Um mês após a aprovação pelo Senado do projeto de lei que define os delitos informáticos, entidades da sociedade civil mobilizadas em torno da democratização da comunicação tentam suprimir do PL os artigos que violariam os direitos civis dos usuários. A idéia, que já tem o apoio de mais de 100 mil pessoas, é colocar em debate a proposta, que em seu texto atual dá margem a diversas interpretações, engessando de forma inadequada as possibilidades de acesso e extrapolando a intenção original da lei, de proibir e criminalizar algumas condutas, como a difusão de vírus, pedofilia e roubo de senhas.
Para tentar suprimir da proposta que tramita no Congresso – de regulação para a internet – os itens considerados prejudiciais à liberdade característica na rede www, mais de 100 mil pessoas já assinaram a petição que circula online ‘Em defesa da liberdade e do progresso do conhecimento na Internet brasileira‘. O documento apela para que os congressistas brasileiros rejeitem os projetos de lei em curso nas casas legislativas, pois considera que o mesmo atenta contra a liberdade, a criatividade, a privacidade e a disseminação de conhecimento na Internet brasileira.
Paralelamente, movimentos da sociedade civil organizados articulam-se para colocar em discussão a proposta de regulação para a internet, apresentada no Projeto de Lei nº 89/2003, cujo relator é o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O projeto, que está na Câmara, poderá ser votado em regime de urgência, a pedido do deputado Julio Semeghini.
Pontos difusos
Pesquisadores do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito-Rio analisaram a proposta do senador Azeredo e têm críticas principalmente em relação a cinco artigos do PL 89: Art. 285-A; Art. 285-B; Art. 163-A, parágrafo primeiro, Art. 6º, inciso VII e o Artigo 22, III.
Sobre o artigo 285-A, por exemplo, cujo texto diz…
‘Acessar, mediante violação de segurança, rede de computadores, dispositivo de comunicação, ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso’
…a FGV considera que o mesmo criminaliza atividades absolutamente triviais. Segundo a análise do CTS, o problema tem origem no fato do artigo não qualificar o que é a ‘expressa restrição de acesso’. ‘Dessa forma, tal restrição pode ser legal, contratual ou tecnológica’ (ou seja, a própria lei, os termos de uso do produto ou o contrato com a operadora ou um sistema de trava tecnológica – DRM). Leia aqui a análise completa da FGV.
‘O problema neste PL não é a sua intenção original, de proibir e criminalizar algumas condutas, como essas que os senadores tentaram atacar no substitutivo, de difusão de vírus, pedofilia, roubo de senha. Isso ninguém é contra. Acontece que o texto do PL dá margem para diversas interpretações que podem abarcar muitas outras coisas além do alvo original do projeto’, explica o advogado Luiz Fernando Moncau, da FGV.
Neste momento de sua tramitação no Legislativo, porém, não é possível modificar qualquer artigo do projeto. Por isso, a única forma de não correr o risco de engessamento é excluindo esses itens do texto. ‘Este PL deveria ter sido melhor debatido com a sociedade, mas passou rapidamente pelo Senado e foi aprovado’, avalia o advogado.
Um outro ponto apontado pela FGV é que um marco regulatório para a internet deveria ser primeiramente civil e não criminal. Moncau explica que, uma vez estabelecidas as regras civis, é promovida a segurança para aqueles que querem investir, criar, por exemplo, novos modelos de negócios que tenham a ver com a internet. ‘Se você tem uma situação em que o artigo de lei é criminal, extremamente amplo e pode afetar condutas que não foram previstas nele, como é que fica a inovação neste contexto?’, questiona o pesquisador, lembrando que ninguém vai querer correr o risco de implicação em um desses artigos, porque eles gerariam uma insegurança jurídica muito grande.
A análise da FGV foi encaminhada a parlamentares para conhecimento e avaliação. De acordo com o pesquisador, o debate com a sociedade poderia começar, por exemplo, com a Câmara dos Deputados chamando para uma audiência pública.
Enquanto os parlamentares decidem se encaminham o projeto junto com a sociedade ou apartados dela, a polêmica fora do Congresso anda a pleno entre usuários da web, acadêmicos, organizações e movimentos sociais.
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Da Redação FNDC