A ‘Nota de redação’ de quase duas colunas com que a Veja desta semana respondeu à carta conjunta de mais de duas colunas dos ministros Celso Amorim, Tarso Genro e Gilberto Gil foi uma surpresa e tanto [veja íntegra na rubrica Entre Aspas, desta edição].
Nem sombra, ali, da truculência habitual das matérias da revista sobre o governo Lula. A mais recente delas, ‘O grande salto para trás’, que rendeu a capa ‘O PT deixou o Brasil mais burro?’, ilustrada por um par de inconfundíveis orelhas, foi por sinal o que motivou a carta dos três ministros (um defendendo o projeto de reforma universitária, outro a exclusão do inglês como disciplina eliminatória no exame para o curso de formação de diplomatas, outro, enfim, a proposta da Ancinav).
Provavelmente por causa do tom sereno e objetivo da carta tríplice, a Veja não teve como continuar chutando o pau da barraca: sustentou as críticas ao governo com a elegância, equilíbrio e argumentos substantivos que mesmo o mais benevolente leitor não haverá de encontrar nos seus textos em que grosseria passa por contundência e agressão por informação.
Espertamente, a ‘nota’ admite que ‘muitas vezes, a reação [da ‘imprensa’] a medidas oficiais pode ser mais crítica, veemente ou eloqüente do que os governantes gostariam’. Depois, elogia ‘os governos’ que divulgam os seus planos para que a sociedade os discuta antes que o Congresso os vote.
E fecha com espantosa humildade: ‘Gostaríamos de pensar que contribuímos com as autoridades públicas no sentido de debater democraticamente suas iniciativas…’.
Animado, mais do que depressa este leitor começou a folhear a revista em busca desse saudável e louvável (duas palavras usadas na ‘nota’) jornalismo contributivo e de críticas construtivas.
Não precisou ir muito longe para descobrir que, quanto mais parece mudar, mais a Veja é a mesma coisa.
Golpes de sarcasmo
Na seção ‘Contexto’, sob o título ‘Eles sabem o que é bom’, a velha e boa má-fé do semanário reaparece sem maquiagem. ‘Eles’, os participantes do Fórum Social Mundial, foram atacados a golpes de sarcasmo porque condenam o capitalismo, ‘mas desfrutam seus benefícios’.
A saber, lotaram as filiais de Porto Alegre das cadeias internacionais de hotéis, fizeram subir 20% as vendas do McDonald’s e 100% as da Pizza Hut e alugaram belos carros da GM e da Toyota. Tem mais: ‘Na semana que antecedeu o Fórum, foram locados 350 celulares’, ante a média de 45 por mês na cidade. E ‘o movimento no Shopping Praia de Belas, próximo do evento, aumentou 30%’.
Então, pela Veja, ficamos assim: anticapitalista que é anticapitalista que se preze só pode dormir em hotéis zero estrela, só pode comer salsicha de carrinho de rua, só pode andar a pé ou de bicicleta e só pode usar telefone público (se a empresa for estatal, presumivelmente). ‘Eles’, no caso os editores da revista, ‘sabem o que é bom’ para manter o costumeiro padrão de desonestidade do produto.
Ou não será desonesta a legenda ‘Amorim: para ele existem dois tipos de seqüestro no Iraque, os justificados e os não totalmente justificados’? O que o ministro diz, entre aspas, na matéria sobre o sequestro do engenheiro da Odebrecht no Iraque é o seguinte: ‘O Brasil tem sido contrário à invasão do Iraque, à guerra. Então, o apelo humanitário se torna ainda mais cabível.’
Para a Veja, isso equivale a ‘dar a entender que o seqüestro do brasileiro seria mais injustificado do que os outros…’, daí a legenda que resume não o que o fotografado disse, mas o que a revista acha que ele ‘deu a entender’.
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P.S. A Veja usava se gabar do cuidado meticuloso dos seus checadores, que devem conferir fatos, nomes e datas que aparecerão na revista. Qual o quê. No artigo ‘A herança cultural da Inquisição’, o colaborador Stepehn Kanitz escreveu: ‘Fernando Henrique Cardoso, em seu livro O presidente segundo o sociólogo…’. Fernando Henrique escreveu muitos livros. Mas este quem escreveu foi Roberto Pompeu de Toledo. Colunista (e veterano) da Veja.
[Texto fechado às 16h43 de 31/1]