatório). Essa tensão mostra apologias ideológicas através de seus diferentes agentes locutores. Alguns desses locutores usam formas mais eruditas e sofisticadas, outros, por sua vez, são mais infelizes e tecem escritos contraditórios, ensaios truncados e pensamentos retrógrados, preconceituosos e mal encadeados, de forma a ser repetitivos com argumentações cheias de falácias, enunciados fracos e sem o rigor da lógica (discurso racional).
Verdades inquestionáveis e invariáveis
Observa-se dentro desses discursos, em geral, a pretensão de afirmar que tudo, através uma metodologia de análise científica pode ser examinado e provado na forma da razão instrumental. Evidencia-se ainda a ideologia positivista destacando as ciências naturais e matemáticas como detentora da verdade absoluta. Daí, os questionamentos científicos são caminhos certos para se chegar à crença. Ou seja, a dúvida é aplicada à religião e a certeza absoluta, à ciência. A ‘verdade finalizada’, certeza ideológica, é discursivamente elaborada num discurso cientificista em evidencia em alguns textos postados a este Observatório.
O universo discursivo construído nessa atmosfera positivista advoga a ‘onisciência’ da ciência, capaz de julgar o pensamento religioso e seus enunciados. Percebe-se daí que a narrativa do real feita pelo positivismo para apresentar o mundo, a realidade, foge dos posicionamentos atuais da ciência: instigar a dúvida, o experimento, a hipótese e a contestação.
A narrativa científica tornou-se dogma? Estaria se rivalizando com religião.
Os enunciados textuais apresentam-se de uma maneira peculiar, onde a perspectiva da dúvida científica é certeza última e certeza da fé passa a ser duvidosa, transitória.
A religião fala em nível metafísico, fora do alcance experimental, e por isso mesmo seu discurso é mítico ou mesmo teológico. Assim, na religião é possível o uso de dogmas e de verdades inquestionáveis e invariáveis, elucidando que nível de linguagem se está tramitando.
Tensão dialética
Entretanto, o discurso que tenta rivalizar com temas metafísicos, religiosos, tende a enfraquecer-se caso num se use dos mesmos mecanismos: a verdade perene e metafísica da religião não fica à mercê do parecer empírico e transitório da ciência. No entanto, com o cientificismo, nesse caso, a questão não se encerra de acordo com as hipóteses e experiências científicas; a ciência (experimental, natural e matemática) torna-se elemento metafísico, a verdade num composto enunciativo ideológico, uma versão final e não transitório da realidade. O cientificismo e sua linguagem dogmática tornam-se linguagem religiosa, metafísica e, assim, uma ideologia que afirma, em princípio, o que deveria negar em sua finalidade: a verdade absoluta.
Por tudo que foi exposto, o pressuposto wittgensteiniano de estarmos jogando ‘jogos de linguagem’ nos ajuda a sair dessa armadilha lingüística das ideologias, superando assim o positivismo lógico e, melhor ainda, o cientificismo positivista, possível delimitar a razão em casos complexos como é nossa realidade. Assim, a dinâmica do discurso cientificista torna-se enunciado ideológico e está em tensão dialética com o discurso religioso. A síntese estará talvez conosco?
Sem a pretensão de síntese, prefiro o adágio cantado por Adriana Calcanhotto por consideração: ‘Armar um tabuleiro de palavras-souvenirs. Apanhe e leve algumas palavras como souvenirs. Faça você mesmo seu micro-tabuleiro enquanto jogo lingüístico.’
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Jornalista, escritor e professor auxiliar na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Itapetinga (BA)