Os jornais noticiam na terça-feira (10/4) que representantes do governo e da oposição no Congresso Nacional estão coletando assinaturas para a criação de uma comissão parlamentar mista de inquérito destinada a apurar as relações de senadores e deputados com o empresário Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira.
Em uma das versões, a iniciativa tem como finalidade a colheita de dividendos eleitorais, uma vez que a operação policial que ameaça a carreira política do senador goiano Demóstenes Torres cita parlamentares de variados partidos. Segundo essa interpretação, quem sair na frente e obtiver mais espaço na mídia poderá minimizar os danos ao seu grupo e infligir perdas aos concorrentes nas eleições deste ano e nas de 2014.
No entanto, há outra possibilidade: geralmente, quando ocorre uma dessas raras convergências no Parlamento, o objetivo real é o atendimento dos interesses corporativos. Existe, portanto, grande possibilidade de que essa movimentação tenha como meta principal livrar os congressistas da presença incômoda de Demóstenes Torres e apagar rapidamente as pistas que conduzem a outros gabinetes.
Pauta rica
Assim, a “CPI do Cacheira”, como já vem sendo chamada, corre o risco de virar uma verdadeira “cascata”, no significado original e no sentido metafórico que a palavra carrega. Portanto, o resultado tanto pode ser uma enxurrada de denúncias como uma profusão de discursos sem conteúdo relevante.
Tudo pode depender, em última instância, de como a imprensa vai atuar na escolha dos muitos candidatos a porta-voz da moralidade que com certeza irão se apresentar. Por enquanto, todo o noticiário circula em torno de informações vazadas da investigação da Polícia Federal.
Como o Conselho de Ética do Senado estava até o início desta semana sem presidente, o Congresso não tinha condições formais de iniciar o processo contra Demóstenes Torres, que poderia expor a extensão das relações de Carlos Cachoeira entre os parlamentares.
Os jornais apostam que as chances de o senador goiano se livrar da cassação no Conselho de Ética são remotas, mas a tradição não justifica grandes expectativas em torno dos resultados de uma CPI.
Alguns senadores já tentaram se antecipar à investigação oficial, solicitando acesso ao inquérito da Polícia Federal, que corre em segredo de Justiça, mas o Supremo Tribunal Federal se negou a fornecer informações.
Ainda assim, sabe-se, por exemplo, que o esquema de Carlos Cachoeira incluía o fornecimento a parlamentares e órgãos oficiais de notas fiscais de um posto de gasolina para comprovação de despesas com verba pública.
Postos de combustíveis fazem parte dos esquemas mais comuns de lavagem de dinheiro por parte de organizações criminosas. Em São Paulo, um ex-candidato a deputado federal que teve o registro negado sob a suspeita de ser um operador a serviço do grupo criminoso denominado Primeiro Comando da Capital, é apontado como administrador de nada menos do que quarenta postos de combustível na região metropolitana da capital paulista.
Detalhes como esse fazem do inquérito policial sobre as relações de Carlos Cachoeira com parlamentares de Brasília e autoridades de vários estados uma verdadeira jazida de informações para o jornalismo investigativo.
Distrações no caminho
Pelo que já foi revelado de seus conteúdos, as conversas registradas pela Polícia Federal permitem desvendar uma extensa rede de relações que comprometem muito mais gente do que a lista apresentada até aqui pelos jornais e revistas.
Se houver interesse real da imprensa, pode-se estender a ação inicialmente centrada em Carlos Cachoeira e Demóstenes Torres para outros empresários da jogatina em outros estados. Com certeza o leitor de jornais ficaria surpreso com o número e o quilate dos políticos que já foram beneficiados por doações diretas e indiretas de bicheiros.
Mas a imprensa não poderá, como nos escândalos anteriores, depender apenas dos vazamentos seletivos que normalmente ocorrem nas comissões parlamentares de inquérito. Da mesma forma, é preciso ficar atento a iniciativas que podem dividir as atenções.
Na mesma terça-feira (10), por exemplo, a imprensa noticia que uma comissão do Senado está propondo o fim da punição para donos de prostíbulos. A questão envolve não apenas as casas de luxo instaladas em bairros nobres das grandes cidades, mas também a questão do tráfico de escravas sexuais – um problema grave na Europa – e a exploração de crianças e adolescentes.
Trata-se de assunto que, além de anedotas e trocadilhos evidentes, tem grande potencial para inspirar novas polêmicas, porque é tipicamente um dos “negócios” explorados por “empresários” da qualidade de Carlos Cachoeira.