Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Strip-tease dos jornais

Costuma-se dizer que a melhor defesa é o ataque. Na vida pública, essa orientação é nefasta. Grupos rivais, não tendo argumentos para se defender, adotam o ataque como uma forma de despistamento. Desviam a opinião pública dos seus tetos de vidro atirando pedras no telhado do adversário, que, igualmente instalado sob cobertura vítrea, se defende atacando. No final, verifica-se que ambos só têm razão quando atacam. Mas é preciso ir atrás das acusações que sempre deixam sem resposta, por não lhes interessar. Às vezes, esses fatos são tão importantes quanto o desnudamento que fazem do outro.


É o que está acontecendo com O Liberal e o Diário do Pará. Depois de restringirem suas escaramuças a alfinetadas e indiretas, desde o dia 7 eles estão novamente em guerra aberta e violenta. O último confronto dessas proporções ocorreu durante a campanha eleitoral de 1990 e, em escala um pouco menor, na de 1994. O Liberal acusa o Diário de manipular a margem de erro das pesquisas do Ibope realizadas em Ananindeua para beneficiar a candidatura de Helder Barbalho à reeleição. O Diário do Pará sapeca a mesma acusação a O Liberal, que favoreceu a candidatura de Valéria Pires Franco em Belém. Sem em nenhum momento desfazer as acusações contra si, os dois jornais repetem um contra o outro as mesmas denúncias. Supõem, talvez, que quanto mais pesado baterem, mais induzirão o antagonista a recuar. É uma batalha de ameaças: se nenhum desistir da escalada, ambos continuarão a abrir seus baús de maldades, que não são pequenos.


O povo já sabe que a grande imprensa só se dispõe a abrir esses baús quando se sente ameaçada. Aí ela perde a cautela contumaz e revela o que, em regra, guarda para as escaramuças de bastidores. Os dois maiores grupos de comunicação do Pará vivem novamente um momento de grande tensão. Seus interesses políticos e econômicos entraram em colisão e ameaçam um ao outro. No desespero da disputa, não parecem perceber que não travam um bom combate. O que fazem é uma sessão de strip-tease moral, que revela quem é a elite paraense.


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As contas amargas do gigante de barro


Em 2006 o jornal O Liberal faturou 33,3 milhões de reais. No ano passado sua receita subiu para R$ 37,8 milhões. Apesar dessa evolução de quase 15%, o prejuízo operacional se manteve praticamente o mesmo: R$ 8,5 milhões. Mas o prejuízo líquido melhorou significativamente: de R$ 2,5 milhões em 20065, foi reduzido para R$ 672 mil no ano passado. A causa? A receita financeira alcançada pelo jornal dos Maiorana: de quase R$ 6 milhões em 2006, ela cresceu para praticamente R$ 7 milhões em 2007, acompanhando (com acréscimo de 15%) a evolução da receita bruta. O rendimento financeiro correspondeu a quase um quarto da receita operacional.


De onde vem o capital que proporciona tais rendimentos se a empresa acumula prejuízos há vários exercícios (o acumulado é de quase R$ 16 milhões, superior aos R$ 11,3 milhões das reservas de reavaliação, diminuídas em quase um milhão de reais em relação ao final do exercício anterior), não tem um tostão de reservas de capital, apresenta patrimônio líquido negativo de quase R$ 4 milhões, tem um exigível de longo prazo que é duas vezes e meia o seu faturamento (R$ 95 milhões) e apresenta capital social simbólico (de R$ 657 mil)?


O balanço de Delta Publicidade relativo a 2007, divulgado (com o tradicional atraso) no final do mês passado, é tão pobre nas suas demonstrações que só possibilita ao analista fazer perguntas e conjecturar situações. Em todos esses exercícios, chegando a diagnóstico desfavorável à saúde econômico-financeira de uma empresa cujo poder não encontra o mais pálido reflexo em seu balanço patrimonial. Ou, dito de outro modo: o balanço não autoriza o poder que o jornal O Liberal alardeia. Os números reunidos, com pobreza de quitanda da esquina, mostram que a portentosa estrutura tem pés de barro. Não dos melhores barros, muito pelo contrário.


