Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Sinais vitais de jornalismo

A reportagem está viva e essa foi uma das boas notícias dos últimos dias. Um repórter da Folha de S.Paulo, Agnaldo Brito, percorreu dois mil quilômetros no Maranhão para ver as condições de escoamento da produção agrícola. Conversou com produtores, ouviu especialistas e confirmou de corpo presente a ineficiência da logística e seus custos absurdos. Histórias desse tipo, fora das pautas obrigatórias e previsíveis, já foram mais frequentes nas páginas de Economia.

No mesmo dia, domingo (7/2), o Estado de S.Paulo dedicou duas páginas a um bom material sobre portos. O ponto inicial da reportagem, com participação de correspondentes em Recife e em Salvador, foi uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Logística e Supply Chain com 187 grandes empresas. Acredite-se ou não, há um Brasil cheio de atividade fora do mercado financeiro e dos escritórios de consultoria. De vez em quando os jornais se ocupam desse tema e o resultado é interessante.

Outra mostra de vitalidade, na primeira semana de fevereiro, foi a divulgação, pelo Estado de S.Paulo, dos pontos principais do plano de governo do PT para a candidata Dilma Rousseff. O documento, segundo a reportagem, é uma carta de intenções, vaga nos detalhes e centrada na proposta de maior presença governamental na economia. Foi um bom passo para se abrir o debate sobre os planos elaborados sob a coordenação de Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência da República para assuntos internacionais.

Todos os jornais poderão ir mais fundo no trabalho de esmiuçar e analisar esse programa, antes da convenção partidária que formalizará a candidatura petista. Mas seria bom pressionarem os demais grupos envolvidos na disputa, como os tucanos e os verdes, até para mostrar, se for o caso, seu atraso na definição de planos de governo.

Problemas cambiais

Fora da campanha eleitoral, o noticiário foi dominado, nas páginas de Economia, pela crise fiscal de vários países europeus – principalmente Grécia, Espanha, Portugal e Irlanda. Mas a situação de algumas economias maiores também é complicada – e a Itália e o caso mais notório. Na maior parte do mundo rico os governos gastaram muito para atenuar os efeitos da crise e limitar a quebradeira dos bancos. Endividaram-se muito e o alerta para o risco de calote já foi aceso no mercado financeiro. Na quinta e sexta-feira (4 e 5/2) os índices desabaram na maior parte das bolsas.

Todos os jornais deram destaque e a cobertura foi razoável, mas faltou explorar com mais detalhe o endividamento público dos países mais avançados e não só daqueles em situação mais crítica. Em outubro do ano passado, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou estimativas sobre a evolução do endividamento nos países do Grupo dos 20 (G-20). Valeria a pena ter enriquecido o material com detalhes desse tipo.

A situação geral era conhecida e a crise grega já havia ocupado as primeiras páginas em janeiro. O único fato um tanto surpreendente foi o momento do alarme nos mercados. Parece ter vindo bem antes do esperado pela maioria dos analistas. De modo geral, o material publicado mostrou a peculiaridade mais importante da crise na Europa. Não se trata apenas de uma coleção de crises nacionais, porque todos esses países pertencem à zona do euro. Nesse caso, nenhum governo pode cuidar isoladamente de problemas monetários ou cambiais, porque sua moeda é única. Isso confere uma importância extraordinária ao problema.

Pressões especulativas

A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada na quinta-feira (4/2), veio mais ou menos como se esperava, com sinais de preocupação quanto a novas pressões inflacionárias. As interpretações foram igualmente previsíveis. Segundo a maior parte dos entrevistados, os dirigentes do Banco Central (BC) indicaram a intenção de elevar os juros em breve, em março ou no final de abril. Até aí, nada especial nas coberturas. Mas alguns jornais foram além do razoável no tratamento dos últimos números da inflação.

Em janeiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como baliza da política monetária, subiu 0,75% – mais que o dobro do observado no mês anterior (0,37%). Com isso, o acumulado em 12 meses chegou a 4,59%, pouco acima do centro da meta oficial (4,5%). Esses dados foram imediatamente relacionados às preocupações do BC com as pressões inflacionárias e, portanto, com a provável decisão de aumento de juros.

Mas houve, nessa parte da cobertura, excesso de entusiasmo.

O salto do índice em janeiro foi determinado basicamente por fatores sazonais, como os gastos com educação, e acidentais, como os efeitos das chuvas na produção de alguns alimentos. Nenhum desses fatores aponta para uma tendência inflacionária mais forte. As preocupações apontadas pelos economistas do BC referem-se a riscos diferentes, de efeito muito mais amplo, como a piora do quadro internacional e a provável tendência de alta do dólar. Na melhor das hipóteses, o efeito deflacionário da crise deve sumir nos próximos meses e isso já basta para acender uma luz de alerta. Como disse um conhecido pensador político, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Convém aplicar esse princípio ao jornalismo.

Com a turbulência nos mercados financeiros, o dólar subiu e esse movimento afetou também o valor do real. A primeira reação do BC foi ficar quieto e deixar valorizar-se a moeda americana. Reação nos mercados: o BC vai ficar quieto diante da ameaça inflacionária? Não vai vender dólares para estabilizar o câmbio?

Pauteiros e repórteres deveriam assistir a esse jogo – nos primeiros lances, pelo menos – com um pouco mais de calma. O correto seria ver, em primeiro lugar, por que o pessoal do BC decidiu ficar quieto. Provavelmente para não queimar reservas inutilmente e não entrar numa corrida especulativa. Essa turma não é amadora. Então, para que dar destaque à reação, perfeitamente previsível, do pessoal do mercado? Para dar mais sonoridade às suas pressões especulativas? Há uma diferença entre noticiar e entrar no jogo. Novamente, uma coisa é uma coisa etc. etc.

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Jornalista