Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Revista Brasileiros

CASO ISABELLA
Marcellus William Janes

O mal que a mídia faz para a saúde mental das pessoas, edição de maio (nº 10, 2008)

‘O caso Isabella expôs mais uma preocupação para a relação ‘mídia e sociedade’. Um caso de maldade extrema para com uma criança, o que nos remete à fase primitiva da raça humana, a princípio poderia ser uma notícia de interesse para a esfera privada dos parentes e amigos envolvidos com o caso, mas foi tratada, potencializada e ampliada para toda a sociedade através da mídia, fazendo da notícia do caso monopólio das pautas jornalísticas por dias e dias na maioria dos veículos do país.

Quatro dias após a ocorrência do caso, fui procurado (por força do ofício) pela TV Globo, para agendar uma entrevista com um pesquisador da instituição para o qual trabalho para que o mesmo concedesse uma entrevista sobre uma pesquisa absolutamente relevante do ponto de vista jornalístico. A referida pesquisa ouviu 54 mil entrevistados via telefone em todo o país, concluindo, entre outras coisas, que 43,4% da população adulta está com excesso de peso, o que pode causar inúmeros problemas de saúde pública. Agendada a entrevista com local e horário especificados, mobilizados e deslocados funcionários desta instituição, equipe de reportagem da TV Globo e o pesquisador a ser entrevistado para gravar a matéria, na última hora a equipe de reportagem foi deslocada para cobrir o passado ‘caso Isabella’. Pergunto-me qual a relevância jornalística de tal caso, que já havia sido exaustivamente coberto, em relação à divulgação desta nova pesquisa sobre ‘obesidade dos brasileiros’.

Outro aspecto relacionado a este episódio foi o fato de que tenho uma filha chamada Isabella com 6 anos de idade e, desde a divulgação desta notícia, tento protegê-la das matérias veiculadas na mídia sobre o caso para que ela não ficasse impressionada ou abalada emocionalmente. De nada adiantou, pois seus amiguinhos de escola, também expostos e desprotegidos da mídia sensacionalista, não paravam de comentar o assunto com ela no ambiente escolar.

Nesse sentido fico avaliando que importância tem a mídia em nossas vidas e qual o prejuízo desta para a saúde mental das pessoas, leitores, ouvintes e telespectadores dos veículos de comunicação, inclusive crianças?

Vivemos em uma sociedade do risco, como afirma o sociólogo alemão Ulrich Beck1, e tentamos, o tempo todo, como animais racionais que somos, proteger-nos destes riscos, através de mecanismos de promoção e prevenção de saúde, mas nossa sociedade contemporânea e globalizada, onde os conceitos neoliberais hegemônicos são propagados através de mecanismos ideológicos de estado e privados como os meios de comunicação, acabam criando novos riscos. Tais mecanismos disseminam, pela mídia parceira do capital, comportamentos sociais que favorecem uma sociedade consumista e individualista, onde o que é valorizado é o que se possui e a vida se resume a consumir constantemente. Tais movimentos da mídia potencializam esses riscos ambientais e sociais a que estamos expostos, como pode ser observado no comportamento da mídia no caso Isabella, pelo fato de disseminarem ininterruptamente sentimentos de revolta, tristeza, preocupação, vingança – emoções causadoras de comoção em massa, tensão e estresse, que certamente não resultam em melhoria da saúde mental de nossa população, já tão sofrida com problemas conjunturais de um país terceiro-mundista.

Segundo Zavaschi2, ‘uma pesquisa recente do Instituto Nielsen indicava que as crianças norte-americanas assistiam em média de 21 a 23 horas semanais de televisão e projetava que, se mantivessem essa média, chegariam aos 70 anos tendo permanecido de 7 a 10 anos diante da tela. A situação das crianças brasileiras provavelmente não é muito diferente. Também não é diferente outro aspecto – este mais grave – relacionado ao conteúdo da programação. Estima-se que, até chegar à idade de 18 anos, um jovem médio terá sido exposto a nada menos que 200 mil atos de violência exibidos pela televisão. A relação de causalidade entre essa superexposição a assassinatos, estupros, assaltos e todo o tipo de agressões, de um lado, e o crescimento da violência e dos comportamentos agressivos entre os jovens, de outro, tem sido motivo de discussão’. Seria ingênuo creditar apenas ao mass-mídia as causas da agressividade infanto-juvenil, mas é fácil deduzir que certamente esta veiculação sensacionalista da mídia, juntamente com outros fatores psico-sociais, potencializam esses comportamentos nos receptores das mensagens que já tenham uma propensão a isso.

Pesquisas e publicações como esta me fazem acreditar que não é exagero meu o temor em expor a minha Isabella ao ‘fenômeno midiático Isabella’, e nos faz pensar criticamente sobre a influência da mídia não só sobre a educação de nossos filhos, mas em relação à saúde mental destes.

Não cabe estabelecermos mecanismos de censura ou sermos rígidos em classificações etárias de programações do horário, mas conscientizarmos os cidadões e nossas crianças e adolescentes a sermos uma recepção crítica dos conteúdos recebidos pelos meios.

Propostas como a teoria da educomunicação, desenvolvida por vários comunicólogos contemporâneos latinoamericanos, entre eles o Profº Dr. Ismar de Oliveira Soares, Coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação da ECA/USP, são interessantes a partir do momento em que propõem que uma ‘educação crítica para ler os meios de comunicação’ seja parte da grade curricular das escolas públicas, ou estejam presentes dentro destas, mesmo que através de atividades extra-curriculares, como provou o projeto educom.radio3, que funcionou nas escolas públicas do Município de São Paulo há alguns anos.

Se um dia tivermos a leitura crítica dos meios de comunicação como disciplina nas escolas, certamente não precisarei mais tentar proteger a saúde mental de minha Isabella em relação a avalanche de mensagens sensacionalistas e violentas recebidas por ela diariamente através de mass-mídia.

Marcellus William Janes – Mestre em comunicação e saúde pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, Especialista em Gestão de Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e graduado em Publicidade e Propaganda pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero. Atualmente é Assessor de Imprensa e Comunicação Institucional da FSP/USP. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação, comunicação de riscos, saúde pública e educação.’

 

 

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