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Jornalismo policial: sangue encadernado


O noticiário policial dos três jornais diários de Belém é motivo de críticas crescentes por seu descompromisso ético e mesmo profissional. Nas páginas do caderno de polícia o que interessa é atender a morbidez do leitor por sangue e tragédia e ajudar a vender mais. Por isso, foi com muito interesse que li a entrevista de Dilson Pimentel ao último Troppo, o suplemento dominical de amenidades de O Liberal. Dilson, de 40 anos, está há mais de 10 na reportagem policial. É um repórter aplicado e uma pessoa atenciosa. Mas não consegui associar suas declarações ao objeto das suas considerações.


Questionado sobre o ‘caráter de espetacularização da violência’ nos cadernos de polícia, ‘principalmente em termos de imagens’, ele opina:




‘Acho que os jornais têm, sim, que noticiar a violência, mas fazer isso sem estardalhaço, sem sensacionalismo. Devemos nos limitar a noticiar o que está acontecendo, que é o que fazemos no jornal O Liberal, sempre tendo muito cuidado na apuração das informações. Há notícias que falam por si só. São chocantes e fortes em sua essência. Não precisamos realçar isso’.


Provocado a estabelecer o limite entre ‘a reportagem que denuncia’ e a ‘condenação antecipada’, pondera que esse limite está no bom senso:




‘É preciso ter muito cuidado na hora de divulgar certas informações (…). É melhor deixar de divulgar certas coisas a publicar uma matéria que poderá destruir reputações’.


Em tese, Dilson tem razão. Essa razão, contudo, não existe na edição do material que O Liberal tem publicado. O paroxismo, em sentido completamente contrário ao das ponderações do repórter, foi alcançado na cobertura do acidente de carro que vitimou cinco jovens no veraneio deste ano em Salinas, aqui já comentada (JP 423). A imagem da cabeça desgarrada do esqueleto de uma delas contradisse, em grau absoluto, a teorização de Dilson, tornando-a vazia.


Durante toda a semana anterior à edição dominical do jornal, que trouxe a entrevista, o caderno policial desmentia as declarações do repórter. Na segunda-feira, 29 de setembro, o caderno, com seis páginas em formato standard, exibia três fotografias de cadáveres. Na terça-feira, quatro ‘presuntos’ (sendo três fotos de um único morto). Na quarta, só um. Na quinta, quatro. Na sexta, nenhum (a vendagem caiu?). No sábado, três.


Deve-se dizer, em benefício de O Liberal, que a cobertura do Diário do Pará, embora ocupando metade do espaço (oito páginas em formato tablóide, equivalentes a quatro páginas standard), consegue ser mais sangrenta. Ambas, porém, não respeitam a imagem das pessoas mortas, não são rigorosas na apuração das informações, falseiam dados, algumas vezes inventam e, em quase todas as matérias, não escondem o propósito comercial de explorar o que consideram o leitor-padrão desse tipo de jornalismo. Se ele é assim, atraído pela face mórbida da vida, esses jornais sensacionalistas fazem tudo para que continue assim. Não lhe oferecem qualquer opção para mudar, ou tentar algo novo. Na apuração final, querem que a violência persista – ou até aumente. Para que vendam mais jornais.


Pode ser que jornalistas como Dilson Pimentel estejam tentando mudar essa situação, cada vez mais escrachada. Quem lê o seu jornal, porém, não pode deixar de constatar que seu esforço tem sido em vão, ou só consegue efeito residual. A imprensa paraense, como vampiro midiático, quer sangue. Mais sangue. Não indistintamente, entretanto: do ‘povão’, aquele que lê esses ‘bancos de sangue encadernados’, como dizia o tropicalista Gilberto Gil, e que fornece o próprio sangue sem reclamar da exploração de sua imagem. É só assim que a família pode anunciar para a vizinhança: o morto, afinal, virou notícia de jornal.


