O jornal The Washignton Post anunciou que a partir do último sábado, 6/08, faria a cobertura das Olimpíadas 2016 usando robôs. Seu software de inteligência artificial, chamado Heliograf, já havia tido uma pequena participação na cobertura das eleições presidenciais americanas em 2012 – e o jornal tem intenções de prosseguir com a ideia cobrindo as próximas eleições, que irão decidir quem governará os Estados Unidos após o mandato de Barack Obama.
Mas o robô não produzirá grandes reportagens e ficará encarregado apenas de notas simples que deem conta do placar, da pontuação e do número de medalhas. Reportagens mais complexas ainda estarão a cargo dos bons repórteres que fazem parte do Post.
O uso de robôs para produzir matérias tem sido motivo de discussão não só entre os profissionais de jornalismo e comunicação como também de outras áreas, como tecnologia, por exemplo. O ponto principal de toda discussão é a possibilidade de que isso signifique demissões em massa. Dado o quadro de dispensas nas redações e a instabilidade dos empregos nos últimos anos, qualquer novo indício de que as chances de trabalho diminuirão torna o debate mais urgente. Se não para dar perspectiva sobre o tema, pelo menos para acalmar os ânimos.
Esta, no entanto, é uma discussão antiga – bastante destacada inclusive neste site. Todavia, o caso do Heliograf, do Post, exemplifica algo muito simples: Computadores não poderão escrever – em um futuro próximo – histórias complexas como um ser humano pode. Por isso, os correspondentes estarão aqui no Rio de Janeiro durante o mês de agosto.
Mais liberdade aos repórteres
Um exemplo de que a linguagem humana é algo muito complexo e difícil de ser reproduzido são os chatbots, assistentes de mensagens que têm a intenção de estabelecer algum tipo de diálogo com os usuários, mas que até agora têm falhado claramente. (Mark Zuckerberg é um entusiasta da ideia e pretende acrescentar o “serviço” ao aplicativo de mensagens do Facebook.)
Os robôs ainda não podem escrever com uma linguagem mais humana. Por serem mecânicos, tem seus textos baseados em dados e os utilizam para construir a história que vão contar, o que os coloca em uma posição perfeita para hardnews, mas não podem dar profundidade ao texto. Ou seja, por enquanto esse é o lugar que eles ocuparão. Por outro lado, bons repórteres não nascem de um dia para outro, mas são estimulados por muita leitura, aprendizado e contato humano, e ainda não foi criado algoritmo que dê conta desta tarefa.
O chefe da seção de novos projetos digitais do Post, Jeremy Gilbert, apontou que a ideia é que o Heliograf cuide de coisas mais simples, para que os repórteres tenham um pouco mais de liberdade para cobrir aspectos mais interessantes. “Não estamos tentando substituir os repórteres, estamos tentando deixá-los mais livres”, disse.
Robôs ainda não podem refletir
Gilbert está por trás do projeto Narrative Science, da Universidade Northwestern, que começou como um experimento que tornava a pontuação dos jogos de beisebol em histórias. Atualmente ela é uma startup que oferece tecnologia para produzir histórias e reportagens em larga escala sem intervenção humana ou necessidade de edição – a startup já chegou a lucrar mais de US$6 milhões vendendo este software. O Heliograf, por sua vez, também tem a intenção de não necessitar que um humano corrija suas notas.
No meio disso tudo, os jornalistas, repórteres e editores ainda estão seguros. As demonstrações de matérias feitas com robôs são, no mínimo, diretas demais. Acríticas, rasas e muito simplórias. O que de certa forma tira dos ombros dos repórteres a carga de ter que escrever sem processar, sem refletir e de maneira mecânica.
Logo, o Heliograf vai – assim são as promessas – dar a possibilidade de que os repórteres escrevam longe do modelo “em escala”, com profundidade e reflexão que computador nenhum consegue imitar. Os robôs que invadem o Post, a Associated Press e o Buzfeed, entre outros, ainda não podem refletir, e podem, no máximo, informar o básico. Ou seja, os repórteres, jornalistas e editores ainda têm muito o que fazer e pelo menos o Washington Post sabe bem disso.
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Ruam Oliveira é jornalista