Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Sem jornal diário, o mundo mais pobre

Se a sentença de morte lavrada pelos profetas do monopólio virtual se confirmar, o fim do jornal impresso em papel empobrecerá o mundo. Ainda não estou convencido de que essa previsão seja inevitável. Estão com seus dias contados os jornais tal como existiam até o avanço da internet. Mas se enfrentarem ou se adaptarem à nova tecnologia, aproveitando seus benefícios (como a instantaneidade, a fantástica capacidade de armazenamento de dados, os recursos visuais e a interatividade) e explorando suas fraquezas (especialmente sua superficialidade e linearidade), poderão continuar a existir – e melhores.

Mas admitamos que não haja mais lugar para eles e tenham que procurar seu sítio nos museus: como será o mundo no dia em que não houver mais nenhum jornal à mão para que o leitor acompanhe as atividades de inauguração do novo dia – no banheiro, à mesa do café da manhã, no trem, na parada do ônibus ou ao lado do sofá para aproveitar a folga do trabalho?

Uma parte de mim também chegará ao fim nesse dia, o que me impulsiona a refletir sobre a iminência desse risco, a tentar antecipar o que poderá acontecer e a dar minha microscópica contribuição para que tal ameaça não se concretize (ao menos exerço o jus esperneandi). Meu primeiro contato direto de menino com publicações periódicas foi na Livraria Vitória, de Raimundo Saraiva (e onde já pontificava o ‘seu’ Antônio, ainda firme pelas ruas para contar a história), na Travessa Padre Eutíquio, em Belém (PA).

Parte da magia estava na capa das revistas, onde um carimbo triangular informava que elas tinham chegado através da Belém-Brasília (‘via rodoviária’), novidade ainda bem quentinha. Por causa do frete, o preço de venda era superior ao valor impresso na capa. Era fato criado entre 1959 e 1960, com a abertura – ainda precária – da ‘estrada das onças’ de Juscelino Kubitscheck, pai de Brasília, da inflação galopante (pondo fim ao preço fixado na capa, que passaria a ser improvisado) e de várias outras marcas brasileiras.

Até então, o prazer de ler estava condicionado às viagens do meu pai ‘ao sul’, que, felizmente, eram freqüentes. Ele voltava com meus pedidos debaixo do braço. Como também trazia frutas e doces, por aqui muito caros e nem sempre encontrados, acordávamos nas madrugadas da sua chegada para o butim, um momento de descontração na ordem unida imposto em casa no horário regulamentar. Tudo chegava ainda impregnado pelo odor remanescente do ar condicionado do avião, produto que também era uma raridade.

Peixes estranhos

Aos 11 anos descobri outro fetiche no circuito das publicações impressas: a banca de revista. Foi na primeira incursão ao Rio de Janeiro, a ‘velha cap’, e a São Paulo, a locomotiva do país. Ficava um tempão diante das bancas, procurando identificar tudo que elas continham, fazendo esforço de concentração para não me perder na dispersão que o fascínio provocava e poder sair da incursão com minhas conquistas, as melhores. Na época, os objetos principais do desejo eram as revistas esportivas e as revistas em quadrinhos. Era impossível não colocar em primeiro lugar a Manchete Esportiva, cujo formato grande era o melhor cenário para as fotos destacadas e o papel possibilitava não só boa impressão como leitura confortável. A Gazeta Esportiva era mais maçuda, mas indispensável por causa da riqueza de informações que trazia, com uma diversificação sem igual.

Logo em seguida vinha a Revista dos Esportes, gêmea da Revista do Rádio, onde, além das fofocas e curiosidades, o que mais me atraía era uma seção, ‘Raios-X de corpo inteiro’ (ou algo parecido). Era o pingue-pongue de perguntas e respostas, uma das quais era sobre o que os jogadores comiam antes e depois dos jogos. Eles se referiam a verduras, legumes, ingredientes ou pratos que eu desconhecia, limitado à dieta básica de Belém, sem sofisticação. Alguns anos depois, quando voltei ao Rio, já adolescente, usei minhas anotações para partilhar os prazeres da cidade grande, que Belém, pelo menos nessa época, não era mais.

