No Brasil, a imprensa especializada no segmento gay ainda não é tão desenvolvida como nos Estados Unidos e outros países do globo. Enquanto pelos lados de lá pipocam publicações voltadas para este público e a cada dia que passa se fortalecem mais, por aqui ainda temos muito o que construir e conquistar.
No que se refere à existência de jornais e revistas brasileiros voltados para este público, a história é bastante complexa e rende várias versões, mas todas parecem concordar que os primeiros periódicos gays de que se tem notícia surgiram na década de 1960. Tais periódicos eram quase sempre artesanais, de circulação restrita e efêmeros, entretanto seu aparecimento foi de grande importância para abrir outras possibilidades de pensar o homossexual, numa época em que a repressão e o conservadorismo davam o tom.
O tempo passou, muitas coisas mudaram, começou-se a falar de um chamado mercado gay e algumas publicações foram criadas para tratar do segmento. Atualmente, temos duas revistas de circulação nacional: a G Magazine e a Junior, um número desolador se tomarmos tais publicações como possibilidades de construção identitária para uma parcela da população historicamente invisibilizada e discriminada.
Ao focarem este universo, entretanto, elas provavelmente encampam questões que passam despercebidas em outros veículos de comunicação e se tornam verdadeiros espaços de manifestação de opiniões, compartilhamento de histórias e identificação. Mas se por uma lado é salutar que exista uma imprensa gay, por outro a sua existência representa uma ambigüidade. É um sinal de que nossa sociedade até reconhece a diferença, mas esta diferença precisar ser isolada em relação à norma, por isso existirem revistas gays, casas noturnas e restaurantes voltados especificamente para este público.
Reino dos belos
A situação fica ainda mais complexa quando percebemos que as atuais revistas que arrogam para si o papel de representarem o universo homossexual o fazem ainda de um modo um tanto quanto questionável. Uma olhada rápida pelas suas páginas já nos permite pensar que há uma certa heteronormatividade nos conteúdos ali publicados. Se estas publicações são felizes ao enfocarem o gay e o transformarem em peça principal, numa sociedade onde ele é constantemente empurrado para as margens, elas mesmas derrapam ao construírem um gay em consonância com os padrões dominantes.
Não por acaso, nas páginas dessas publicações e de outras que se voltam para o segmento, vemos gays brancos, jovens, bonitos, ricos, bem-sucedidos, viris e masculinos, conformando-se à moral burguesa reinante, exceto no quesito orientação sexual. Um reino dos belos, no que representa ser belo dentro de uma cultura capitalista, hedonista, consumista e heterossexista como a nossa. É como se estas revistas construíssem um gay que preenche todos os requisitos, mas que pede licença para ser homossexual. A própria preferência por pautas mais amenas e a rejeição de tipos homossexuais variados, que constantemente se verifica nas publicações gays, já revela o quanto elas estão viciadas e afeitas às convenções. De tal modo esta imprensa tem se apresentado muitas vezes heterossexualizada que parece caber a pergunta: será que ela é?
Obviamente, é difícil sustentar uma publicação no mercado editorial brasileiro, tão instável e já tão abalado pelo fenômeno da internet com suas redes sociais infinitas. A realidade nua e crua é que as revistas precisam seguir um modelo mais comercial, mais palatável aos olhos do senso comum. Com certeza, se tais revistas investissem numa possibilidade mais problematizadora, com menos modelos descamisados, as vendas diminuiriam sensivelmente; assim como se elas levantassem certas bandeiras no que concerne à questão homossexual, muitos anunciantes sairiam pela mesma porta que entraram quando enxergaram ali oportunidades promissoras. Então, haja moda, consumo e imagem porque o babado é forte.
Caminhos possíveis
Apesar, entretanto, das dificuldades que se apresentam, é preciso topar o desafio. Se a imprensa, que se diz feita de gay para gay, não dá o primeiro passo, quem vai dar? Os jornais tradicionais que quase sempre estampam o homossexual de modo enviesado e negativo? As emissoras de TV que insistem em associar o gay a tudo que há de risível, engraçadinho e debochado? Não! Por isso, as publicações que se colocam como suas porta-vozes devem se auto-avaliar sempre.
A existência de um veículo de comunicação deve significar bem mais do que um nicho de mercado, mas também um instrumento de luta, de resistência, de questionamentos. Não é preciso varrer os homens desnudos para fora de suas páginas nem bancar a militante chata e evangelizadora, mas diversificar as pautas das revistas voltadas para os gays é um começo. Apostar em outras possibilidades de conseguir a atenção do segmento que não seja somente com corpos à mostra e olhares sedutores. O caminho é longo, é tortuoso, mas tomemos fôlego. A imprensa gay pode ser mais gay – e isso, sem pedir licença.
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Relações-públicas e cronista