Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sem medo da transparência

Como jornalista, como petista, como cidadão brasileiro que tenta, a um só tempo, entender a crise e contribuir, humildemente, para a sua superação, entendo que todo este tormento que se abate sobre o PT, todo este redemoinho que dilacera o governo Lula, toda esta hecatombe que transforma a esquerda brasileira no saco de pancadas mais à mão deve servir para que a gente compreenda, mais do que nunca, que é preciso, de uma vez por todas, acabar com todos os segredos da política e da administração pública. Acabar com toda sorte de negócio mesquinho urdido à sombra do poder, dinamitar todos esses conchavos tramados nas sombras dos palácios, desarticular todos esses pretensos ‘acordos de cavalheiros’ que, na verdade, se revelam como acordos entre lideranças que buscam sempre distanciar as grandes massas das decisões políticas.

Não sei se me explico bem. Nem sei se sei me explicar. Mas sempre que vejo essa confusão na mídia em torno das explosões discursivas do presidente Lula sinto uma profunda agonia, como cidadão, como petista, como jornalista. Talvez eu também seja uma ave de mau agouro. Sempre acreditei, todavia, que um presidente do PT haveria de ser o mais transparente de todos os governantes. Um homem que, de vez em quando, abriria mão dos salamaleques, dos carros oficiais, do cordão de puxa-sacos, e chegaria caminhando a seu local de trabalho, no Palácio do Planalto, sem nenhum receio de se encontrar, numa dobra de esquina, com um jornalista, ou com qualquer outro cidadão, fosse a que hora fosse.

O camarada Lula, todavia, se comporta de forma esquiva, se escondendo dos jornalistas e se recusando, teimosamente, a fazer da entrevista coletiva uma rotina administrativa de seu governo. Aparentemente, Lula não se esforça para ser aquele presidente com que eu sonhava. Ou não se interessa por isso. Parafraseando a música do Gordurinha, eu poderia cantar: ‘Eu acho que a culpa foi/ desse pobre que nem sabe/ fazer idealização’.

Herdeiros do stalinismo

Seria bom se Lula – naquela hora, por exemplo, em que o André Singer (e outros leguleios do poder, antes dele) reserva à gravação do Café com o presidente – abrisse o Palácio da Alvorada ou a Granja do Torto a todos os jornalistas do plantão político, em Brasília. Poderia ser nas manhãs de domingo, e a conversa com o presidente poderia ser um saboroso sucedâneo para as missas matinais, gerando esclarecimentos e revelações que, certamente, impactariam o noticiário de cada semana. Além de contribuir para que nossa imprensa superasse esta preguiça, já tão discutida no Observatório da Imprensa, de sair em busca de um aprofundamento das informações no sábado e no domingo.

Como bom esquerdista que sou, gravei muitas frases de estilo atribuídas ao camarada Vladimir Ilich Ulianov, o Lênin. Certa vez, Lênin defendeu como compromisso vital dos militantes da esquerda descomplicar de tal forma a administração do Estado, ‘até que ele possa ser comandado por uma costureira’. A frase ficou solta no ar, sem concretização, mas sempre me pareceu instigante. Todo mundo sabe no que deu a experiência leninista na União Soviética, assim que Lênin bateu as botas e a Revolução Russa foi cair no colo de Josef Stalin – aliás, o filho de uma costureira.

Aqui, no Brasil, o governo do PT, excessivamente centralizado nas figuras e na ação do ‘núcleo duro’ do Campo Majoritário, também desandou, entendo eu, por causa de uma centralização que é herdeira da centralização stalinista. A exclusão das demais forças do PT das decisões de governo acabou por implodir a administração de Lula, que, ao diálogo com as esquerdas, teria preferido se envolver com más companhias, como bem diagnosticou o bigodudo Olívio Dutra – falando, é claro, de Roberto Jefferson, Marcos Valério, Valdemar Costa Neto, Janene, esse tipo de gente.