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Resistência de 30 anos


Estávamos no início de 1967 no Rio de Janeiro. Eu vinha de ônibus da Lapa, onde trabalhava, na redação do Correio da Manhã, para trocar de roupa em Copacabana, onde morava, e seguir, ainda de ônibus, para o alto Leblon, onde estudava, no Colégio André Maurois. Era um esticão de canseira. Num desses percursos, a vista passou rápida por livros exibidos na vitrine de uma livraria da rua Barata Ribeiro. Dei imediatamente o sinal, desci na primeira parada e voltei até a loja.


Eram, de fato, como vislumbrei do ônibus, os três volumes das Obras Escolhidas de Marx & Engels, na preciosa edição de Mauro Vinhas de Queiroz para a Editorial Vitória. Uma pechincha. Mas no caminho para o caixa e enquanto esperava o pacote, olhava para todos os lados. Talvez estivesse um espião por perto para flagrar o ato subversivo, tornado possível porque o livreiro não sabia distinguir um Marx de um livro de culinária – infelizmente, a regra nesse especial comércio.


Desandei a ler as belas edições (a tradução, porém, deixava a desejar), não sem antes recobrir aquela capa montada com retratinhos dos dois ‘pais do socialismo científico’ com um inocente papel. Ao ler os demiurgos do comunismo, eu cometia um ato pecaminoso e ilegal, aos olhos dos donos da ordem. Em alguns momentos, quando alguém me fixava em meio à leitura em ambiente público, o coração palpitava: ‘terei sido descoberto?’


Era mais ou menos assim que se lia o jornal Resistência, que agora completa 30 anos. Quando seu primeiro número circulou, em 1978, o ambiente estava ainda mais carregado de bruxas e demônios. Cheio de matérias sobre temas proibidos, usando linguagem desabrida, a publicação da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos do Pará equivalia a um samizdat. Lê-lo já era correr riscos. Colaborar explicitamente com ele envolvia ainda mais riscos. E assumir sua responsabilidade era uma atitude temerária, que poucos toparam, pagando por isso um preço alto.


Três anos antes tínhamos feito o semanário Bandeira 3, também uma publicação alternativa, mas feita segundo critérios profissionais, sem qualquer vinculação política, ideológica ou comercial. O B3 durou apenas sete números, mas mostrou que não era impossível realizar um empreendimento desse tipo. O Resistência durou muito mais, até 1983, quando sua circulação se tornou eventual, episódica. Tinha o respaldo de entidades e pessoas que queriam furar o bloqueio do regime à liberdade de pensamento e de expressão. Esta era sua força específica, mas foi também sua limitação: a vinculação lhe limitava os movimentos editoriais.


Com todos os seus problemas, Resistência personificou uma atitude e um momento da história da imprensa no Pará, aglutinando pessoas e despertando vocações, até ceder à repressão oficial, enfraquecido pelas inevitáveis dissensões nas quais a esquerda se enredava (e parece se enredar sempre, inclusive por sua natureza libertária, de oposição, quando não assume o poder). Os 30 anos do jornal mereciam um registro mais atento e profundo do que o que está tendo.


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Atenção, barões de Belém: agora, são os sul que vêm


O grupo Leolar, de Marabá, chegou em grande estilo à capital do Pará. Primeiro com sua logomarca impressa na camisa dos jogadores do Águia, o primeiro time do interior a assumir a representação futebolística do Estado. A equipe marabaense de futebol realizou a façanha de ir em frente na última etapa da série C do campeonato nacional, enquanto os poderosos Paissandu e Clube do Remo ficavam para trás. A Leolar é o principal patrocinador do Águia.


