Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Retrato incompleto dos novos universitários

A imprensa resolveu responder à pergunta que se impôs, após o episódio com a estudante Geisy Arruda, da Uniban, e explicar quem são os estudantes daquela e de outras universidades particulares. A iniciativa foi do jornal Estado de S.Paulo, que publicou, na terça-feira (24/11), uma matéria especial no caderno ‘Edu’, dirigido aos jovens.


A intenção foi boa, a pesquisa bem feita, mas faltou dizer, nessa simplificação que divide as pessoas em classes sociais, como são os jovens das assim chamadas classes A e B. No retrato da chamada classe C, ficamos sabendo, por exemplo, que 31,4% dos universitários têm renda familiar entre 1 e 5 salários mínimos. Mas o jornal não disse quanto é a renda das classes A e B. Descobrimos também que 82,5% desses universitários são religiosos, que 65% dos pais deles não têm curso superior, que 65% dos jovens trabalham e estudam. E que 45% se declaram conservadores, embora 47% admitam já ter experimentados drogas.


Se a intenção era mostrar no que esses jovens são iguais – ou diferentes – dos outros, seria preciso mostrar qual o comportamento dos jovens de outras classes sociais.


Apuração e preconceito


Outro dado interessante são os ídolos desses rapazes e moças: 30% disseram que são os pais, 17,5% não têm, 12,5% responderam ‘Deus/Jesus’. Sobraram 40% que dividiram sua preferência entre pessoas tão diferentes como os falecidos Ayrton Senna e Frank Sinatra, ou o atuante apresentador de TV José Luiz Datena.


Seria interessante saber, em matéria futura, quem são os ídolos dos jovens de outras classes que, teoricamente, têm mais tempo para ler jornais, assistir à TV a cabo, freqüentar baladas e lugares caros. Será que entre os jovens de melhor situação financeira os pais também ocupam o lugar de líderes? Quantos dirão que não têm líderes em quem se espelhar e quantos lembrarão de Deus e Jesus entre seus personagens prediletos? Mostrar o quadro entre os jovens de menor poder econômico esclarece pouco, na medida que não há comparação com os mais afortunados.


A intenção da matéria foi a melhor possível, mas um leitor mais atento dirá que o tema foi tratado com preconceito, a começar do título – ‘A classe C com diploma’ – e por frases do tipo ‘como em geral vem de escolas públicas, essa turma de universitários pioneiros se impressiona com a infraestrutura’.


Universidade gratuita


A matéria do Estadão termina com um box sobre o caso Geisy, em que mostra que 82,9% dos pesquisados não concordam com a expulsão da jovem. E faz questão de mostrar que o ambiente da universidade em nada difere das outras universidades:




‘O ambiente perto do campus é igual a qualquer vizinhança de universidade: meia dúzia de bares com mesas cheias. `Um deles é de lésbicas´, diz uma estudante. Nas vielas que desembocam num matagal, o cheiro de maconha se confunde com o de pipoca e de cachorro quente. Aluna de Comunicação, Dayse Gargantini, de 22 anos, acredita que se a Uniban `selecionasse melhor´, o episódio de outubro não teria ocorrido. `Não teria ela. Nem eles´, diz, referindo-se a Gaisy e seus algozes.’ (Estado de S.Paulo, 24/11/2009)


Se o ambiente é igual, independe da classe social, seria desejável saber no que os outros universitários – aqueles que têm uma base boa, dinheiro para pagar cursinho e tempo para estudar até entrar na universidade gratuita – se diferenciam dos universitários que só encontram como opção as escolas pagas.

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Jornalista