Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Sem direito de envelhecer: a eterna juventude das apresentadoras de TV

Miriam O’Reilly processou a BBC por “ageism”. Créditos: Daily Mail Online

Uma preocupação passa a rondar a cabeça das apresentadoras de televisão quando nelas surgem os primeiros cabelos grisalhos: logo mais já não servirão para figurar diante das câmeras em suas bancadas e serão substituídas por colegas mais jovens (MITRA; WEBB; WOLFE, 2014). Algumas recorrem por anos à tintura, tentando postergar essa data e disfarçar aquilo que nos seus equivalentes do sexo oposto é considerado um sinal de credibilidade (WEIBEL; WISSMATH; GRONER, 2008).

O telejornalismo, tanto no Brasil como em outras partes do mundo, estabeleceu padrões estéticos para apresentadores e repórteres que poucas profissionais ousam desafiar. Observadas diariamente por espectadores, colegas de trabalho do sexo masculino, chefes e editores, essas mulheres são cobradas por seu comportamento estético e são referência na forma de vestir e de tratar seus corpos para suas espectadoras. Segundo Spedale, Coupland e Tempest (2014), pesquisas apontam que as mulheres tentam escapar dos preconceitos quanto ao envelhecimento tentando parecer sempre jovens. Ao fazerem isso, elas participam ativamente no processo de reprodução e perpetuação da ideologia equivocada de que são vítimas. Escravizadas pela busca incessante da beleza e da juventude, as mulheres aderem a uma norma opressiva da sociedade patriarcal que as conforma a um modelo restritivo de feminilidade, mantendo-as num lugar de subordinação, uma vez que, ao envelhecerem, já não devem mais ser vistas, sendo ‘escondidas’ dos espectadores.

Na literatura acadêmica nacional, o tema do envelhecimento diante das câmeras é negligenciado. Numa rápida pesquisa no Google Scholar, encontro apenas dois textos que tangenciam o tema, sendo um deles uma análise do programa de variedades Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo, e como esse trata a imagem das mulheres (MAIA; SACRAMENTO; VILAS BÔAS, 2017). O outro, em que são entrevistadas cinco apresentadoras de televisão do Paraná, discute-se as perspectivas profissionais da mulher no jornalismo televisivo, abordando, entre outras, a questão do envelhecimento. Uma das entrevistadas aponta para uma questão velada no telejornalismo paranaense: a impossibilidade de as mulheres permanecerem frente às câmeras após envelhecerem (QUAESNER et al., 2020). Apesar do trabalho se concentrar no universo do telejornalismo paranaense, a questão extrapola aquele estado e encontra eco na voz de outras profissionais.

Já no universo da pesquisa internacional, os autores que vem trabalhando com esse assunto, embora ainda sejam poucos, já esboçam a consolidação de um eixo de investigação sobre o tema, principalmente na área de pesquisa de gênero e trabalho. Spedale et al. (2014) se debruçam sobre um processo de “ageism”[1] levado adiante por Miriam O’Reilly contra a BBC do Reino Unido. Miriam é apresentadora do programa Countryfile, uma espécie de Globo Rural britânico, exibido nos domingos pela manhã, que sofreu alterações na grade de programação do canal e foi transferido para o horário dominical do começo da noite. Na tentativa de atrair um público mais jovem, o programa foi remodelado e os apresentadores tradicionais, entre eles Miriam, de 51 anos de idade, foram substituídos por colegas mais jovens.

Miriam processou o canal alegando preconceito de idade. Ao avaliar o caso, o juiz acatou o pedido de Miriam, alegando que “se a postulante fosse 10 ou 15 anos mais jovem, ela teria sido considerada para dar continuidade ao trabalho como apresentadora do programa Countryfile” (Spedale et al., 2014, p. 1596). No entanto, ao analisarem detidamente os discursos envolvidos em todo o processo, os autores observam as várias perdas de Miriam. Entre elas, o fato de o juiz não associar a decisão da BBC também ao sexismo alegado por ela. Não apenas por estar envelhecendo, mas também por ser mulher, Miriam se considerou escanteada. E com a exposição gerada pelo processo, Miriam perdeu também qualquer chance de ser contratada por qualquer outro canal. Afinal, quem vai querer uma mulher velha e encrenqueira figurando no seu quadro de jornalistas?

Precisamos olhar para a questão do envelhecimento das apresentadoras de televisão. Elas simbolizam a forma como toda nossa cultura trata o envelhecimento das mulheres. Num mundo em que a população passa a ser composta por um crescente número de idosos, “esconder” as jornalistas porque as rugas de seu rosto já não se contam nos dedos de uma mão é negligenciar uma realidade demográfica. Essas mulheres, por seu papel e exposição midiática, influenciam várias outras pessoas quanto à forma de pensar e de tratar este assunto. Ao não enxergarem mulheres com cabelos brancos apresentando jornais ou conduzindo matérias jornalísticas nas ruas, o público tende a considerar que o envelhecimento não é bem-vindo em lugares reservados a beldades sóbrias.

Ao naturalizarmos o fato de que essas profissionais não podem envelhecer diante das câmeras, estamos, mais uma vez, reforçando estigmas associados ao envelhecimento do corpo e restringido os papéis que podem ser desempenhados por mulheres na sociedade. Ao observarmos o tratamento dado às profissionais da mídia televisiva com relação ao envelhecimento, estamos trazendo à tona um tema que ainda é tabu, mas que precisa ser discutido. Somente a partir de uma discussão ampla sobre esse assunto poderemos reverter cenários de preconceito com o corpo que envelhece, especialmente o feminino.

Texto publicado originalmente por objETHOS.

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Marta C. Machado é professora do Curso de Cinema da UFSC e pesquisadora do objETHOS.

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Referências citadas

MAIA, J. P.; SACRAMENTO, I.; VILAS BÔAS, V. O controle do corpo feminino no programa Encontro com Fátima Bernardes: subjetividade, texto e contexto. Revista FAMECOS, v. 24, n. 3, p. 27064, 2017.

MITRA, B.; WEBB, M.; WOLFE, C. Audience Responses to the Physical Appearance of Television Newsreaders. Participation. Journal of Audience & Reception Studies, v. 11, n. 2, p. 45–57, 2014.

QUAESNER, G. et al. Os desafios das mulheres telejornalistas no Paraná. Revista Ártemis, v. XXIX, n. 1, p. 363–385, 2020.

SPEDALE, S.; COUPLAND, C.; TEMPEST, S. Gendered Ageism and Organizational Routines at Work: The Case of Day-Parting in Television Broadcasting. Organization Studies, v. 35, n. 11, p. 1585–1604, 2014.

WEIBEL, D.; WISSMATH, B.; GRONER, R. How gender and age affect newscasters’ credibility – An investigation in Switzerland. Journal of Broadcasting and Electronic Media, v. 52, n. 3, p. 466–484, 2008.

[1] Termos usado em inglês para se referir aos preconceitos de idade.