Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sabotagens e combinações

Trabalho em equipe. Eis uma categoria em explícita dificuldade no jornal O Estado de S.Paulo. Naturalmente, não me refiro ao ambiente interno no vetusto jornalão sediado na Marginal do Tietê, pois não tenho a honra de o conhecer por dentro e não sou jornalista, mas apenas leitor assíduo do matutino já lá vão quase cinco décadas.

Incomoda-me como cidadão a falta de um mínimo de rima filosófica e ideológica entre os vários cadernos do Estadão. Nesta semana da visita da secretária de Estado norte-americana ao Brasil, o fenômeno esteve agudo. Os editoriais à pág A3 – esse lastro ideológico do jornal, digamos –, ‘Diplomacia quadricéfala’ e ‘A visita de Condoleezza’ negam-se teimosamente a reconhecer a capacidade de gestão de pessoas do governo Lula. Pois no caderno de Economia do mesmo dia 28/4, numa reportagem de quase um terço de página sobre o ciclo AE Gestão & Carreiras, promovido pela Agência Estado, aparece alguém que já foi diretor de RH em empresas do porte do Itaú e da PriceWaterhouse para declarar:

‘São as pessoas que determinam a estratégia e a cultura de uma empresa e que se tornam líderes. Se uma organização for eficaz em administrar essas pessoas, ela passa a ter muito mais chances de atingir seus objetivos’. (José Valério Macucci)

Graças a um bom trabalho de equipe, forjado nas agruras da luta sindical nos anos terríveis do ‘Ame-o ou deixe-o’ e na capacidade de ouvir o Itamaraty, o governo Lula consegue objetivos aparentemente paradoxais, entre os quais acesso franco à Casa Branca e ao palácio em Caracas. E Luiz Inácio vai mais longe, como bem observou a revista que tanto influencia o establishment de Wall Street, The Economist, que (edição 18/6/04) saúda a política externa de Lula e o considera liderança no G-20, capaz de diálogo com os Estados Unidos e influência decisiva no processo político venezuelano. Nós, brasileiros, é que o sabotamos, basta ler a Veja de 23/6/04, para ficarmos na mesma semana.

O Brasil, sem abrir mão de nenhum de seus direitos, é capaz de fazer o papel de interface de dois radicais, Chávez e Bush, que se estranham, mas a página A3 prefere recomendar platitudes acacianas do tipo ‘… o que Washington propõe nada mais é do que o cumprimento da Carta Democrática Interamericana ….’. Ora, só falta convencer o populista venezuelano armado até os dentes de petrodólares de que não virão marines. A situação lembra Garrincha que, ao ouvir a proposta do técnico Feola, da seleção de 1962, algo como ‘Djalma Santos toca para Tostão que passa direto pra Pelé e o gol estará feito’, pergunta: ‘Mas, ô Feola, isso tá combinado com o adversário?’.

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Diretor do Instituto Afrânio Affonso Ferreira, Bahia