Bem no início de 1962 pude desfrutar de um desses prazeres na minha própria cidade: a Livraria Vitória começou a instalar as primeiras bancas da capital paraense. A que eu freqüentava ficava na extremidade da Praça da República, esquina com a Serzedelo Correa, ao lado do IEP (o Instituto de Educação do Pará das nossas normalistas lindas). Já então o cardápio diário incluía o Correio da Manhã, o Jornal do Brasil e a Última Hora. Quando me mudei para o Rio, incorporei O Globo, o Diário de Notícias e, depois, o Jornal dos Sports, por obra e graça dos acréscimos feitos por Reynaldo Jardim. Sem falar nas publicações semanais, quinzenais, mensais ou nos hebdomadários.

O ápice da minha atividade de leitor de jornais foi quando me tornei pauteiro nacional de O Estado de S. Paulo, na sede paulistana. Não havia limites para a minha gula: eu podia mandar vir jornais de todos os lugares do país, graças à rede de sucursais e correspondentes, a melhor que já houve na imprensa brasileira (e que nunca mais será igualada). Na rede vinham peixes estranhos ou curiosos, como o Cinco de Março, de Goiânia. Minha mesa era tomada por esses papéis impressos, o que me permitia formar uma opinião verdadeiramente nacional.

Criações do espírito

Outro período de fartura foi na temporada americana de 1983-84. Aos domingos eu voltava do almoço para casa carregando quilos de papel na cabeça. Era impossível sobraçar o volume formado pelo Wall Street Journal, New York Times, Los Angeles Times, Miami Herald e Christian Science Monitor. Depois de extrair os cadernos de classificados e os suplementos indesejáveis, a leitura ia até a noite porque havia realmente o que ler. Hoje, todos esses jornais estão em crise e o Monitor não tem mais a versão em papel, confinando-se à tela do computador, onde não leio jornal.

A crise é mesmo profunda. Tem-se dela uma idéia pela leitura do ombudsman da Folha de S. Paulo, o mais antigo e influente do Brasil. Numa entrevista ao último número da revista Imprensa, Carlos Eduardo Lins e Silva diz que lê todos os dias o seu jornal, o concorrente local, que é O Estado de S.Paulo, o Valor Econômico (único jornal especializado em economia que sobrará depois do passamento da Gazeta Mercantil, com seus quase 90 anos e tudo mais) e O Globo. Só? Só. E não há mesmo outro jornal verdadeiramente nacional. Nem haverá?

Se os leitores de hoje pudessem renovar o prazer que tínhamos quando colocávamos diante de nós, desde a tenra adolescência, os jornais de então, talvez viesse a surgir algum novo jornal. Fecho os olhos e deixo vir a relembrança de uma leitura em dia comum do Correio da Manhã. Na primeira página, as fotos por ângulos novos ou inteligentes batidas por uma das melhores equipes de fotógrafos de todos os tempos. As páginas de editoriais e de colunas políticas, escritas (e nem sempre assinadas) por Otto Maria Carpeaux, Antônio Callado, Luiz Alberto Bahia, Hermano Alves, Márcio Moreira Alves, Paulo de Castro, Osvaldo Peralva e tantos mais. O 2º Caderno, com Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, Antonio Moniz Vianna, Salvyano Cavalcanti de Paiva, as frases selecionadas pelo Guima. Aos domingos, o Quarto Caderno. E no Jornal do Brasil? O ainda insuperado Caderno B, as matérias do Departamento de Pesquisa, as grandes reportagens. No domingo, o Caderno Especial. Se não houver leitor para essas grandes criações do espírito, é porque haverá menos espírito no mundo. E o mundo ficará chato, pobre, sem sabor.

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A eleição já começou na imprensa partidária

Para os dois maiores grupos de comunicação do Pará a campanha eleitoral já começou, com um ano de antecedência da abertura oficial da temporada de caça ao voto popular. A posição do grupo liderado pelo Diário do Pará é explícita e tradicional: empunhar a bandeira do PMDB, que tem o dono, o deputado federal Jader Barbalho, como portador. Apesar do seu empenho na profissionalização, o jornal se partidariza nas temporadas eleitorais, agora até com precocidade. A situação é a mesma do grupo encabeçado por O Liberal, embora ele tente vender ao público a sua imagem de organização verdadeiramente empresarial, apartidária. Desde a semana passada, porém, os Maiorana transmitem, com toda a ênfase possível, uma mensagem a quem interessar possa: combaterão quem se associar ao concorrente e desafeto, o líder do PMDB.

