Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Revista descobre o verde

Não deixa de ser uma grata surpresa a edição especial da revista Veja dedicada ao tema sustentabilidade. Marcada por oscilar entre um jornalismo de variedades e a panfletagem, por desempenhar o papel de manifesto político na maior parte do ano que se encerra, a semanal de informações jornalísticas de maior circulação no país oferece na presente edição um caderno intitulado ‘Sustentabilidade, um mundo possível’, no qual apresenta argumentos sólidos em favor de mudanças no comportamento de consumo e nos negócios.


Trata-se de passo importante para uma publicação que influencia o público mais conservador e, portanto, mais resistente à necessidade de abandonar hábitos incompatíveis com a preservação do meio ambiente.


Um dos melhores trechos dessa edição especial é a seção ‘Dez mitos sobre a sustentabilidade’. A reportagem foi feita por consultas a uma dezena de especialistas, cujas respostas ajudam o leitor a superar algumas resistências e entender melhor o que significa o movimento internacional em defesa do patrimônio ambiental.


Convite à interpretação


Em linguagem simples, as reportagens induzem o leitor a passar do nível da mera curiosidade para o convencimento sobre a necessidade de fazer mais pelo futuro do planeta. No entanto, a revista constrói suas próprias fontes de informação, ignorando a biografia e o trabalho de décadas de especialistas que são alguns dos responsáveis pela mudança de mentalidades pelo mundo afora.


Por exemplo, foi ouvir o ex-ministro Mailson da Nóbrega, que nunca foi considerado uma autoridade em economia sustentável – é mais uma fonte sempre disponível para qualquer assunto –, e o economista americano Jeffrey Sachs, que fez carreira longe do tema sustentabilidade, ignorando o outro Sachs, Ignacy Sachs, este um verdadeiro especialista.


Alguns observadores mais exigentes podem encontrar no texto de Veja alguns vícios de edição, como a tendência a conduzir o raciocínio do leitor em vez de convidá-lo a interpretar as informações. Mas já é um avanço. Afinal, Veja escreve para os leitores de Veja, que não são há muito tempo a vanguarda do pensamento contemporâneo.


Um tema para a oposição


Época, a principal concorrente de Veja em número de leitores e circulação, vem abordando o tema sustentabilidade há mais tempo. Além disso, promoveu alterações no seu sistema de impressão, adotando o uso de papel certificado.


A revista deixou de ser impressa na Gráfica Globo, que pertence ao mesmo grupo econômico e fez parceria com a Log & Print, empresa também certificada. A gráfica Globo perdeu a oportunidade de se tornar a pioneira no setor, quando recebeu e recusou a proposta de certificação, em 2005.


A adesão de Veja aos mesmos princípios demonstra que até as mais conservadoras entre as empresas de comunicação, um setor resistente a novidades em gestão, podem estar se conscientizando de que a imprensa também deve se adaptar aos novos paradigmas.


Estudos realizados pelo Instituto Ethos e outras organizações que lideram o movimento pela sustentabilidade revelam que a mídia tradicional no Brasil vem se aproximando do tema muito timidamente. Em geral, com reportagens pontuais e que abordam preferencialmente a questão ambiental, deixando de lado outros aspectos do que se convenciona chamar de desenvolvimento sustentável.


Na edição especial de Veja que circula nesta semana, por exemplo, ainda predomina a questão ambiental e percebe-se, aqui e ali, a solução perneta do conceito ‘verde’, que se tornou quase um mantra entre os neófitos no assunto sustentabilidade.


Faltou, por exemplo, uma reportagem tratando com profundidade a questão da responsabilidade social. Mas já é um grande passo o fato de a revista se dispor a colocar em debate as possibilidades de o Brasil continuar crescendo em ritmo acelerado sem destruir seu patrimônio ambiental, combatendo a corrupção e assegurando a promoção social dos mais carentes. Esse é o principal desafio que está colocado diante da presidente eleita, Dilma Rousseff.


Se a revista Veja e demais representantes da imprensa tradicional pretendem se manter na condição de órgãos de oposição ao governo, melhor que as cobranças e críticas sejam feitas com base no conceito da sustentabilidade.