Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sob críticas, NYT publica sua versão do caso

O drama de Judith Miller, repórter do New York Times que passou quase três meses presa por se recusar a revelar a identidade de uma fonte à justiça, levantou uma acalorada discussão na imprensa americana sobre o privilégio de jornalistas em preservar a confidencialidade daqueles que fornecem informações sob a condição do anonimato.


Judith foi libertada há pouco menos de três semanas, após concordar em finalmente colaborar com a Justiça, e o desenrolar do caso mostrou-se polêmico e controverso. Na semana passada, dezenas de artigos foram publicados sobre o tema. Em pauta, as divergências entre os advogados da jornalista e os advogados de sua fonte – identificada como Lewis Libby, chefe-de-gabinete do vice-presidente dos EUA – e a cobertura do New York Times sobre o assunto, vista como nula.


Os textos afirmavam que a própria equipe do NYT estava desmoralizada e frustrada pela postura do jornal. ‘Alguns funcionários dizem que [o editor-executivo Bill] Keller e o publisher Arthur Sulzberger Jr. permitiram que sua apaixonada defesa de Judith embaçasse seu discernimento jornalístico na apuração da história’, escreveu Howard Kurtz no Washington Post [13/10/05]. Já Joe Strupp, da Editor & Publisher [14/10/05], ressaltou a falta de artigos opinativos dos colunistas da seção Op-Ed do Times. ‘Entre os oito colaboradores regulares da prestigiosa página de opinião, apenas um – Frank Rich – escreveu algo sobre Judith desde que ela foi presa, em julho’, afirmou.


Diante das críticas, Keller disse que estava ciente da frustração da redação. ‘Eu compartilho dela. É terrível ter uma história e não poder contá-la’, desabafou. Na quarta-feira (12/10), depois de depor novamente diante do grande júri que investiga o caso da agente da CIA Valerie Plame, Judith Miller teve a acusação por desrespeito à Justiça suspensa pelo juiz federal Thomas F. Hogan. Keller, então, afirmou que ‘era um grande alívio ter Judy fora de perigo legal’ e que a decisão deveria abrir caminho para que o Times cumprisse seu desejo: ‘contar a história’.


A história começou a ser contada no domingo [16/10/05] nas páginas do jornalão nova-iorquino. Um longo artigo assinado por Don Van Datta Jr., Adam Liptak e Clifford J. Levy apresentava um dossiê do caso, com informações sobre as conversas de Judith com Lewis Libby em 2003, a posição do Times diante do problema legal em que sua repórter se envolveu, o desenrolar das decisões tomadas por ela, por seus advogados e pelos representantes do jornal diante da perspectiva da prisão, a rotina de Judith nos 85 dias de cadeia e o passado da polêmica jornalista.


Má-fama


Judith é vista como uma pessoa muito inteligente, mas de difícil convívio. Alguns companheiros de redação já teriam chegado a se recusar a trabalhar diretamente com ela. Em 2003, recém-chegada do Iraque após um período acompanhando uma tropa americana, a repórter escreveu pelo menos cinco artigos sobre indícios e evidências da existência de armas de destruição em massa no país – uma das principais justificativas do governo Bush para invadir o Iraque e que acabou nunca sendo comprovada. A cobertura revelou-se tendenciosa, e Judith foi duramente criticada na ocasião – fora e dentro do jornal.


De acordo com o artigo publicado no domingo no NYT, a fama de Judith não teria influenciado a decisão da justiça no caso Valerie Plame, que consiste em descobrir se autoridades do governo federal vazaram a identidade da agente da CIA e mulher do diplomata Joseph Wilson, crítico ferrenho do presidente americano. A repórter conversou com Lewis Libby algumas vezes entre junho e julho de 2003, e em seu caderno de anotações aparecem duas referências ao assunto. Na primeira, o nome ‘Valerie Flame’, e na segunda, mais uma vez de forma errada, ‘Victoria Wilson’.


Ela diz que não lembra exatamente do propósito das anotações, e nem do que – e se – Libby teria comentado sobre o tema, mas é fato que nenhuma de suas matérias publicadas na época abordou a questão ou se referiu a Wilson e sua esposa. A revelação da identidade secreta de Valerie foi feita pelo colunista sindicalizado Robert Novak, em julho de 2003.


No texto, Keller é citado dizendo que preferia que o caso tivesse acontecido com algum repórter menos em evidência – já que, no início da investigação do caso Valerie Plame, ainda estavam frescas as críticas pelo caso das matérias sobre as armas de destruição em massa no Iraque. Ele e o publisher do jornal sabiam da identidade de Libby desde o começo das investigações, mas não tinham mais detalhes. Quando a ameaça de ir para a cadeia tornou-se real para a jornalista e ela decidiu preservar a confidencialidade de sua fonte, os dois resolveram apoiá-la.


Redação frustrada


O caso fez surgir tensões na redação do NYT. Durante este ano, repórteres do jornal tentaram descobrir a identidade da fonte de Judith – Keller, apesar de conhecê-la, recusou-se a contar à sua equipe. Mesmo depois que a identidade de Libby foi revelada por fontes de fora do jornal, e divulgada por outros veículos de comunicação, o NYT evitou publicar o nome do chefe-de-gabinete até que a jornalista fosse libertada, no fim de setembro. O cuidado era tanto que alguns repórteres afirmam que os editores relutavam até em publicar artigos sobre outros aspectos do caso.


Também no domingo, o NYT publicou um texto da própria Judith [16/10/05], no qual a repórter conta sua versão do assunto. Ela escreve sobre as duas vezes em que testemunhou diante do grande júri e sobre suas entrevistas com Libby, em 2003.


Sobre seu último testemunho, na semana passada, Judith diz que foi baseado em um caderno que encontrou recentemente na redação do Times e que continha informações sobre a primeira entrevista que fizera com o chefe-de-gabinete. Ela ressalta que, desta vez, Patrick Fitzgerald, o promotor responsável pela investigação, anunciou ao júri que ela prestaria depoimento como uma testemunha e não como objeto ou alvo do inquérito. ‘A maior parte do tempo foi dedicada a Fitzgerald me pedir para decifrar e explicar as anotações das minhas entrevistas com Libby’, afirma ela. ‘É difícil, depois de dois anos, lembrar do significado e contexto de frases, palavras sublinhadas e parênteses.’


(Falta de) Comunicação


No ‘dossiê’ escrito a seis mãos sobre o caso Judith Miller, afirma-se que no ano passado houve comunicação entre o advogado da repórter e o de Libby. Ali teria sido dada a permissão para que Judith testemunhasse, mas também teriam sido dadas algumas informações sobre o que Libby falou em seu testemunho ao grande júri: que ele não havia fornecido a Judith ou a qualquer outro repórter qualquer dado sobre o status de agente secreta da mulher de Wilson.


Judith diz que, por este motivo, não ficou claro se o chefe-de-gabinete queria realmente que ela testemunhasse. Durante um ano, não foram feitos novos contatos. A repórter diz que não queria pressionar sua fonte. Mas após completar dois meses na prisão, ela chegou à conclusão de que havia cumprido sua parte. Seu advogado entrou em contato com o de Libby, e desta vez ela aceitou a permissão para testemunhar.


Em entrevista na semana passada, Judith afirmou que ‘nós temos tudo para ficar orgulhosos e nada do que se desculpar’. Mas a frustração de quem acompanhou o caso de perto ainda paira no ar. Perguntada do que se arrependia sobre como o New York Times lidou com a questão, a editora-executiva Jill Abramson respondeu: ‘De tudo’. Com informações de David Johnston [The New York Times, 13/10/05].