O recado aos tucanos é direto e veio logo depois que o ex-governador Simão Jatene brindou com fartos salamaleques seu ex-correligionário e amigo, durante a solenidade de sagração do novo empresário do ano, Carlos Xavier, com raízes também no PMDB. O beija-mão de Jatene foi seguido por outras aves emplumadas (ou que assim se supõem) do PSDB. Se o gesto é sinal de aliança eleitoral, Jatene vai ser fustigado pelas armas estocadas pelos Maiorana: a candidatura alternativa do senador Mário Couto, o estímulo à bílis do ex-governador Almir Gabriel e todo tipo de baixaria, que retorna como atavismo ao jornal, que já foi o porta-voz do ‘baratismo’, inspirado nos hábitos nada republicanos do caudilho Magalhães Barata (cuja morte completou meio século no dia 29).

A outra ameaça é dirigida à petista Ana Júlia Carepa, que, a partir da semana passada, foi colocada à frente do ‘Meio Governo do Estado’, batismo da coluna ‘Repórter 70’ inspirado na ruidosa e ruinosa iniciativa da administração estadual de reduzir o expediente de uma máquina que, no horário regular, já funciona ruim, quando funciona. Os vastos e salientes defeitos do governo do PT, que vinham sendo colocados para debaixo do pano, sob o estímulo de extensa propaganda oficial, foram postos na vitrina dos veículos de comunicação do grupo Liberal, em função dos insistentes indicadores de uma nova tratativa para renovar o acordo com o PMDB jaderista.

Mau cheiro

Já não será suficiente para Ana Júlia abrir as burras do erário para fazer soar o caixa dos Maiorana, como já vinha fazendo: ela terá que se manter à distância de Jader, sob pena de enfrentar a fuzilaria do grupo. Os Maiorana acham que chegou a hora de eliminar seu maior inimigo. A questão é saber se esse alvo está ao alcance de suas armas, antes poderosas, hoje nem tanto.

Isso porque, do seu lado, o grupo de comunicação de Jader testa suas baterias atirando sobre os petistas para dar uma idéia do que poderá acontecer se cederem à pressão dos adversários políticos e concorrentes comerciais. A capacidade de influência dos Maiorana através da televisão é muito maior, mas a relação se altera, embora sem uma inversão igual, quando se trata da imprensa escrita, já que o alcance do Diário se tornou maior do que o de O Liberal.

Se ainda não dá para prever quem sairá ganhando nesse cabo de força, dá para prever: a eleição de 2010 vai feder. Aliás: já está fedendo.

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Efeito

Parece que o grupo Y. Yamada, o maior do comércio de varejo no Pará, decidiu incrementar a propaganda na imprensa, incluindo com mais generosidade o grupo Liberal. As matérias críticas e os recados surtiram efeito. Tanto que desapareceram.

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Prodígio explorado

A menina paulista Maísa Silva é uma dádiva, um presente raro de Deus (para uns) ou da natureza (para outros). Aos 4 anos cantava com desenvoltura num programa de televisão secundário, o de Raul Gil. Sílvio Santos a ‘roubou’ para o SBT. Por acaso a vi no seu programa de sábado e me deslumbrei com sua rara combinação de virtudes e qualidades. Mesmo sendo autêntica menina prodígio, com um domínio perfeito de cena e de seu poder, era espontânea, uma verdadeira criança, sem aquela chatice que pais babões ou interesseiros fazem surgir em suas crias excepcionais por excesso de atenção e cuidados.

Parecia que, finalmente, a TV não embotaria, mutilaria e destruiria uma pérola que foi jogada sobre seu chiqueiro. Até que o dono e feitor do SBT começou a manipular e a explorar a sua ‘companheira de trabalho’. O excesso provocou a intervenção do Ministério Público Federal, que quer punir o apresentador-ventríloquo e preservar a menina, que acaba de completar 7 anos. Espero que a iniciativa seja bem-sucedida e Maísa escape da máquina de triturar gente. Voltando a nos encantar e alegrar.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)