Os bares iam fechando, mas nós resistíamos, bebendo, em pé, um chope depois do outro no balcão do Café Simpatia que nós, repórteres do Jornal do Brasil, chamávamos de ‘paredão’. Era verão, fevereiro de 1959, no coração do Rio de Janeiro. Com um aperto no coração e o entusiasmo de meus19 anos, conferi com o Cezário (Cezário Marques, prêmio Esso de 1960) a hora – passavam 10 minutos da meio-noite e a Av. Rio Branco estava deserta, com as saídas dos últimos clientes do Simpatia.
O ronco barulhento e crescente dos motores elétricos da rotativa Hoe abafava todos os ruídos do quarteirão e anunciava o grande acontecimento – as máquinas colocavam velozmente na calçada iluminada as primeiras pilhas do septuagenário matutino Jornal do Brasil. Minhas mãos tremiam e eu suava de ansiedade ao abrir o primeiro caderno do JB daquele sábado de fevereiro porque, apesar da pequena chamada de 1ª página, eu precisava ver para crer, o milagre que se estampava na página 11 do miolo do primeiro caderno e que representava uma das maiores satisfações que já tive em minha vida.
Sim,lá estava ela – linda, vaidosa, exibida, toda bem paginada, sem fios,com uma diagramação moderna e arejada, ilustrada com fotos – inclusive, uma de Domingos da Guia ocupando a página inteira, sob a chamativa manchete ‘Bangu, a cidade dos compadres’, a minha primeira grande matéria jornalística
Mas o que emocionou mais a nós dois foi o pequeno detalhe logo abaixo do título – o meu nome, Fernando Couto, em letra de forma, corpo 12, em negrito. Detalhe que iria se repetir por milhares de vezes ao longo de minha vida profissional até hoje, mas que naquela noite parecia a meus olhos um fenômeno quase sobrenatural, de tão inacreditável.
‘Não quebre a cabeça’
Minha namorada, a Sue, e minha família, liam a reliam, no dia seguinte, a matéria como uma façanha mágica que saía direto da cabeça daquele menino para as bancas de jornais de todo o país e das capitais do exterior. Todo pimpão, fui com o Cezário comemorar no Café Lamas a minha brava conquista, obtida no meu terceiro dia de redação.
Depois de minha primeira namorada, com quem vim a casar anos depois, o JB foi a minha segunda paixão. Sua morte nada súbita, depois de uma longa agonia, me enche de nostalgia. Acho mesmo que pode ser considerada o maior acontecimento cultural desta acidentada década, no Brasil. O JB era, para mim, a Bossa Nova, o Cinema Novo, o Tom e o Vinícius, os Beatlles, o JK, o Fusca nacional, o jazz, a TV, as ondas do mar, a invenção avião a jato-puro e muito mais. Como diria na época a música ‘Quebra-cabeça’, do meu amigo Marcelo Silva, ‘existe um mundo coerente que você pretende e que ninguém lhe roubará, quebra a cabeça, quebra a cabeça, não esmoreça não, quebra a cabeça…’
Até hoje guardo aquela velha página do heroico JB.
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Jornalista