O segundo marco do grupo econômico marabaense foi o lançamento do quarto jornal diário do Estado, o único que veio do interior para montar sua base na capital paraense, num inédito movimento migratório de dinheiro. O Público introduziu um componente novo na guerra travada pelos dois grupos monopolistas da comunicação no Pará: de um lado da família Maiorana, com O Liberal e o Amazônia Jornal, e do outro o deputado federal Jader Barbalho, com o Diário do Pará.


Num segmento de mercado com forte contaminação política, e, por isso mesmo, com tendência à bipolaridade de poder, Público vai tentar retomar a ‘terceira via’, fechada quando A Província do Pará deixou de circular. O projeto do novo diário maturou com excepcional rapidez, destacada ainda mais pelo volume do investimento exigido e o grau de risco do negócio, que raros aceitaram encarar, apesar da tentação constante.


O grupo Leolar consolidou posições significativas no setor de comunicação antes de dar o grande passo para o jornal diário. Montou uma emissora de televisão e, em seguida, incursionou por um mercado com tradição, mas de resultados inconsistentes para os seus exploradores: o jornal gratuito. Livre completou 50 edições distribuídas em prédios residenciais e alguns pontos de comercialização. Tem 32 páginas, boa impressão, matérias diversificadas e tiragem de 15 mil exemplares. Abriu caminho e deverá encorpar a presença da publicação maior e mais importante, o Público.


Os donos do negócio não deixam dúvida de que pretendem obter lucros na investida e já mostraram pelo menos algumas de suas armas para o combate. É claro também que o pesado investimento realizado até agora é mais do que um negócio comercial: é a manifestação de um projeto de poder, que não se confunde com o dos Maiorana nem com o dos Barbalho. Ecoa a mensagem e canaliza o vigor de Marabá, a capital do sul do Pará e, provavelmente, do novo Estado, de Carajás, se ele vier a se constituir.


Belém, refratária por princípio a qualquer redivisão do imenso território sob sua jurisdição, o segundo maior do país, não poderá mais deixar de ouvir a voz dissonante do sul do Estado e de observar sua pujança econômica. Paissandu e Remo foram suplantados pelo Águia. O Liberal e o Diário do Pará poderão ignorar o novo competidor? Mais grave ainda: suas sobrevivências de alguma maneira não estarão postas em questão se o concorrente se apresentar com qualidades novas e superiores? Haverá espaço suficiente para abrigar quatro diários?


Talvez até haja, embora não pareça haver. Independentemente do que acontecer no segmento de jornais, porém, a penetração nessa área encouraçada por um grupo econômico originário de Marabá e até recentemente mantido à distância da capital tem um sentido ainda mais amplo, que se ressalta em plena campanha eleitoral em Belém: a perda de expressão e de poder da atual capital do Estado. Com a possibilidade de se tornar a capital da siderurgia paraense e, finalmente, assumir sua predestinação histórica de centro irradiador e aglutinador do vale do Araguaia-Tocantins, Marabá quer agora muito mais do que lhe é oferecido. Conforme anunciou no seu editorial de inauguração, no dia 5, Público se propõe a olhar de frente a complexidade da Amazônia, sem a ‘pequenez e mesquinharia que assola’ Belém. Não é simples o desafio. É preciso ter as ferramentas adequadas para enfrentá-lo, sob pena de a declaração cair no vazio.


O projetado Estado de Carajás, com apenas um terço da população do Pará remanescente (se também for criado o Estado do Tapajós), tem uma receita de exportação que, no ano passado, já ultrapassou o Pará. Seu saldo de divisas é ligeiramente menor, mas. como possui muito menos população (embora com incremento demográfico maior), seu PIB/per capita é bem mais do que o dobro do Pará.


Mesmo que não constituam um plano integrado, conscientemente articulado com essa finalidade, Águia e Público são sinais desses novos tempos. Os velhos barões que se acautelem: sua falsa nobreza parece estar começando a ficar com os dias contados. Para o bem ou para o mal, o Pará é maior do que imaginavam seus tutores encastelados na capital.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)