A portas abertas

José Dirceu e seu povo achavam-se poderosos o bastante construir uma maioria parlamentar, usando e abusando dos ‘300 picaretas do Congresso’ que Lula denunciara antes – mas acabaram mesmo explodidos pelo homem-bomba do PTB. A gestão do núcleo duro era tão fechada, tão exclusivista, tão voltada para si mesma, tão stalinista, em sua essência, que até o bigodudo Aloísio Mercadante, tido e havido como ‘capo’ do PT e do Campo Majoritário, se queixa, nos corredores do Senado Federal, de ter sido manipulado pelos parceiros de poder. O que dizer daquele militante anônimo que foi para ruas alimentar os comícios e as passeatas do PT?! O que dizer da Velhinha de Taubaté?! O que dizer da costureira sonhada por Lênin?!

A base de massa do governo e do partido está rachada, de forma aparentemente inapelável. Esses próximos meses têm tudo para continuar sendo meses de agonia para os petistas e seus aliados. Ainda mais se Lula e seus companheiros de gestão continuarem exercitando a centralização de poder, e a burra defesa dos segredos de governo e de partido. No meu entendimento, nessa altura do campeonato, só a transparência absoluta salva o PT. A coragem de ir até onde ninguém foi, abrindo completamente os véus que recobrem os bastidores do poder em Brasília e os desvãos do PT. Lula precisa descer de seu pedestal de presidente deslumbrado, abrir-se à imprensa e passar também a freqüentar a Câmara e o Senado, participando das comissões, das plenárias. O PT precisa superar de vez os vícios que lhe restam da velha esquerda stalinista, acostumada a um centralismo nada democrático que só contribui para a verticalização das decisões.

Vejam só o que eu desejaria que acontecesse: por determinação presidencial, nenhuma reunião aconteceria mais, no Palácio do Planalto, a portas fechadas. A transparência passaria a ser um valor absoluto, no rumo daquela coletiva concedida pelo ministro Antônio Palocci que, em determinado ponto da conversa, colocou-se à disposição da imprensa, dizendo que poderia não ser do interesse dele conversar com os jornalistas, mas se fosse do interesse dos jornalistas conversar com ele, estaria pronto a recebê-los, sem qualquer burocracia.

Zorra cabeluda

De acordo como a avaliação insuspeita do próprio presidente Lula, ‘Palocci falou como um inocente’. Eu diria, baseado na experiência de Palocci, que é como um inocente que Lula tem que se comportar. Comportar-se com um inocente, fazendo com que a TV NBR, da Radiobrás, cubra e grave não só as solenidades públicas, como também as audiências e os encontros administrativos e políticos em que o presidente se envolva. As atividades familiares de Lula, é claro, seriam preservadas. Não há por que colocar uma câmera de televisão em sua privada. Deixemos estes exageros para o Casseta & Planeta, o Pânico na TV e outros que tais que se alimentam do tesão de uns e outros pelas baixarias.

Entendo que não exista mais nenhum marqueteiro capaz de salvar Lula com qualquer tipo de prestidigitação. A única arma que Lula tem à disposição, nesta altura do campeonato, é sua inocência, que ele tanto garganteia, mas até agora não fez questão de mostrar. Ou Lula se revela por inteiro diante da cidadania brasileira ou vai ter, de fato, o destino funesto que tantos já vaticinam: pode não se matar como Getúlio, pode não renunciar como Jânio, pode não ser derrubado como Jango, pode não renunciar e fugir como Collor, mas passará à história como um governante que traiu o próprio discurso para proteger uma patotinha corrupta e corruptora que agia a sua sombra. Sairá do governo completamente desmoralizado – ele e o PT.

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Como ainda tem menos de um ano de governo – caso se disponha a enfrentar o desafio da reeleição; se recuar na candidatura, terá mais tempo –, entendo que se lançar mão da completa transparência Lula pode ter a oportunidade de firmar sua inocência e resgatar sua história. Quem sabe, até, possa ser reeleito. De qualquer forma, se impuser a transparência absoluta como forma de administração pública, acredito que possa vir a dar a volta por cima nos tempos de José Dirceu e até dar uma chance à tal costureira de que Lênin falava, de entender um pouco mais o que é e como se alimenta esta zorra cabeluda chamada administração pública.

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Jornalista, assessor técnico do mandato da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT) e articulista do site Última Notícia