A imprensa em geral age corretamente ao preservar a identidade de seus repórteres investigativos. Sabe que expô-los, dependendo do fato investigado e denunciado, seria sentenciá-los à morte. Ou, na melhor das hipóteses, a intimidações e ameaças freqüentes. Das quais, é bom lembrar, não estão inteiramente livres, tampouco da fatalidade, mesmo mantidos anônimos. Tim Lopes não tinha rosto conhecido. Mas foi reconhecido e morto por bandidos, ou seus comparsas, que já haviam sido flagrados por sua câmara.
Às vezes, porém, parte da imprensa não demonstra ter pela vida alheia o mesmo zelo que tem pela dos seus. Por exemplo, quando transgride as regras do jornalismo de utilidade pública, colocando, de forma inconseqüente e contraditória, o denunciante como coadjuvante da denúncia, como no caso recente da aposentada de 80 anos, que durante dois anos, filmou da janela de sua casa traficantes e usuários de drogas na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana.
Ela não registrou as imagens movida pelo senso jornalístico. Achou que mostrando-as às autoridades policiais – como se nada soubessem – estas agiriam e poriam fim ao seu inconformismo e desassossego. Foi mais ingênua que corajosa. Conhecendo a nossa polícia, deveria ter imaginado que os bandidos seriam avisados do que estava fazendo, como foram. Talvez não tenha sido morta porque, não sendo jornalista, não cogitaram a possibilidade de a imprensa vir a ter acesso ao material. Quanto aos policiais, não representavam nenhuma ameaça.
Erros irreparáveis
Embora não tenham sido obtidas por meio de investigação jornalística, as imagens eram notícia. Era obrigação da imprensa exibi-las para levar o Poder Público a agir, como agiu. Mas expor a aposentada, misturando-a à notícia, não era de interesse público. Assim como não interessava ao público, muito menos aos criminosos denunciados, conhecer o autor das reportagens que Tim Lopes fazia. Mostraram ainda o prédio onde morava, a cadeira em que sentava e a câmara que usava como se fosse a sua arma contra os malfeitores.
Por não ser notícia, criaram a figura de heroína para ela, um exemplo a ser seguido pelos cidadãos de uma cidade sem polícia e administração confiáveis. Puro sensacionalismo. E de alto risco. Ela é vítima como todos nós. E mais ainda agora, longe de casa e vivendo –talvez pelo resto da vida –sob o abrigo do Programa de Proteção à Testemunha. Perguntado sobre o que achara da atitude dela, Marcelo Itagiba, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, foi na onda. ‘Ela fez o que todo brasileiro deve fazer: dizer não ao tráfico de drogas. Dar um basta nisso.’
Não bastasse vivermos expostos a balas perdidas, assaltos, seqüestros-relâmpago e falsas blitzes, entre outros delitos; o secretário, assim como parte da imprensa, ainda quer que façamos o seu trabalho. Publicar notícias incompletas ou mesmo erradas são erros do ofício. Quem o conhece sabe que o tempo não é seu aliado. Mas são reparáveis. Quem se sente atingido pode buscar o direito de resposta ou a reparação pecuniária na Justiça. Espera-se que o episódio da aposentada não inaugure uma nova era no jornalismo: a dos erros irreparáveis.
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Professor de Jornalismo na Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro