Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Só os conformistas são patifes

Vivi por 50 anos no Brasil, onde tenho meus filhos e minhas netas, nos últimos 8 anos voltei para a Itália, mais precisamente para a cidade onde nasci, Belluno, encravada nos Alpes Dolimíticos e com apenas 35 mil habitantes. Minha ligação com o Brasil é feita basicamente através dos jornais online, que não os deixo de ler um dia se quer, tanto que meu horário está em função do brasileiro, com uma variação e 3 a 5 horas para mais. Por exemplo, nessa época, em que estamos no horário de verão, a diferença é a máxima, portanto meu dia começa às 5 da manhã (meia-noite de Brasília), quando entram os jornais brasileiros via internet.

Alguns colunistas que não escrevem diariamente, como ViLlas-Bôas Corrêa, Augusto Nunes, Elio Gaspari, deixo-os para ler no final, tal qual uma criança que também deixa para o fim a melhor parte de sua comida.

Nesse sábado 12 de junho, ao ligar o computador logo pensei, hoje é dia de deixar para o final Alberto Dines. Todavia, este não constava do índice da seção ‘Colunas’ do Jornal do Brasil. Pensei que fosse alguma confusão, o que acontece com freqüência no online desse diário. Passo para O Globo e leio em Ancelmo Gois que Dines fora demitido do JB, em função do artigo ‘A imprensa sob custódia’, publicado pelo Observatório da Imprensa na terça-feira anterior, dia 8. Eu tinha lido o artigo, mas fui ler de novo para ver se havia algo ofensivo ou calunioso ao JB, e estava nisso quando o sinal sonoro me informa que chegara uma mensagem na minha caixa postal: era enviada do Engenho Maravalha pelo escritor Moacir Japiassu, e a reproduzo abaixo.

Consideradíssimo amigo: acabo de receber esta mensagem. Veja se consegue acessar o link e leia os detalhes de mais uma tragédia que se abate sobre o Jornal do Brasil. Estão demissionários Augusto Nunes e Cristina Konder. Abração do Japi.

caros,

Informo que a coluna de Alberto Dines nas edições de sábado do Jornal do Brasil está ‘suspensa’ a partir de amanhã. A decisão foi comunicada esta tarde por José Antonio Nascimento Brito. É uma retaliação ao artigo ‘A imprensa sob custódia’, publicado pelo Observatório da Imprensa em 8/6.

luiz egypto

Parei para pensar no que estaria acontecendo na imprensa brasileira. Há alguns meses José Inácio Werneck foi demitido do JB sob idêntica alegação, até escrevi um artigo sobre o assunto, ‘Demissão à moda da idade média’ [ver remissão abaixo], que foi publicado no OI. No mesmo JB, Armando Nogueira não escreve há meses sem que se saiba o porquê; Fritz Utzeri, ao receber a indecorosa proposta para aceitar uma redução de 75% em seu salário, demitiu-se. Ricardo Noblat, que há poucos meses começara uma excelente coluna em O Dia, foi demitido, pois ganhava muito.

Ares de mecenas

Nesse sábado fatídico, o jornal italiano La Repubblica publicou um artigo inédito do Prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez, escrito em julho de 1966, isto é, um ano antes de Cem anos de solidão. O título diz tudo: ‘Desventuras de um escritor de livros’. Parto do princípio óbvio de que quem escreve é escritor, não interessa o que seja, capa de discos, literatura de cordel, artigos para jornais e romances monumentais, a única diferença é que existem os bons e os maus escritores. Portanto, um articulista de jornal pode juntar seus trabalhos e transformá-los em um ou diversos livros.

Márquez discorre sobre os ganhos de um escritor que recebe tão somente 10% do preço de capa do seu livro, faz um comparativo aritmético interessante, estabelecendo que se o escritor fuma e leva 2 anos para escrever um livro, quando este for publicado o que receberá será insuficiente para pagar os cigarros. Cita o pensamento de um amigo também escritor, que alega serem os editores, distribuidores e livreiros ricos, e a grande maioria dos escritores, pobres; e que alguns colegas da arte sentem falta dos mecenas; explica Gabo que estes existem, mas que um escritor gosta de fazer seu mister e sempre suspeitará que o patrocinador lhe comprometa a independência de pensamento e de expressão, ou dê origem a compromissos indesejáveis, e que o conformista muito provavelmente é um patife, mas com certeza é um péssimo escritor.

Alguns donos de jornais brasileiros, pelo simples fato de pagarem o salário a seus jornalistas, que escrevendo fazem com que eles ganhem dinheiro (não conheço dono de jornal pobre), assumem ares de verdadeiros mecenas, portanto querem escritores conformistas. Mas enganaram-se com Alberto Dines. Este, além de ser um ótimo escritor, com certeza não é um patife.

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Jornalista