Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Ruim para o Folhão, bom para o Brasil?

A manchete da Folha de S.Paulo de domingo (9/11) gritava, como se pode ver ao lado: ‘Funcionalismo custa mais que dívida’. So what?, diriam os americanos. Em português claro, e daí? De fato, a manchete em si não quer dizer coisa alguma, pois os gastos do governo federal com o funcionalismo podem ter superado os com a ‘dívida’, como diz a Folha, em função ou do aumento salarial concedido aos servidores ou então porque o governo renegociou o pagamento dos débitos. Nos dois casos, a notícia seria motivo de comemoração, mas nitidamente não é este o tom da ‘reportagem’ da Folha. No lead do texto, fica claro o tom condenatório do diário da Barão de Limeira:

‘Os gastos com o funcionalismo federal vão superar neste ano os encargos da dívida pública e se tornar a segunda maior despesa da União, só atrás dos benefícios da Previdência Social. Desde 2006, o Planalto aproveita os recordes na arrecadação tributária para dar aos servidores reajustes salariais muito superiores aos da iniciativa privada.’

A questão é bem simples e lembra muito o que a imprensa fez no começo do governo Collor, quando o presidente pedia apoio para a sua intenção de introduzir medidas liberais na economia e iniciar o processo de privatização que acabou sendo completado apenas sob Fernando Henrique Cardoso. Naquela época, a mídia abraçou a pauta neoliberal de Fernando Collor de Mello e saiu fabricando ‘reportagens’ para mostrar como era ruim, caro e ineficiente o serviço público. A mensagem que se passava era a de que, em qualquer área, o setor privado funcionaria melhor. A atual crise financeira está servindo para desmontar esse paradigma, mas voltemos à Folha de S.Paulo.

Sem reajustes

Agora, quase 20 anos depois de Collor, a Folha parece capitanear uma nova operação que visa fazer hegemônica algumas teses defendidas pelo candidato do jornal à presidência do Brasil, o governador tucano de São Paulo, José Serra. Sim, ele não é de falar muito sobre coisa alguma, mas nas recentes entrevistas que concedeu sobre a crise financeira fez algumas ressalvas ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e criticou especialmente os aumentos salariais concedidos e previstos ao funcionalismo público.

Serra também não gosta da política de Lula de dar todo ano um reajuste real no salário mínimo. O governador de São Paulo prefere que o governo use esses recursos em obras de infra-estrutura, para agilizar o crescimento futuro do país. É uma tese respeitável – Lula preferiu aplicar o dinheiro na recuperação da renda dos trabalhadores com o intuito de dinamizar o mercado interno e gerar desenvolvimento ‘a partir de dentro’. Serra apostaria no crescimento ‘de fora’, a partir das receitas das exportações.

Tudo isto posto, o que a Folha fez foi editorializar uma reportagem sem esclarecer o debate que está por trás da questão e tentando colocar os seus leitores – a maioria certamente trabalha no setor privado – contra o funcionalismo público. Pessoalmente, este observador avalia que o governo Lula tem vários problemas, mas as melhores virtudes, ao longo desses dois mandatos, foram as políticas de recuperação do salário mínimo e dos proventos do funcionalismo público. Para quem não lembra, durante os oito anos sob Fernando Henrique, os servidores comeram o pão que o diabo amassou. Várias categorias não tiveram sequer reajustes pela inflação. Quando Lula assumiu, começou a recuperar a auto-estima e a renda dos servidores públicos.

Recurso emocional

No fundo, o que a imprensa gosta de chamar de ‘aparelhamento’ na verdade é uma política voltada a trazer dignidade a quem trabalha no Estado. A mídia detesta a discussão, mas o fato é que se um país quer pensar grande, crescer de verdade, precisa de um corpo de burocratas qualificados e competentes – e isto custa dinheiro.

Por que um diretor de estatal deve ganhar menos do que um diretor de empresa privada? Ainda na opinião deste observador, deveria ganhar mais porque suas responsabilidades são maiores ao lidar com recursos públicos. Para a mídia, porém, servidor público é uma categoria nefasta, repleta de gente nomeada por parentes influentes, que trabalha pouco e ganha muito. Basta ver a sub-retranca ‘Lobby de servidores é forte no Congresso’ que acompanha a matéria principal da Folha.

Seria, portanto, mais honesto o jornal paulista assumir que está a serviço de Serra ou apresentar o debate racionalmente, explicando aos leitores os argumentos de cada parte envolvida na questão e as implicações político-partidárias da questão. O que não dá para admitir é o uso de recursos emocionais para convencer os leitores de que o funcionalismo não presta ou que o governo Lula é perdulário. Não é disto que se trata.