Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Silvio Santos fez a imprensa de boba

Sílvio Santos não poderá mais repetir o seu famoso bordão: ‘Quem quer dinheiro?’.


Abriu-se na sexta-feira (5/11) o baú de infelicidades do mais famoso animador de auditório da TV brasileira, dono do SBT, a terceira maior rede do país no ranking de audiência, transmitida por 106 emissoras (15 próprias e 91 afiliadas).


O seu banco, o Panamericano, queria dinheiro, muito dinheiro, para cobrir o rombo de 2,5 bilhões de reais no seu balanço fraudado. O banco de SS repassava carteiras de créditos de suas operações para outros bancos, mas não contabilizava essa transferência no balanço, que justificaria hoje o bordão de Santos no programa Tentação: ‘Vale dez reais?’


No melhor estilo Lula, Sílvio Santos apressou-se a declarar: ‘Eu não sabia de nada’.


A fraude do lucro inflado no banco do apresentador de Topa Tudo por Dinheiro representa 40% dos ativos do Panamericano, que somam R$ 6,5 bilhões, e passou batido por uma das mais respeitadas empresas de auditoria do mercado, a Deloitte.


Agenda atropelada


A solução engenhosa para sair da enrascada estava embutida num dos bordões mais conhecidos de SS: ‘Vem pra cá, vem pra cá’.


Foi o que ele disse ao governo Lula, que foi lá para o SBT em apuros, já que tinha interesse no caso – a Caixa Econômica Federal adquiriu no ano passado 49% das ações do banco –, por meio do camarada FGC, o Fundo Garantidor de Crédito, mantido pelos bancos mas sensível a apelos federais. Sobretudo quando o Banco Central recomenda que apóie determinadas operações.


O FGC, a quem SS ofereceu 44 empresas de seu grupo como garantia, disse que a recomendação de socorro feita pelo Banco Central tinha por objetivo evitar o ‘risco sistêmico’ que poderia abalar a área financeira do país.


Quando o PT de Lula era oposição, essa desculpa do PSDB de FHC era motivo de zombaria para a inclemente confraria petista.


O sempre bem informado Guilherme Barros, colunista de economia do portal iG, informou que o BC, ao contrário de Lula e de Silvio Santos, sabia de ‘inconsistência contábil’ no Panamericano há dois meses, ou seja, desde setembro.


Foi exatamente em setembro, uma quarta-feira, 22, dez dias antes do primeiro turno da eleição presidencial, que Sílvio Santos visitou Lula inesperadamente no Palácio do Planalto, causando o alvoroço previsível.


Naquele dia, o sorridente SS avisou que estava ali apenas para convidar o presidente para a abertura do Teleton, um programa que arrecada recursos para crianças e adolescentes com necessidades especiais. No embalo, ainda arrancou uma doação de R$ 12 mil de Lula.


Silvio atropelou a agenda presidencial, tirando do caminho uma reunião prevista para aquele horário justamente com Henrique Meirelles, o presidente camarada do BC que dois meses depois seria fiador do SOS para SS.


Programação normal


O que espanta, neste processo, é a inconsistência sistêmica da imprensa brasileira, que cobriu burocraticamente a surpreendente visita de SS ao Planalto: ‘Não venho aqui desde o governo Itamar Franco’, avisou ele, ou seja, fazia já 18 anos.


E os repórteres e editores engoliram, em seco, a explicação boboca sobre o Teleton. Se não fosse tão preguiçoso, habituado ao declaratório e ao oficialesco, um jornalismo esperto poderia ter percebido ali as fagulhas do rolo do Panamericano que enfiou o FGC, o governo e Sílvio Santos no mesmo baú de desinformação e incertezas.


O desprezo de SS pela notícia já faz parte do folclore nacional. Na noite de 17 de julho de 2007, as maiores redes de TV do país interromperam a cobertura dos Jogos Panamericanos do Rio para mostrar as primeiras imagens fumegantes do Airbus da TAM que explodiu no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. O SBT foi o último a informar sobre a tragédia.


Nem Bin Laden conseguiu desfazer o sorriso de plástico de SS. No 11 de setembro de 2001, o dia do maior ataque terrorista da história, que as TVs do mundo inteiro cobriram ao vivo para o mundo estarrecido, o SBT continuou, impávido, a transmitir sua programação normal, quebrada apenas por breves flashes de plantão nos horários comerciais.


Naquele dia, o SBT atingiu um dos menores índices de audiência de sua história.


Prova de que o povo, apesar de Sílvio Santos e alguns de nossos jornalistas, não é bobo.

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Jornalista